O Ministério da Saúde cancelou a entrevista coletiva agendada para esta quarta-feira, quando seriam anunciadas diretrizes para a flexibilização do isolamento social durante a pandemia de COVID-19.
Entretanto, a falta de consenso entre União, Estados e Municípios pode não ter sido a única causa da não realização da coletiva. A discordância entre o ministro da Saúde, Nelson Teich, e o presidente Jair Bolsonaro, també podem ter tido influência na decisão.
Discordância com Bolsonaro
Na segunda-feira, Nelson Teich passou por um constrangimento público, após descobrir por meio da imprensa que Bolsonaro havia inclído diversas atividades no rol das "essenciais", que poderiam voltar a funcionar durante a pandemia.
No decorrer da semana, mais um episódio de discordância em presidente e ministro. Na terça-feira, Teich se manifestou pelo Twitter, apresentando algumas ressalvas sobre o uso do medicamento cloroquina no tratamento da COVID-19.
%u201CAmpliação [da lista de setores essenciais] é competência minha, do Executivo. Se a cada decisão eu fosse ligar para o ministro, eu não ia trabalhar%u201D, diz Bolsonaro, um dia após o figurante Nelson Teich ser pego de surpresa em coletiva. É padrão do presidente atropelar ministros. pic.twitter.com/ZDmsnPUc0m
%u2014 Felipe Moura Brasil (@FMouraBrasil) May 12, 2020
“Se você criar um fluxo que impeça que as pessoas se contaminem, se criar condições e pré-requisitos para que você não exponha pessoas a risco de contaminação, você pode trabalhar retorno de alguma coisa. Agora, tratar isso como essencial, é um passo inicial, que foi decisão do presidente, que ele decidiu. Saiu hoje isso? Falou agora?”, perguntou o ministro, visivelmente embaraçado.
“Decisão de? Quem é...Manicure, academia? Isso aí não é... Não passou, não é atribuição nossa. Isso é uma decisão do presidente”, disse o ministro durante coletiva no Palácio do Planalto.
“Decisão de? Quem é...Manicure, academia? Isso aí não é... Não passou, não é atribuição nossa. Isso é uma decisão do presidente”, disse o ministro durante coletiva no Palácio do Planalto.
No decorrer da semana, mais um episódio de discordância em presidente e ministro. Na terça-feira, Teich se manifestou pelo Twitter, apresentando algumas ressalvas sobre o uso do medicamento cloroquina no tratamento da COVID-19.
“O @minsaude em 23.03 informou que a cloroquina pode ser prescrita para pacientes hospitalizados (https://bit.ly/3fIcIQe). O Medicina_CFM, em 23.04, entendeu a excepcionalidade em que vivemos e possibilitou o uso em outras situações. Um alerta importante: a cloroquina é um medicamento com efeitos colaterais. Então, qualquer prescrição deve ser feita com base em avaliação médica. O paciente deve entender os riscos e assinar o “Termo de Consentimento” antes de iniciar o uso da cloroquina”, afirmou o Teich por meio da rede social.
Nesta quarta, o presidente Jair Bolsonaro, devoto do uso da cloroquina – medicamento que não tem eficácia cientificamente comprovada – desautorizou a palavra de seu ministro, sem citar dados ou fontes.
“O meu entendimento, ouvindo médicos, é que ela deve ser usada desde o início por parte daqueles que integram o grupo de risco. Pessoas com comorbidades ou de idade, já deve ser usada a hidroxicloroquina”, disse o presidente.
Sobre a discordância entre seu discurso e o do ministro da Saúde, Bolsonaro afirmou: “Olha só, todos os ministros, eu já sei qual é a pergunta, têm que estar afinados comigo. Todos os ministros são indicações políticas minhas e quando eu converso com os ministros eu quero eficácia na ponta. Nesse caso, não é gostar ou não do ministro Teich, é o que está acontecendo”.
“Velha política”
Ainda nesta quarta, o administrador de empresas Francisco de Assis Figueiredo foi demitido do cargo de Secretário de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde. O ato, publicado no Diário Oficial da União (DOU) dessa terça-feira, foi assinado pelo ministro da Casa Civil, Braga Netto.
Como parte da negociação do governo Jair Bolsonaro com partidos do Centrão, o posto deve ser ocupado por um nome indicado pelo PL, sigla comandada pelo ex-deputado Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão.
Sob pressão de aliados e após sofrer sucessivas derrotas políticas, o presidente começou a negociar cargos com partidos do bloco informal formado por, além do PL, o Progressistas (antigo PP), Republicanos, PTB, Solidariedade, DEM e PSD em troca de votos no Congresso, ressuscitando a velha prática do “toma lá, dá cá”, criticada por Bolsonaro durante a campanha presidencial de 2018.
Figueiredo atuava no ministério desde 2016. Ele foi indicado ao cargo pelo Progressistas durante a gestão do ex-ministro Ricardo Barros (Progressistas-PR). A demissão já era esperada desde a chegada de Nelson Teich ao cargo de ministro da Saúde.
A composição da equipe de Teich irá refletir acordos do governo Bolsonaro para costurar apoio tanto da ala militar como de partidos do Centrão no Congresso, avaliam integrantes do governo Bolsonaro e gestores do SUS.
Teich tem sido acompanhado em reuniões pelo secretário-executivo da pasta, o general Eduardo Pazuello, apontado em tom irônico por secretários de Estados e municípios como verdadeiro chefe da Saúde. Além de Pazuello, mais de uma dezena de militares já ganharam ou devem receber cargos na secretaria-executiva.
Gestores do SUS que participaram recentemente de reuniões com o ministro afirmaram que Teich parece "perdido", sem dar uma diretriz sobre o que pretende fazer no ministério.
O ministro fez poucas nomeações "na sua cota". Um de seus indicados é o médico e biofísico Antonio Carlos Campos de Carvalho, que assumiu a Secretaria de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde. Alguns técnicos de dentro do ministério têm sido promovidos a chefes substitutos. A ideia de Teich é nomeá-los definitivamente, o que ainda depende de aval do Planalto.