Brasília – O novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, assume o cargo nesta segunda-feira num momento de incertezas sobre as eleições municipais deste ano. “Quem vai bater o martelo são os sanitaristas”, diz ele, prevendo a decisão a esse respeito para o fim da primeira quinzena de junho, em conjunto com o Congresso. Da sua parte, Barroso resiste a adiar as eleições e não coloca a prorrogação de mandatos no radar. “A prorrogação de mandato é antidemocrática em si, porque os prefeitos e vereadores que lá estão foram eleitos para um período de quatro anos. Faz parte do rito da democracia a realização de eleições periódicas e o eleitor ter a possibilidade de reconduzir ou não seus candidatos”, diz.
"Se até meados de junho a situação continuar semelhante, talvez seja inevitável a necessidade de adiar"
O senhor vai ter o desafio de conduzir as eleições em meio à pandemia. O senhor é favorável ao adiamento?
Não desejaria ter que adiar as eleições. O prazo está previsto na Constituição e penso que eleições são um ponto vital para a democracia. Porém, não podemos fechar os olhos à realidade. Existe uma pandemia no mundo, ela atingiu o Brasil e a curva neste momento ainda é ascendente. Se até meados de junho a situação continuar semelhante, talvez seja inevitável a necessidade de adiar. Mas a minha primeira vontade não é adiar. Se for inevitável, que seja pelo prazo mínimo.
O critério seria o achatamento da curva no Brasil?
Essa é uma questão interessante, porque embora dependa do Congresso, porque é preciso uma emenda à Constituição, depende do TSE. Nós precisamos ter condições técnicas de realizar as eleições. Quem vai bater o martelo são os sanitaristas, que vão nos dizer se e quando é seguro realizar uma eleição dessa amplitude, com mais de 140 milhões de eleitores, sem trazer riscos à po- pulação. Nós vamos ouvir a ciência e a recomendação médica, procurando fazer o melhor possível dentro do contexto e com diagnóstico que eles nos fornecerão.
Como o senhor vislumbra a campanha eleitoral em meio a este cenário de pandemia, com as pessoas com medo de ir para rua?
Nós temos etapas. Temos o primeiro momento, que são as convenções partidárias — cujo prazo é até 5 de agosto e que já envolveriam aglomeração. Talvez seja viável fazer isso por videoconferência, embora seja relativamente complexo. Em 15 de agosto, teria início a campanha. A verdade é que, em outros tempos, a campanha era feita essencialmente no corpo a corpo, nas ruas, em comícios, que exigiam muito contato e aglomeração. Hoje em dia, o perfil das campanhas mudou, sobretudo com o papel da televisão e das redes sociais, de modo que o corpo a corpo e a aglomeração se tornaram pouco menos importantes. É possível imaginar uma campanha feita via redes sociais, via televisão. Seja como for, nós só vamos poder deflagrar esse processo quando algum grau de contato social for possível. Por isso, estamos aguardando o momento certo para bater o martelo.
Se as eleições forem adiadas, teremos uma extensão dos mandatos atuais?
Precisamos avaliar como está a curva da doença para tentar programar. Mas a verdade é que a grande característica da pandemia que estamos vivendo é a imprevisibilidade. Caso seja preciso adiar, desejaríamos que fosse por apenas algumas semanas. Talvez para meados de novembro ou início de dezembro. Ou ainda fazer o primeiro turno em 15 de novembro e o segundo em 4 de dezembro. Faremos tudo que for possível para evitar a prorrogação de mandato. Se isso se impuser como inevitável, o que espero que não aconteça, seria prorrogação pelo prazo mínimo e inevitável, porque há muitos problemas de ordens diversas em prorrogação de mandato.
A Constituição autoriza a prorrogação de mandato?
A Constituição não prevê e na redação atual não autoriza. Na verdade, a prorrogação de mandato é antidemocrática em si, porque os prefeitos e vereadores que lá estão foram eleitos para um período de quatro anos. Faz parte do rito da democracia a realização de eleições periódicas e o eleitor ter a possibilidade de reconduzir ou não seus candidatos. Portanto, pela Constituição, não é possível prorrogar mandatos. Mas, evidentemente, em situações extraordinárias como esta pandemia, pode haver um motivo de força maior que leve o Congresso a contemplar essa possibilidade. Verdadeiramente, espero que não aconteça em hipótese alguma.
O senhor foi relator das ações que questionaram a MP 966, que trata sobre a punição de agentes públicos. O Ministério da Saúde e o governo vêm autorizando o uso de medicamentos que não têm eficácia comprovada. Isso pode entrar no quesito de erros que estão sendo cometidos pelo presidente da República?
Considero um erro qualquer prática política pública que fuja aos padrões consensuais firmados pela ciência e pela técnica médica em geral, pelos sanitaristas, pela Organização Mundial da Saúde e pelas entidades e referências médicas do país. Onde haja consenso científico e médico, não é possível adotar uma política pública contrária a isso. Vivemos em um mundo iluminista, portanto as coisas têm que ser feitas com base na razão e na ciência, não em palpite e ideologias. Portanto, contrariar os padrões médicos e científicos seria considerado um erro grosseiro para fins de responsabilização do agente público. Também consideramos que se enquadraria na categoria erro grosseiro a eventual prescrição de medicamentos que não tenham sido submetidos a testes clínicos e não sejam reconhecidos pela comunidade científica como eficazes e adequados para o enfrentamento daquela moléstia a que ele se destina. Acho que a adoção de uma política pública de eventual distribuição de um medicamento que não tenha chancela da comunidade médico-científica e nem de pesquisas clínicas pode, sim, gerar responsabilidade. Acho que diferente é a situação de um médico específico que por uma razão A, B ou C considere que para o seu paciente, especificamente, deva prescrever um determinado medicamento ainda quando expe- rimental. Portanto, há uma diferença entre a responsabilidade médica individual, essa vai ser perante o CRM, se existir, de quem tem um cargo de definir políticas públicas e o faça em contrariedade à ciência. Portanto, acho que são situações um pouco diferentes a de quem traça uma política pública da de quem prescreve para uma situação particular.
Ministro, voltando ao TSE, a gente tem ações que pedem a cassação da chapa do presidente Bolsonaro.
Uma delas é sobre os disparos em massa que teriam ocorrido nas últimas eleições. O senhor pretende pautar esse tipo de ação?
Uma delas é sobre os disparos em massa que teriam ocorrido nas últimas eleições. O senhor pretende pautar esse tipo de ação?
Pretendo pautar, seguindo a ordem cronológica, tudo que esteja pronto para julgamento. Portanto, essas ações de investigação perante a Justiça Eleitoral são conduzidas pelo corregedor-geral da Justiça Eleitoral, atualmente o ministro Og Fernandes, que em breve, depois de muitos bons serviços prestados, será substituído pelo ministro Luís Felipe Salomão. Ambos integrantes do Superior Tribunal de Justiça. Portanto, cabe ao corregedor conduzir essa investigação e quando ela for concluída, ele comunica a mim e eu a pautarei. Portanto, vai ter o ritmo que o corregedor puder dar e que as provas forem apuradas e nós somos juízes, eu vou ser presidente de um tribunal, juiz não apoia ninguém nem é adversário de ninguém. Há a Constituição, as leis e as regras para serem cumpridas e o modo como eu toco a minha vida é a gente faz o que é certo, justo e legítimo, ninguém é protegido e ninguém é perseguido. Vamos fazer como manda a lei e se ficar pronto para julgamento, vai a julgamento.
Existe no STF um inquérito que mira o presidente e agora foi incluído nesse inquérito a possibilidade de ter ocorrido vazamento ao senador Flávio Bolsonaro de uma operação da PF. Essa operação teria sido adiada para não prejudicar a campanha do presidente da República. Se ficar constatado que isso realmente ocorreu, seria uma interferência indevida nas eleições?
Esse é um inquérito que é presentemente conduzido pelas mãos experientes, firmes e honradas do ministro Celso de Mello. Portanto, eu sou juiz, eu falo ao final da investigação, não no início da investigação. Portanto, ao final da investigação saberemos se houve crime comum, e aí caberá ao procurador-geral da República oferecer denúncia, ao Supremo julgar se houve crime de responsabilidade, à Câmara aceitar uma instauração de processo de impeachment e ao Senado julgar. Se o inquérito apurar que não houve nem uma coisa nem outra, arquiva-se. Portanto, não tenho nenhuma opinião quando uma investigação começa. Depois que ela terminar, eu terei uma opinião. Se chegar ao Supremo, você vai ficar sabendo a minha opinião; se não chegar ao Supremo, nem isso.