"A bandeira ficou maior que o medo"
Gleidistone Silva, publicitário, 26 anos
Conhecido como Tom Tom, Gleidistone afirma se sentir representado pelo movimento antirracismo e crê que o mundo passa por um marco na história. “É um momento que extrapola barreiras, sociais e internas, algumas até mesmo sanitárias, devido ao novo coronavírus. As pessoas não têm mais medo, a bandeira ficou maior que isso. Precisamos falar sobre racismo e ecoar o grito de que pessoas pretas estão morrendo. Vidas pretas importam”, afirma.
Quando questionado sobre eventual mudança, porém, o publicitário é reticente. “Muda? Não sei dizer. Por toda a minha vida vivi em uma sociedade racista, isso está impregnado na política e na história do mundo. O racismo no Brasil é institucional. Por que um branco julga um preto no tribunal? O juiz precisa ser preto. Só assim o julgamento vai ser justo. É preciso que pessoas brancas enxerguem isso, comecem a se questionar. Observem o que está acontecendo, aprendam a escutar. Isso é um marco, uma oportunidade”, avalia.
Para ele, pessoas brancas podem ajudar o movimento antirracista procurando entender a causa. “Não tentem protagonizar um espaço neste momento. Busquem por conhecimento e por educação, leiam livros, artigos e jornais. Criem espaços para a voz preta. Usem empresas e contratem modelos pretos. Em festivais de música, contratem artistas pretos. São pequenas ações que transformam o mundo e trazem representatividade para a causa”, acredita.
O publicitário classificou como “péssimo” o movimento “Blackout Tuesday”, que lotou o Instagram de fotos pretas. “Tira o foco da ação. As pessoas precisam ver os rostos das vidas que foram assassinadas. No Estados Unidos, foi Floyd, aqui, no Brasil, a menina Agatha, o jovem João Pedro e tantos outros mortos pela repressão policial”, lembra. Para ele, uma hashtag não muda, não transforma. “É preciso ver pessoas pretas falando, ver nossos rostos.”
"Não é preciso esperar algo acontecer"
Ana Carolina Nagem, estudante de psicologia, 22 anos
A estudante da FUMEC usa sua voz para falar com amigos sobre a luta antirracista. Moradora do Funcionários, bairro de classe média alta de BH, a jovem sempre estudou em colégios particulares e convive em ambientes majoritariamente frequentados por pessoas brancas. “Como uma pessoa negra, em uma situação de privilégio, convivo com muita gente branca, o que já esboça o racismo estrutural no Brasil. O racismo acontece diariamente. Por ser quase sempre a única negra, chamo a atenção ao chegar, as pessoas me olham e me julgam”, conta.
A universitária relata que já sofreu discriminação em espaços como shopping e boate da capital, e que, em um dos episódios, chegou a chamar a polícia. Mas conta que nada foi feito. “Chegaram e falaram que eu estava exagerando.”
Questionada sobre o movimento que vem tomando conta de cidades pelo mundo, Ana Carolina diz que se sente representada. “Representatividade importa muito, ainda mais na vida das crianças negras. Todo dia, essas meninas e meninos escutam que o que é bonito é ser branco. Ter a boca pequena, o nariz fino, a cor mais clara. Elas crescem escutando isso. Vendo essas imagens, das ruas e do mundo, isso inspira. Eu me sinto representada porque a indignação da comunidade negra finalmente está aí. E isso precisa ser lembrado, assim como o pedido pela vida das crianças negras mortas nas favelas do Rio de Janeiro. Esse é o verdadeiro pedido de socorro.”
Inspirada por movimentos antirracistas, a jovem usa a plataforma do Instagram para tirar dúvidas de jovens do seu meio social. De acordo com ela, muitos amigos a procuraram para entender o que estava acontecendo no mundo. “Isso me deixa feliz, mas, muitas vezes, as pessoas só falam sobre racismo quando a pauta está em alta. Esperam algo acontecer. Entendam, não é preciso esperar algo acontecer nos Estados Unidos para abrir um diálogo”. Ao afirmar que o presidente do Brasil é conhecido por “declarações racistas, machistas, homofóbicas”, ela questiona: “E aí? Por que ninguém faz nada? É preciso ter rodas de conversa, incluindo essas pessoas racistas, porque essa é uma problemática branca.”
"Pessoas precisam sair das redes e levar a sério"
Poliana Ramos, estudante de direito, 28 anos
Perto de completar o curso de direito na Faculdade Arnaldo, Poliana desabafa: “Estou me formando agora e, na foto da turma, sou a única mulher com cabelo crespo. É difícil olhar para os sonhos e não sentir que existe chance de conquistá-los”, lamenta. Ela destaca que, em toda a história do Supremo Tribunal Federal (STF) – posto que é meta para qualquer estudante de direito –, houve apenas um magistrado negro. “Um, apenas um. Precisamos falar sobre representatividade e o papel que ela tem na vida de pessoas pretas.”, afirma.
Quando questionada sobre a atuação de pessoas brancas na luta antirracismo, a estudante cita o ator Paulo Gustavo. “Durante esta semana, ele cedeu a página no Instagram para pessoas negras. Eu me senti representada. É isso que brancos precisam fazer: dar voz às pessoas negras. A fala quando vem da boca de um negro é muito mais forte”, diz.
Poliana relata que a cobertura da mídia durante o protesto proporcionou um momento único em sua vida. “Minha mãe é mais velha, não sabe escrever, não teve as mesmas oportunidades. Outro dia, me gritou: ‘Filha estão falando dos negros na TV’. Fiquei emocionada. Ela nunca tinha visto aquilo, e finalmente está se reconhecendo como negra e entendendo que ela não é o problema e sim parte da solução”, afirma, admitindo que ela mesma demorou a se aceitar negra.
A estudante faz um alerta sobre a importância da militância nas ruas. Segundo ela, a juventude tem um poder muito grande nas mãos e pode contribuir para que a pauta seja realmente escutada. “Sempre falo que as pessoas precisam sair das redes sociais e levar a sério. Os jovens estão começando a tomar consciência do seu papel na sociedade. Mas vale lembrar que a melhor forma de fazer a diferença é elegendo representantes políticos que são a favor da luta, da cultura e da inclusão.”
*Estagiária sob supervisão do editor Roney Garcia
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