A ginástica operada pelo Ministério da Saúde para manipular os dados da pandemia da COVID-19 ocorreu após determinação do presidente Jair Bolsonaro para que o número de mortes pelo coronavírus fique abaixo de mil por dia. Para se enquadrar no limite imposto pelo chefe do Executivo, a solução foi separar os óbitos ocorridos nas últimas 24 horas das mortes de datas anteriores, mas que só foram confirmadas naquele período. Até a semana passada, o Ministério da Saúde somava todas as mortes confirmadas em um mesmo dia, independentemente de quando ela havia ocorrido.
A estratégia do Palácio do Planalto é uma tentativa de demonstrar que não há uma escalada da doença fora de controle e, ao mesmo tempo, apontar que há um exagero da imprensa. A ideia de Bolsonaro é mostrar que o número de mortes nunca esteve acima de mil por dia, mas apenas a consolidação dos dados de pacientes que morreram em datas anteriores. O Brasil tem 37.312 óbitos e 685.427 casos confirmados da COVID-19. É o segundo país em número de contaminados, e o terceiro em mortes.
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PL quer obrigar governo federal a publicar dados da COVID-19 em tempo realCongresso decide divulgar números paralelos de COVID-19 no BrasilTeich sobre Pazuello: 'Quanto mais tempo sem um ministro definitivo é ruim'Mudança na divulgação dos dados das mortes por COVID-19 no Brasil desorienta e eleva o riscoNa última sexta-feira, 5, terceiro dia seguido de atraso, o presidente se recusou a responder de quem havia partido a determinação para postergar a publicação dos dados. Na ocasião, ele disse: “Acabou matéria no Jornal Nacional”, referindo-se ao telejornal da TV Globo, o de maior audiência no país. Naquela noite, quando o Ministério da Saúde atualizou o balanço, a emissora interrompeu a programação da novela com um “plantão” para informar os números.
Na mesma sexta-feira, o portal do Ministério da Saúde com o balanço da pandemia saiu do ar. Após 19 horas, a página retornou, mas passou a apresentar apenas informações sobre os casos “novos”, ou seja, registrados no próprio dia. Os números consolidados da doença e os históricos da doença desapareceram. No domingo, 7, o governo anunciou que voltaria a informar seus balanços sobre a doença. Mas mostrou números conflitantes, divulgados no intervalo de poucas horas. O erro foi corrigido nesta segunda-feira.
Nesta segunda, 8, em resposta à decisão do governo Jair Bolsonaro de restringir o acesso a dados sobre a pandemia de COVID-19, os veículos O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo, O Globo, Extra, G1 e UOL decidiram formar uma parceria e trabalhar de forma colaborativa para buscar as informações necessárias nos 26 Estados e no Distrito Federal. O balanço diário será fechado às 20h.
Após a repercussão negativa das restrições de acesso às informações da pandemia, a avaliação do governo é que a equipe do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, executou mal a determinação do presidente. A ordem agora é ajustar a divulgação dos dados para demonstrar que foi um erro e não uma falta de transparência.
Desde o início da pandemia, Bolsonaro minimiza o impacto da crise sanitária. O presidente defende o fim do isolamento social e quer a retomada das atividades econômicas. Apesar da curva ainda em ascensão da doença, ele já pediu para empresários para que pressionem governadores pela extinção da quarentena.
O secretário-executivo da Saúde, coronel Elcio Franco Filho, enviou para a sua equipe vídeo do empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan e defensor do presidente Bolsonaro, afirmando que “não condiz com a realidade” informar que mais de mil mortes pela COVID-19 foram confirmadas num único dia. A distribuição do vídeo foi noticiada pelo jornal Valor Econômico e confirmada pelo Estadão.
No vídeo usado como exemplo para alterar a forma de divulgação do boletim da COVID-19, Hang ainda afirma, sem apresentar dados, que os “hospitais estão vazios”. O empresário diz que havia sido informado pelo deputado federal Osmar Terra (MDB) sobre suposta falha na divulgação dos dados da COVID-19. Terra tem atuado como conselheiro do presidente Jair Bolsonaro e do ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, sobre a doença.
O número de vítimas pelo novo coronavírus confirmadas de um dia para o outro, de fato, não significa que todas as mortes ocorreram neste período. Os dados consideram investigações de óbitos que só foram encerradas nas últimas 24h, mas podem ter acontecido semanas antes.
Segundo balanço da última quinta-feira, 4, do Ministério da Saúde, o dia com maior número de mortes (670) pela COVID-19 no Brasil foi 12 de maio. Para técnicos da pasta, porém, não é correto afirmar que se trata do pico da doença, pois há mais de 4 mil mortes em análise.
Como o Estadão revelou, informes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) enviados ao Palácio do Planalto e a ministros alertam para alta subnotificação de infectados e mortos no Brasil. “A participação do Brasil torna-se mais significativa se for considerado que o País tem 10 a 15 vezes menos testes diagnósticos realizados por milhão de habitantes que os demais (países) e, portanto, é provável que os números brasileiros estejam subestimados e sejam de maior proporção do que os apresentados”, afirma relatório de 12 de maio.