Um dia depois de demitir o ministro da Educação, Abraham Weintraub, o presidente Jair Bolsonaro enviou emissários a São Paulo para "cobrar a fatura" do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A dispensa de Weintraub, que chamou magistrados da Corte de "vagabundos", foi um gesto político do presidente em busca de uma trégua com magistrados da Corte.
Na tentativa de uma aproximação, os ministros Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência), André Mendonça (Justiça e Segurança Pública) e José Levi Mello do Amaral Júnior (Advocacia-Geral da União) se reuniram com Moraes, na tarde de ontem, em São Paulo. O encontro faz parte da estratégia do Palácio do Planalto para construir um canal de diálogo do presidente com o Supremo.
Moraes é o relator de dois inquéritos que investigam aliados de Bolsonaro e estão fechando o cerco sobre o Palácio do Planalto. Um deles é o das fake news, que apura ameaças, ofensas e calúnias contra integrantes da Corte. A investigação mira o chamado "gabinete do ódio", grupo de assessores da Presidência comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). A existência desse "bunker ideológico" foi revelada pelo Estadão, no ano passado.
Entre as decisões de Moraes que preocupam o governo está a quebra de sigilo bancário e fiscal de empresários bolsonaristas. O magistrado viu indícios de que o grupo atua de maneira velada, financiando a disseminação de fake news e conteúdo de ódio contra integrantes do Supremo e outras instituições.
As provas coletadas nesse inquérito poderão ser usadas em ação que tramita no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para investigar denúncias de irregularidades na campanha eleitoral de 2018. O processo pode resultar na cassação da chapa de Bolsonaro e do vice, Hamilton Mourão. O presidente também tem receio de que o caso envolvendo Fabrício Queiroz, ex-assessor de seu filho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), chegue ao Supremo em um momento de conflito com a Corte.
Receita
Outra investigação nas mãos de Moraes tem como foco a organização de atos antidemocráticos, que, nos últimos meses, pregaram o fechamento do Congresso e do Supremo. Dez deputados e um senador bolsonaristas tiveram os sigilos bancários quebrados no dia 27 de maio. Além disso, Moraes autorizou a entrada da Receita Federal no caso. Dessa forma, os alvos da investigação - todos aliados de Bolsonaro - terão seus dados bancários compartilhados com a Receita, que analisará a evolução patrimonial de cada um e transações financeiras consideradas suspeitas.
Moraes é, ainda, relator de uma ação que questiona a revogação de portarias sobre o rastreamento de armas e munições, como revelou o Estadão.
Na escalada de tensão entre o Planalto e o Supremo, Bolsonaro fez um aceno na direção da Corte, na quinta-feira, ao confirmar a saída de Abraham Weintraub do Ministério da Educação. Desde que Weintraub disse, na reunião ministerial de 22 de abril que, se dependesse dele, despacharia os "vagabundos" do STF para a cadeia, a demissão passou a ser vista pelos magistrados como primeiro passo para a retomada do diálogo com o Planalto.
Foi com o atendimento dessa "exigência" em mãos que o núcleo jurídico do governo procurou Moraes, na tarde de ontem. Não foi a primeira vez, no entanto, que Bolsonaro enviou emissários para tentar uma interlocução com Moraes. No início deste mês, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, também esteve em São Paulo e se reuniu com ele.
AGU
Na prática, a própria escolha de José Levi para o comando da Advocacia-Geral da União teve o objetivo de fazer um "agrado" a Moraes. Bolsonaro não conhecia Levi, mas foi informado pelo presidente do Supremo, Dias Toffoli, e por outros ministros que ele era muito qualificado. Levi é ligado a Moraes e chegou a ser secretário executivo do Ministério da Justiça quando ele era o titular da pasta, no governo Michel Temer (2016 a 2017). Nada disso, porém, adiantou.
Diante das investigações batendo à porta do Planalto, Bolsonaro também procurou, nos últimos dias, retomar o diálogo com Toffoli. Na última quarta-feira, o presidente convidou Toffoli para a posse do ministro das Comunicações, Fábio Faria, e, depois, conversou com ele.
Nem Moraes nem os ministros do governo deram entrevistas após o encontro de ontem. Oficialmente, porém, a reunião foi para discutir processos sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol, prejuízos do setor sucroalcooleiro, bloqueio de bens decidido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e controle de armas e munições pelo Exército. (Colaborou Rafael Moraes Moura)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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