Brasília – A pandemia do novo coronavírus mudou a rotina do Senado, que desde o fim de março tem se dedicado quase que de maneira exclusiva à análise de projetos de enfrentamento à crise sanitária. Como consequência da situação excepcional para os parlamentares, o trabalho das comissões permanentes da Casa teve de ser interrompido por tempo indeterminado. Isso impactou em cheio a política internacional do governo federal, que vê uma série de indicações para novos embaixadores travadas na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).
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Senado votará PEC sobre adiamento de eleições municipais na próxima terçaGoverno envia ao Senado indicações de embaixadoresSenado devolve MP que permitiria ao governo nomear reitores federaisO principal caso envolve Nestor José Forster Junior, escolhido por Bolsonaro em novembro de 2019 para ser o embaixador do Brasil nos EUA. Ele foi sabatinado na CRE em fevereiro deste ano, quando foi aprovado por unanimidade pelos senadores que integram a comissão; o colegiado chegou a pedir urgência para a votação no plenário. Contudo, o tema não foi pautado antes do carnaval e acabou por sair do foco depois do feriado, visto que àquela altura o país começara a registrar os primeiros casos de COVID-19 e a doença passou a ser prioridade no Senado.
Forster ocupa interinamente o cargo em Washington, como encarregado de negócios, e já acompanhou Bolsonaro em compromissos oficiais nos EUA, como no encontro do presidente com Donald Trump, na Flórida, em março. Em situação parecida à do diplomata está Hermano Telles Ribeiro, indicado em julho passado para a embaixada brasileira no Líbano. Ele também foi aprovado por todos os 12 senadores da CRE, mas aguarda aval do Senado.
Apesar de o Senado ter implantado um sistema de deliberação remota para seguir trabalhando em meio à pandemia, a tecnologia só serve para encontros no âmbito do plenário da Casa e não foi adequado para garantir o funcionamento das comissões. Isso impede a sabatina de Paulo Roberto Caminha de Castilhos França. Em fevereiro, Bolsonaro o indicou para ser embaixador do Brasil nos Países Baixos.
Votação secreta
Outro problema que atrapalha a apreciação dos nomes para as embaixadas é que, tanto na CRE quanto no plenário, a votação é secreta, e, por enquanto, o sistema de deliberação remota do Senado não oferece a possibilidade de sigilo do voto. Devido às limitações e, sobretudo, ao alto risco de contágio da COVID-19, o presidente da CRE, Nelsinho Trad (PSD-MS), pediu paciência diante da situação.
“Se a gente insiste e volta a funcionar (presencialmente) e um desses funcionários acaba contraindo essa doença e acaba falecendo, como vamos nos sentir diante disso? Então não dá para brincar, vamos esperar baixar essa onda e, a partir daí, com mais segurança, a gente poder retomar os trabalhos. Estamos num momento atípico, as pessoas têm que entender isso e nós estamos tendo que aprender a conviver com essa história”, comentou o senador.
Por meio da sua assessoria de imprensa, o Ministério das Relações Exteriores informou que “o Itamaraty compreende os motivos que levaram as mesas diretoras do Senado e da Câmara a adotarem temporariamente medidas de restrição do funcionamento de suas comissões”. A pasta disse também esperar que ambas as Casas “possam retomar seus trabalhos assim que possível, especialmente no que toca à realização de sabatinas de novos chefes de missão diplomática no exterior e à sua apreciação em plenário”.
REPRESENTAÇÃO
O consultor de análise política da BMJ, Lucas Fernandes, diz que por mais que as representações do Brasil no exterior não estejam abandonadas pela falta de um embaixador, explica, a presença de um representante pode melhorar a política externa do governo brasileiro com os respectivos países. “As embaixadas funcionam e não estão abandonadas. Mas a presença de alguém que recebeu um aceite traz muito mais força para articulação. Mesmo que as relações sejam conduzidas por quem está lá, essas pessoas não possuem tanta autoridade no cargo porque não foram investidas pelo Senado. Isso significa muito”, destaca.
Para Fernandes, como a imagem internacional do Brasil está prejudicada devido à atitude adotada por Bolsonaro no tratamento à pandemia, a figura do embaixador poderia amenizar os impactos. “Um embaixador pelo Senado poderia trazer melhores frutos. Um exemplo é em relação a Bolsonaro indo na contramão da OMS e não levando em conta as orientações dela. Há uma dificuldade adicional por não ter um embaixador permanente nos Estados Unidos. A relação, nesse caso, poderia ser melhor conduzida”, avalia.
Diretor da área internacional da consultoria Prospectiva, Ricardo Mendes pontua que, por mais que não haja perspectiva de o assunto entrar na agenda do Senado, deveria ser considerado. Segundo ele, “as atividades na embaixada continuam ocorrendo, mas o problema é não conseguir executar pautas positivas e novas entre os países”.
“Já deveriam estar sendo feitas costuras nos Estados Unidos com representantes. Na Argentina, há temas bilaterais de processo de abertura. As indicações para embaixadas deveriam entrar na agenda muito rápido e podem prejudicar se não houver uma mudança no prazo de um mês e meio”, alerta.