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Estado de Minas FINANCIAMENTO DE CAMPANHA

Cientista político da UFMG diz que reforma política faz falta ao País

Bruno Pinheiro Wanderley Reis afirma que regulação do financiamento de campanha "é ainda problemática no Brasil, capturável por interesses específicos''


postado em 25/06/2020 08:19 / atualizado em 25/06/2020 08:48

Professor Bruno Wanderley, da UFMG(foto: Divulgação/UFMG)
Professor Bruno Wanderley, da UFMG (foto: Divulgação/UFMG)

Pesquisador e especialista em financiamento de campanha, o cientista político Bruno Pinheiro Wanderley Reis, diretor da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma, em entrevista ao Estadão, que a ausência de uma reforma política no País reproduz malefícios.

Para ele, a "regulação do financiamento de campanha é ainda problemática no Brasil e isso produz efeitos no sistema político, que é muito capturável por interesses específicos".

Reis também defende a manutenção do calendário eleitoral - se manifestando contra eventual prorrogação de mandatos - e disse que o sistema político está desmanchando de 2013 para cá. Leia os principais trechos da entrevista:

Esse momento de crise entre as instituições no Brasil resulta de reformas políticas malfeitas no passado?

Penso que resulta principalmente de uma reforma que a gente não soube fazer. O Congresso Nacional, em especial a Câmara dos Deputados, pautou insistentemente, mas nem a sociedade civil nem a mídia ou a ciência política acadêmica não acharam que era o caso. Os malefícios foram se reproduzindo. A regulação do financiamento de campanha é ainda problemática no Brasil e isso produz efeitos no sistema político, que é muito capturável por interesses específicos. Tudo que a Lava Jato expôs são consequências dedutíveis do marco regulatório existente. Empregou-se um remédio judicial para um problema regulatório.

Qual problema?

A peculiaridade do Brasil é ter um teto que incide sobre o doador que é um porcentual de sua renda. No Brasil as pessoas podem doar proporcionalmente ao dinheiro que já tem. Quem é mais rico pode doar mais e quem é menos rico pode doar menos. Isso valia para pessoa jurídica até 2014. Em 2015 parou de valer, mas continuou para pessoa física. É 10% da renda bruta declarada na eleição anterior. Se cada um de nós pode doar até 10% do que ganha, o candidato vai bater na porta de quem pode doar muito dinheiro. O sistema empurra ele a pedir muito dinheiro para pouca gente. Isso produziu uma enorme concentração inédita da oferta de dinheiro. Do outro lado, o sistema eleitoral com lista aberta, candidaturas individuais em distritos com dezenas de cadeiras produziu competição entre centenas candidatos. Do outro lado desse mercado, a demanda por dinheiro é muito fragmentada. Quem tem poder de mercado nesse jogo é doador. O candidato dança conforme a música ditada por quem vai doar.

Qual seria o melhor sistema de financiamento?

Isso é um problema no mundo todo. Longe de ser algo trivial, é o calcanhar de aquiles da democracia. Desigualdades econômicas são uma fonte de assimetria de poder. Campanhas custam dinheiro e precisam ser financiadas. A questão é ver qual o modelo em que o poder econômico não tem livre passe. Qualquer coisa que concentra a demanda e dispersa a fonte é bem-vinda. A lista pré-ordenada partidária teria melhorado muito o ambiente. Em vez de 1000 carinhas disputando financiamento individual para si e tendo que aceitar os termos de doadores poderosos, seriam meia dúzia de partidos importantes pensando em que porta iriam bater. De outro lado, colocar teto nominais.

Qual a sua posição sobre o financiamento público de campanha, o fundo eleitoral?

Não há casos de financiamento público exclusivo. É sempre um mix. A função do financiamento público é prover um colchão básico em que todo a princípio tem acesso. Se um país resolve ser democrático, ele gasta parte de seu orçamento para promover eleições e criar condições mínimas para quem quer tentar entrar no jogo. Mas é saudável que haja um mercado privado de financiamento. O que aconteceu no Brasil recente quando criou-se o Fundo Partidário, que foi multiplicado várias vezes para bilhões de reais, foi o sistema político criando um seguro contra o virtual estrangulamento do fluxo de doações a partir da Lava Jato e das decisões regulatórias do Supremo. Primeiro baniu-se a doação por pessoa física, e depois o Supremo aceitou como prova uma doação legal feita para o senador Valdir Raupp (MDB-RO). Assim você inviabiliza o mercado legal idôneo de financiamento de campanha.

Como o fim das coligações proporcionais muda o financiamento?

Muda pouco no financiamento, mas é um passo na direção certa. Ele aponta para uma redução gradativa do número de partidos. A possibilidade de coligação é um fator a mais que aumentava o número de partidos.

O senhor defende que o calendário eleitoral das eleições municipais deste ano seja alterado ou mantido?

A manutenção na medida do possível. Estamos submetidos a uma emergência sanitária. É muito grave mexer o calendário eleitoral. O Brasil está em uma situação horrível. O sistema político está em decomposição de 2013 para cá. Está desmanchando a olhos vistos. Basta ver a história patética do combate à pandemia e a catástrofe humanitária que estamos produzindo. Tem uma coisa que não foi suspensa de 2014 para cá, que foi o calendário eleitoral. Se a gente começa a barganhar ou discutir politicamente o calendário eleitoral em função de conveniências, melou. O último prego da parede seria arrancado e ficaríamos inteiramente à deriva. Isso tem que ser considerado sagrado e intocável.

Como o que no sistema político está desmanchando?

O sistema partidário e de controle político. O que aconteceu de 2014 para cá é que, ao expor os bastidores viciados do financiamento de campanha, mais que induzir correção institucional, o que a Lava Jato produziu foi a desorganização completa do sistema e o salve-se quem puder. O sistema eleitoral flutuou na direção do predador, para o últimos dos políticos.



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