Jornal Estado de Minas

Provas do caso Queiroz podem ser anuladas com ida do processo para segunda instância

A decisão dessa quinta-feira (25/6) da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro de mandar a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro(Republicanos-RJ) para o Órgão Especial do Tribunal de Justiça pode anular as decisões já tomadas pelo juiz de primeira instância, segundo especialistas ouvidos pelo Correio.



O caso é relativo às investigações do Ministério Público do Rio que apura esquema conhecido como ‘rachadinha’, de desvio dos salários de servidores na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Ainda que os desembargadores tenham decidido pela validade das decisões tomadas pelo juiz Flávio Itabaiana, a defesa do senador já avisou que buscará a nulidade de todas as decisões e provas.

Com isso, provas obtidas pelas decisões — como celulares apreendidos, a prisão do policial militar aposentado Fabrício Queiroz e o mandado de prisão contra a esposa dele, Márcia Aguiar — perderiam a validade.



Professora de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto e do Centro Universitário de Bauru (CEUB), Eliana Franco Neme entende que o processo foi retirado das mãos do juiz de primeira instância por uma questão de foro, e não por algo que o colocaria em suspeita, implicando na anulação de decisões tomadas por Itabaiana por serem vistas como inválidas. 

No entanto, ela avalia que há grandes chances de a defesa de fato conseguir a anulação das provas. A professora explica que o caso pode entrar na teoria de “fruto da árvore envenenada”, termo conhecido em Direito. "Quando há uma prova encarada como ilícita, ela vicia o processo inteiro, porque entende-se que ela vai deturpar a compreensão de tudo que está acontecendo", afirma.

Assim, o órgão colegiado do TJ pode entender que as decisões tomadas pelo magistrado da 27ª Vara são inválidas, uma vez que ele não era o juízo competente. Com isso, todos os atos dele no caso podem perder a validade. Na prática, o processo perderia muito. A professora explica que tudo dependerá do entendimento do Órgão Especial, que agora está com o caso.



O presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), James Walker, reitera que caso as decisões de Itabaiana sejam anuladas, as provas obtidas por meio das decisões do magistrado também encaixam na aplicação da teoria do "fruto da árvore envenenada".

Isso, no entanto, não atrapalha as provas obtidas pelo MP. A maioria, no geral, consegue-se por meio de diligências autorizadas por juízes — como, por exemplo, buscas e apreensões. Mas o MP também obtém informações de forma independente no decorrer da investigação.

Para Eliana e Walker, a decisão de levar o processo ao órgão especial é juridicamente acertada. “Eles acertaram ao reconhecer que a jurisdição está equivocada”, disse o presidente na Anacrim. 


 

Jurisprudência


O advogado criminalista Andrew Fernandes explica que a situação cabe entendimentos distintos, uma vez que há a prerrogativa de foro, mas há também decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o fato teria que ser cometido durante o exercício daquele mandato. 

Em 2018, o Supremo decidiu reduzir o alcance do foro, definindo que a prerrogativa vale somente para crimes cometidos durante o mandato e relacionados com o cargo.

A decisão dos desembargadores avaliava justamente essa decisão (uma vez que Flávio não é mais deputado, época em que os supostos crimes teriam sido cometidos), em contraposição com as alegações da defesa, de que Flávio era deputado estadual na época. O segundo entendimento foi acolhido.

Para Fernandes, já que foi decidido que o juiz de primeira instância é incompetente, pensa-se que as decisões dele seriam inválidas, o que anularia as provas. No entanto, segundo o advogado, o colegiado do TJ poderá "modular" a decisão, assim como foi feito nessa quinta. Os desembargadores consideraram que o caso não poderia ficar com Itabaiana, mas avaliaram que as decisões do magistrado deveriam ser mantidas. 

Essa modulação, segundo o advogado, vem do entendimento de que o juiz não estava cometendo uma ilegalidade, uma vez que era amparado pela decisão do STF de 2018, de que a prerrogativa de foro serve apenas para o exercício daquele mandato. “Eu, particularmente, concordo com a corrente clássica: se é reconhecida a incompetência do juiz, a consequência lógica seria declarar a nulidade de seus atos”, opinou Fernandes.