Brasília – Sem ministro há 18 dias e sem projeto estruturado há mais de um ano, a educação se tornou o flanco mais vulnerável do governo federal, ao ponto de até Jair Bolsonaro reconhecer que “a educação está horrível no Brasil”. A afirmação, dada em resposta a uma apoiadora na porta do Paládio da Alvorada, é vista como o maior consenso do país.
Em 16 meses, não há um projeto claro, nem tampouco diálogo direto com os governos municipais, estaduais e universidades. Durante os 14 meses sob o comando de Abraham Weintraub, as marcas foram a polêmica e poucas realizações.
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Renato Feder rejeita convite para assumir o Ministério da EducaçãoCaso raro: a demisão sem posse do ministro da EducaçãoBolsonaro diz que Decotelli está 'ciente do equívoco' e sai em defesa de futuro ministro da EducaçãoProgramas sociais ajudam Bolsonaro a penetrar em redutos da esquerdaO presidente está insatisfeito por chegar praticamente à metade do mandato sem qualquer um resultado prático para chamar de seu nesta seara, peça-chave das promessas de campanha em 2018. As restrições dos militares e dos olavistas tornam ainda mais difícil o desafio de escolher um ministro. Bolsonaro se vê espremido entre os dois segmentos e decidiu que, esta semana, vai resolver o problema escolhendo um ministro de perfil conservador e que transite nas duas correntes.
O presidente quer alguém que resolva as reclamações do setor, porém a cada escolha seus aliados entram em cena. O secretário de Educação do Paraná, Renato Feder, por exemplo, não suportou o bullying dos bolsonaristas e pediu para sair antes mesmo de entrar. O próprio Bolsonaro, que o convidara na semana passada, titubeou na indicação ao não defender Feder dos ataques dos apoiadores que se autointitulam “raiz”. Ao ficar exposto, o secretário seguiu o conselho de amigos: avisou em suas redes sociais que continuaria o trabalho no Paraná.
A recusa de Feder reacende as pressões sobre o presidente e expõe a disputa interna no governo. Os militares, que indicaram Carlos Decotelli, por exemplo, sonham com um ministro técnico que tenha capacidade de diálogo com o setor e profissionalize a gestão da educação, independentemente de amarras ideológicas. Mas os radicais querem destaque para a ideologia. “O escolhido não deve ser ideologicamente neutro, tem que ser um conservador de raiz!”, sugeriu o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) em seu Twitter, ressaltando que a escolha é “exclusiva” do presidente. E, no meio disso tudo, há uma nova corrente interessada no cargo: o Centrão, que, depois da posse do deputado Fábio Faria nas Comunicações, declarou aberta a caça a um ministério para os senadores.
Com recusa de Feder – que chegou a chamar Bolsonaro de “estadista”, antes de ser ultrapassado por Decotelli –, passou a circular o nome de Aristides Cimadon, reitor da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc). De acordo com a Plataforma Lattes, ele possui graduação em Filosofia, Pedagogia, mestrado em Educação, Direito e doutorado em Ciência Jurídica. Outros nomes continuam no páreo, como o reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Anderson Ribeiro Correia – que teria o aval das alas militar e ideológica; o da secretária nacional de Educação Básica, Ilona Becskeházy; e o do assessor especial da pasta, Sérgio Sant’Anna.
Longe das metas
Não é apenas Jair Bolsonaro que acredita que a educação no país deixa a desejar. Pelo relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação, divulgado na última quinta-feira, o Brasil está longe de concluir as 20 metas definidas pelo PNE e pouco avançou desde 2018. Entre as preocupações está o percentual de matrículas para jovens e adultos na forma integrada de educação profissional, que teve apenas 6,4% da meta — o percentual de alcance aponta o progresso histórico do indicador em relação à meta estabelecida pelo PNE.
Ainda de acordo com os dados divulgados, há uma retenção dos alunos no ensino fundamental, o que acaba gerando prejuízos para o estudante, que perde a motivação, e para o sistema educacional, cada vez mais distante de formar alunos em idade adequada. O Brasil tem cerca de 900 mil adolescentes, entre 15 e 17 anos, fora da escola, o que indica jovens abandonando os estudos.
Além de números insatisfatórios na educação e a falta de atenção ao setor, especialmente durante a pandemia, o próximo ministro a assumir a pasta terá que recuperar a desgastada imagem deixada por Abraham Weintraub. “O Ministério da Educação não teve, até agora, prioridade neste governo. Primeiro, foi o ministro Ricardo Vélez, muito ligado ao olavismo. Depois, o Abraham Weintraub, líder da ala ideológica do governo na Esplanada”, avalia o deputado federal Israel Batista (PV-DF), secretário-geral da frente parlamentar mista da educação no Congresso. “É um problema crônico”, critica.
Para o cientista político e professor da Universidade de Brasília Frederico Bertholini, é importante entender que o fator que une Bolsonaro, Olavo de Carvalho e outras forças políticas, como evangélicos, está muito ligado ao componente identitário conservador. Ele conecta a pauta de costumes e valores morais. “Essa conexão é tão presente na base bolsonarista que consegue ser mais forte do que o medo das pessoas de morrer de COVID-19”, explica.
Na avaliação do jurista e cientista político Rafael Favetti, “o bolsonarismo parte do princípio que o comunismo tomou conta do Brasil pela educação”, salienta, referindo-se à insistência da ala ideológica com a doutrinação.
Reconstrução
João Marcelo Borges, diretor de estratégia política do movimento Todos pela Educação, acredita que a ausência do MEC diante das demandas impulsionadas pela COVID-19 foi um dos momentos mais críticos da gestão de Weintraub.
“A pandemia acentuou as duas grandes marcas da gestão dele: uma era o confronto e a omissão e a outra, a incompetência”, critica. A pesquisa COVID-19: Impacto Fiscal na Educação Básica, realizada pelo Todos pela Educação e pelo Instituto Unibanco, estima que as perdas variem de R$ 9 bilhões a R$ 28 bilhões em 2020, a depender de como serão os próximos meses em relação à pandemia.
Outro desafio será desconstruir o clima de insegurança criado no próprio MEC e nas instituições e entidades de ensino. Para o diretor do Todos pela Educação, a tentativa cotidiana de desqualificar a educação, a ciência, os educadores e até os estudantes é uma das maiores sequelas deixadas por Weintraub. “Na educação, ficar parado significa retroceder; a educação é um processo acumulativo. A criança que está na escola e não aprende carrega esse déficit por muito tempo. É difícil estimar o tempo que essas sequelas vão durar”, explica Borges.
Pelas redes sociais
O secretário de Educação e Esporte do Paraná, Renato Feder, usou as redes sociais para anunciar que rejeitou o convite do presidente Jair Bolsonaro para assumir o Ministério da Educação. “Recebi na noite da última quinta-feira uma ligação do presidente Jair Bolsonaro me convidando para ser ministro da Educação. Fiquei muito honrado com o convite, que coroa o bom trabalho feito por 90 mil profissionais da Educação do Paraná. Agradeço ao presidente Jair Bolsonaro, por quem tenho grande apreço, mas declino do convite recebido. Sigo com o projeto no Paraná, desejo sorte ao presidente e uma boa gestão no Ministério da Educação", escreveu. Diante dos ataques sofridos pela ala ideológica, Feder divulgou, três horas antes de anunciar que havia recusado o convite do presidente, um texto em suas redes sociais com oito pontos, para esclarecer, segundo o secretário, informações falsas sobre ele. Dentre as questões, ele afirmou que “é falso que tenha havido divulgação de livros com ideologia de gênero no Paraná”. “Não existe nenhum material com esse conteúdo aprovado ou distribuído pela secretaria”, relatou. No Twitter disse que gostaria de ser avaliado pelos índices da Educação no Paraná, e não por manifestações feitas no passado.