Eleito com discurso de modernizar a máquina pública e reduzir os gastos com o alto funcionalismo, o presidente Jair Bolsonaro repete a prática dos antecessores de abrir espaço a aliados nos conselhos das estatais para pagamentos de jetons.
Num drible às regras do abate-teto, os adicionais chegam a R$ 40 mil e, somados aos salários, permitem vencimentos superiores ao limite salarial da administração pública - nos casos das empresas públicas não dependentes dos recursos da União.
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Maia critica força-tarefa da Lava Jato e diz que Moro virou políticoCâmara de BH vota nesta segunda-feira se homenageia BolsonaroMoro vê desvios de verbas destinadas ao combate da pandemia como 'genocídio'Só nos primeiros quatro meses de 2020, o gasto com jetons alcançou R$ 5 milhões. Em todo 2019, esses adicionais pagos a servidores civis e militares custaram R$ 18 milhões.
Almirante da Marinha, Bento estava até março nos conselhos da Empresa de Pesquisa Energética e da Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep). As atividades rendiam cerca de R$ 7 mil, que se somavam a R$ 50,7 mil, brutos, referentes aos vencimentos de ministro e de militar. Em maio, ele trocou a Nuclep por Itaipu, onde a atuação como conselheiro rende outros R$ 14,9 mil. O conselho administrativo da hidrelétrica também abriga um auxiliar direto de Bolsonaro, Célio Faria Júnior. Como assessor especial da Presidência, ele tem direito a salário bruto de R$ 21,5 mil. No final do mês, por causa do jeton, ele recebe bruto R$ 36,4 mil.
O ex-astronauta Marcos Pontes, titular de Ciência, Tecnologia e Inovações, participa do conselho de Administração da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa, supervisionada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Para participar de reuniões na Embrapa, ele ganha a mais R$ 3,3 mil por mês, além do seu salário de ministro e aposentadoria da FAB. O secretário especial da Pesca, Jorge Seif Junior, também é membro do conselho fiscal da estatal e recebe o mesmo valor de jeton.
Acúmulo
Em fevereiro deste ano, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu que os servidores públicos podem acumular os salários dos cargos que ocupam com os jetons dos conselhos de que participam. A Corte, porém, não aprofundou a discussão sobre se o teto deve ou não ser aplicado. Esse tema chegou ao Supremo por uma ação do PT e do PDT, que tentaram derrubar uma lei de 1996 que autorizava as duas fontes de renda.
O governo possui 197 empresas estatais, de controle direto ou acionário. A União indica parte dos conselheiros, enquanto outros vêm da direção das empresas e do corpo de funcionários. Os indicados ocupam vagas nos conselhos de administração ou fiscal. O valor pode chegar a R$ 21 mil, como no caso do Senac, para participar de uma ou duas reuniões mensais.
Os conselheiros não são apenas do primeiro escalão do governo. Usualmente, ministros usam os jetons para atrair ao serviço público nomes técnicos da iniciativa privada que resistem a salários mais baixos dos cargos de direção e assessoramento superior, conhecido pela sigla "DAS". A cúpula dos ministérios é formada por servidores de confiança em cargos como esses, cuja remuneração máxima é de R$ 17 mil. Ministros de Estado recebem o mesmo que presidente e vice-presidente, R$ 30,9 mil.
Um dos ministérios com mais nomes é a Economia, que possui uma Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais. Dos dez maiores desembolsos de jetons em 2020, metade foi para auxiliares do ministro Paulo Guedes. O secretário especial da pasta e conselheiro do Banco do Brasil e do BNDES, Waldery Rodrigues Junior, recebe R$ 14 mil por mês. O salário dele no ministério é de R$ 10,3 mil, uma remuneração residual porque ele tem direito a outros R$ 35 mil do Senado, de onde está cedido ao Executivo.
Mas nenhum jetom é maior que o pago pela Embraer. Membro do conselho da empresa até maio, o tenente-brigadeiro do ar José Magno de Resende Araújo recebia R$ 40,7 mil mensais, quantia que somava aos R$ 33,5 mil brutos, referentes ao salário da Aeronáutica. O grupo se reúne ordinariamente oito vezes por ano e extraordinariamente por convocação do presidente da empresa.
As brigas entre a direita bolsonarista e a direita liberal expuseram as negociações por cargos no governo Bolsonaro e geraram um embate no DEM. Ícone do Carlismo, o ex-deputado José Carlos Aleluia recorreu à bancada do partido para conseguir um espaço na administração federal e foi reconduzido pelo governo ao conselho de Itaipu. O deputado Kim Kataguiri (SP) bateu boca nas redes sociais com o filho de Aleluia, o vereador em Salvador (BA) Alexandre Aleluia - que aderiu ao bolsonarismo e é um dos principais entusiastas do partido em gestação Aliança pelo Brasil no Nordeste. Kataguiri acusou o atual conselheiro de Itaipu - que também passou em postos comissionados no Ministério da Saúde recentemente - de "mendigar cargo para a bancada federal".
José Carlos Aleluia afirmou possuir profundo conhecimento do sistema elétrico brasileiro e disse que sua recondução foi uma escolha pautada por critérios técnicos do ministro Bento Albuquerque. "Nada teve de política, foi indicação do ministro Bento, que me conhece. Tenho atuação técnica. Não tem nada a ver com o partido. Fui relator da grande maioria das matérias do setor elétrico no Congresso durante mais de 20 anos."
Controle
Os jetons não são ilegais. Segundo o Ministério da Economia, ao todo são 505 assentos em conselhos fiscais e de administração nas empresas estatais federais de controle direto da União. Os indicados precisam submeter currículos e passar pelo crivo da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest). Cabe ao departamento a operacionalização da indicação.
"A Sest realiza a análise prévia de compatibilidade, na qual verifica o preenchimento dos requisitos e a não incidência das vedações previstas na Lei das Estatais, a partir de documentos apresentados pelo indicado e da ficha autodeclaratória de que o mesmo esta ciente das possíveis penalidades cíveis, administrativas e penais que eventuais declarações falsas podem acarretar", informou a pasta.
Após análise prévia da Sest, há ainda uma consulta administrativa à Casa Civil, que precisa aprovar a escolha. Só em seguida a solicitação vai à empresa estatal para as formalidades.
A Aeronáutica informou que a União "tem direito de eleger um membro efetivo do Conselho de Administração e respectivo suplente" e que a remuneração a servidores em conselhos de empresas nas quais detém participação "tem natureza privada e não pública".
A reportagem procurou pelos ministros citados, por meio das assessorias de imprensa, para que comentassem as respectivas participações em conselhos. Não houve resposta. Por meio da Secom, o Palácio do Planalto disse que não iria comentar.
O advogado-geral da União, José Levi, era conselheiro da BB Consórcios até antes de assumir a atual função. "Não se trata de motivação de (quadros) técnicos, mas de retribuição por encargo assumido que implica potencial responsabilidade pessoal", disse Levi, por meio da assessoria. Ele destacou, ainda, que assumiu uma redução nos ganhos ao renunciar ao conselho para se dedicar à pasta. Rogério Marinho também recebia jetons do Sesc até tornar-se chefe do Desenvolvimento Regional. Não houve manifestação da pasta.
Para entender
Jeton é uma palavra de origem francesa que significa ficha (como as que eram utilizadas em telefones públicos e máquinas de jogos). Jeton de presença é a gratificação adicional, devida a administradores, para comparecimento em reuniões de conselhos fiscal e administrativo. No Brasil, ele é pago a parlamentares dos níveis municipal, estadual e federal, por sessões extraordinárias. Ele é devido também a servidores públicos federais que participem de conselhos de administração e fiscal de empresas controladas pelo governo. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.