O processo de militarização do Ministério da Saúde é como colocar a condução da crise do novo coronavírus “nas mãos de jogadores de futebol” ou de “físicos nucleares”, disparou o ex-ministro da pasta, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS). Demitido do cargo em 16 de abril por conta de discordâncias com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre o enfrentamento à COVID-19 no Brasil, o médico ortopedista criticou veementemente as decisões tomadas pelo chefe do Executivo.
“É como se você colocasse a condução do Ministério da Saúde, no momento de maior risco da história do país, nas mãos dos jogadores de futebol, nas mãos dos físicos nucleares... Abre-se mão da academia, de séculos de construção do saber em saúde pública”, declarou Mandetta, em entrevista publicada nesta terça-feira (14) pela Deutsche Welle Brasil.
Leia Mais
Mandetta alfineta governo Bolsonaro em post que fala sobre racismo e mortes por COVID-19Mandetta: Bolsonaro 'nunca se preocupou com essa doença, sempre achou que era uma coisa menor'Mandetta rebate acusação de Bolsonaro: 'Talvez estivesse sob efeito de medicamento, sofrendo de delírio'Mandetta sobre Pazuello: 'Não entendo de paraquedas e ele não entende de saúde'Mandetta admite possibilidade de se candidatar em 2022: 'Vou estar em praça pública'Sociólogo Jessé Souza sai em defesa de Gilmar: 'Exército está sendo comprado pelo presidente miliciano'; confira outras críticas aos militares“O Ministério da Saúde, governadores, prefeitos iam em uma direção, enquanto o presidente ia na outra (na gestão da crise da COVID-19). O desconforto foi tamanho que fui exonerado, já o ministro seguinte pediu exoneração. O que vimos, a partir daí, foi uma ocupação militar no Ministério da Saúde”, prosseguiu Mandetta.
O processo de militarização do Ministério da Saúde não parou por aí. Homens de confiança de Mandetta, o ex-secretário nacional de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira, e o ex-secretário-executivo, João Gabbardo, também foram demitidos.
“O Wanderson é um enfermeiro com mestrado e doutorado, especializado no Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) nos Estados Unidos. O Gabbardo é ex-secretário estadual de Saúde, 41 anos de experiência na área, acostumado com gestão de crises. Era um conjunto todo de saber que foi trocado. Agora, perderam a linha do tempo, as políticas que tinham sido iniciadas. Não foram anunciadas novas medidas porque não há competência para isso. Os militares só estão esquentando a cadeira do Ministério da Saúde para uma indicação política, provavelmente alguém do centrão”, completou.
Cloroquina
No processo de militarização do Ministério da Saúde, Bolsonaro alegou que a experiência de Pazuello em logística o qualificaria para o cargo. Entre outras coisas, o presidente apostou na distribuição e no aumento dos estoques de cloroquina e hidroxicloroquina - medicamentos cuja eficácia contra o coronavírus não é comprovada cientificamente. O tema também motivou críticas de Mandetta.
“Foi dito que os militares foram para o Ministério da Saúde por sua especialidade em logística: agora temos alguns medicamentos, em que gastamos muito dinheiro, para quase 20 anos de consumo. O presidente sempre diz para ‘deixarmos a história julgar’. Então provavelmente teremos um capítulo chamado ‘Cloroquina no Brasil’, já que somos o único país em que ainda se discute isso com mais empenho do que enfrentar os graves problemas causados pela pandemia”, disse.
Falta de transparência
Ao comentar a redução na transparência dos dados nacionais da COVID-19 - que tomou conta dos noticiários no início de junho -, o ex-ministro voltou a criticar as decisões tomadas pelo governo federal após a militarização da Saúde.
“Na Saúde não pode existir segredo. Quanto mais você orienta a população e é transparente, melhor. Quando você coloca segredos em cima de uma doença infecciosa, você erra profundamente, porque o segredo passa a ser o aliado do vírus. Na cabeça dos militares, o segredo é importante, pois com ele você surpreende o inimigo. Nos anos 1970, o Brasil teve uma epidemia de meningite, que foi classificada como proibida de ser comentada. A doença se alastrou pelo Brasil inteiro. O que eles fizeram acabou com as condições mínimas que eles tinham de pedir qualquer colaboração da população”, finalizou.