Técnicos da Secretaria de Estado de Saúde (SES) do governo de Minas Gerais analisam um protocolo enviado por deputados bolsonaristas, que sugerem uso de cloroquina, hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina e zinco por pacientes com COVID-19 no estado. Nenhuma dessas substâncias, no entanto, tem eficácia comprovada no combate ao novo coronavírus.
O ofício com a proposta é assinado pelo deputado estadual Bruno Engler (PRTB) e o deputado federal Junio Amaral (PSL-MG), apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O documento é endereçado ao governador Romeu Zema (Novo), ao secretário de estado de saúde Carlos Eduardo Amaral e às prefeituras dos 853 municípios mineiros.
No documento - ao qual a reportagem teve acesso -, os parlamentares afirmam que “precisamos adotar, além das medidas de prevenção à COVID-19, protocolos eficientes de tratamento precoce nos pacientes dessa doença”.
Embora tenham feito essas recomendações, os deputados não possuem formação médica. Junio Amaral, de 33 anos, é cabo da Polícia Militar. Já Bruno Engler, 23, é descrito como “coordenador do Movimento Direita Minas” no site da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Eles se baseiam em tratamentos supostamente bem sucedidos a partir de um protocolo estabelecido por uma rede privada de saúde em Belém, capital do Pará. O uso de hidroxicloroquina ou cloroquina em conjunto com azitromicina tem sido defendido pelo presidente Jair Bolsonaro, mesmo com a falta de evidências científicas dos seus supostos benefícios.
A Secretaria de Estado de Saúde confirmou ter recebido o ofício no último dia 8 e que avalia a proposta. “As considerações dos deputados foram encaminhadas para o Centro de Operações Emergenciais em Saúde - COVID-19 (COES COVID-19) e no momento estão em análise técnica”, informou o órgão, por meio de nota.
Ao Estado de Minas, o deputado Junio Amaral disse que só vê controvérsia "em querer politizar o medicamento", fazendo referência à hidroxicloroquina. "Não existe a comprovação científica pois demoram muito essas conclusões e o vírus é novo", completou. A reportagem também entrou em contato com Bruno Engler e aguarda retorno.
O que dizem os especialistas?
Pesquisas dos programas Solidariedade, da Organização Mundial de Saúde (OMS), e Recovery, do governo do Reino Unido, não conseguiram evidenciar que hidroxicloroquina ou mesmo a cloroquina (versão mais tóxica da droga) reduzem o risco de morte de pacientes com COVID-19. O uso emergencial desses medicamentos também foi suspenso pela Food and Drug Administration (FDA), órgão regulador do sistema sanitário dos EUA.
No Brasil, o Ministério da Saúde - sob o comando do militar Eduardo Pazuello e pressionado pelo presidente Jair Bolsonaro - libera o uso da cloroquina em pacientes com COVID-19. A medida, porém, foi amplamente criticada por especialistas da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) e a Sociedade Brasileira de Arritmias Cardíacas (Sobrac), especialmente quando adotada na fase inicial da doença.
Ao defender o uso da hidroxicloroquina, Junio Amaral mencionou um estudo publicado neste mês pelo Henry Ford Health System, dos EUA. A pesquisa aponta que 13% dos pacientes que foram tratados com o medicamento morreram. Entre os que não receberam a substância, a taxa chegou a 26%.
O método adotado no estudo, porém, foi bastante questionado por outros cientistas, especialmente porque os resultados contradizem pesquisas anteriores, que apontam ineficiência no uso do medicamento. A principal crítica está na não aleatoriedade na escolha dos pacientes.
Sobre a azitromicina, o próprio Ministério da Saúde admite que os estudos feitos até agora não comprovam a eficácia do uso de medicamentos antibacterianos contra a COVID-19. A posição é corroborada por entidades sanitárias, como a Associação de Medicina Intensiva Brasileira, a Sociedade Brasileira de Infectologia, a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Já a ivermectina também não tem eficácia contra a COVID-19 comprovada cientificamente. Tanto o Ministério da Saúde, quanto o FDA não recomendam o medicamento no tratamento do novo coronavírus.