O que um candidato governista desconhecido, uma proposta de emenda à Constituição incerta e uma aliança com a oposição têm em comum? A resposta são dois complicados e intrincados processos eleitorais para as presidências da Câmara e do Senado, que ocorrerão em um cenário de pandemia e com um tempo curto para articulações.
Os pleitos no Congresso só serão definidos em fevereiro, mas os trabalhos do governo em busca de um nome ainda desconhecido de um integrante do centrão para a cadeira do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) antecipou os debates. Bem como a ambição do presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) de cravar uma reeleição na mesma legislatura por meio de PEC, já que a medida é proibida pela carta magna.
É nesse cenário que as articulações na Câmara e no Senado se entrelaçam. No Senado, a pouco provável reeleição de Davi Alcolumbre seria positiva para Jair Bolsonaro, que tem no parlamentar um interlocutor de confiança. Porém, na Câmara, a PEC que pode permitir a manobra da manutenção de Alcolumbre na presidência tem potencial para reeleger Rodrigo Maia.
Isso acabaria com os planos do Executivo e do centrão de colocarem um governista de aluguel para presidir a Casa. Seria uma derrota significativa para o presidente da República e sua base, armada para defendê-lo de eventuais processos de impeachment e erodir o poder de Maia entre os pares.
A ambição de Alcolumbre ganhou força nos últimos meses. Primeiro, com a rusga entre Maia e o governo há cerca de 60 dias, que culminou com a entrevista de Bolsonaro a uma rede de TV em que ele afirmou que o presidente da Câmara estaria “conduzindo o Brasil para o caos”.
A consequência da briga foi o projeto de ajuda a estados e municípios na pandemia começar a tramitar pelo Senado, fortalecendo a relação do presidente da Casa com o governo. Depois, o debate do adiamento das eleições municipais aproximou Alcolumbre dos ministros do STF Luiz Fux e Roberto Barroso.
Um parlamentar atento às articulações, porém, demonstrou ceticismo. “A proximidade de Davi com ministros do STF por conta do debate do adiamento das eleições não representa proximidade para sinalizarem positivamente para uma PEC para a reeleição. Isso poderia abrir um precedente perigoso. Não digo no caso do Davi, mas no futuro”, comenta.
A tradição no Senado é que o presidente saia do partido com a maior bancada. O rito foi quebrado quando Alcolumbre se elegeu em fevereiro de 2019, e será novamente se ele conseguir a façanha.
CORRIDA
O último elemento da adivinha é a aliança com a oposição na Câmara. Quando o governo fechou com o centrão, levou para si pouco mais de 200 votos e parte dos partidos que apoiavam Rodrigo Maia. O número é mais que suficiente para barrar um processo de impeachment. Mas ele também dividiu o Parlamento em três blocos. O do centrão, um bloco independente com o presidente da Casa como representante e a oposição.Parlamentares de esquerda têm 131 votos, e só as custas de muito trabalho conseguem alterar ou deter projetos de lei que contrariem suas pautas. A conta, no entanto, é significativa para as eleições, e colocará o desunido grupo de partidos como fiel da balança.
O líder do PT, Enio Verri (PR), destaca, porém, que o antibolsonarismo é marca do grupo. “Muita água ainda vai correr. Se o prestígio de Jair Bolsonaro estiver em queda, ele não terá força para influenciar nas eleições na Câmara. Digamos, ele tem uma base de eleitorado de 30%. Hoje deve estar em 27%. Se chegar lá, com coronavírus, mortes, crise econômica, desemprego, com 15%, ele não terá força para construir um candidato. Mas é cedo para avaliar. Nós, da oposição, somos 131 votos. Somos determinantes em um resultado eleitoral. A postura da oposição é antibolsonaro. Isso pode nos levar a candidatura própria, ou fazer alianças. É a conjuntura política que vai nos dizer”, afirma.
Um parlamentar próximo de Maia segue a mesma lógica. Se a dinâmica não mudar, ganhará o candidato apontado pela esquerda, avisa. “Se fechar com o candidato de Rodrigo Maia no primeiro turno, será difícil ter outra candidatura. A composição destruirá qualquer tipo de articulação”, pondera. Já o líder do DEM, Efraim Filho (PB), destaca que o próprio Maia se mostra focado na sucessão, e não vê espaço para debater uma PEC dessa magnitude em um semestre com eleições municipais, coronavírus e reforma tributária.
Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE) acredita que a possibilidade de reeleição de Davi Alcolumbre ocorrerá até o fim de agosto. “Ele deve ter uma reeleição muito tranquila pelo trabalho que realiza. Toma posições firmes no sentido de defender a autonomia como chefe do Poder, e se transformou no principal ator da moderação do cenário político brasileiro”, explica.
E o primeiro vice-líder do Cidadania, senador Alessandro Vieira (SE) vê como “casuísmo” mudar a Constituição Federal por conta de uma eleição. “Sou amigo do presidente Davi, mas nesse ponto, discordamos. A gente percebe movimento do governo para ampliar a base. Isso está acontecendo de forma clara, e o senador é quem tem maior proximidade com o governo. Ele será um grande eleitor, e é bastante articulado, e eu diria que é muito provável que procure por um sucessor governista.”
JOGO POLÍTICO
O analista político Melillo Dinis destaca que o número de mortos por coronavírus, a gravidade da crise econômica causada pela pandemia e a capacidade de articulação do governo, que descumpre muitos acordos, serão preponderantes para que Jair Bolsonaro tenha forças para construir um candidato com o centrão.“O governo federal adentrou na composição na disputa política da Câmara tentando mudar o jogo a partir de 2021, o que tem sido feito a duras penas e com descumprimentos de acordos de votação. No jogo da política, mesmo que tenha jogo duplo, triplo, você vai ter dificuldade de fazer acordo com quem você não confia ou não tem poder de retaliação.”