Brasília – O debate sobre a reforma tributária é como uma estrada pavimentada sobre terreno pantanoso. Ao decidir participar da discussão, com o anúncio de uma série de projetos sobre o assunto, o governo contribuiu para gerar clima de concordância sobre a necessidade de mudança ampla no sistema de impostos, taxas e contribuições. O problema é o ambiente que cerca a polêmica. Uma transformação, no grau de profundidade defendido por especialistas, precisa de cenário de estabilidade para ocorrer.
As Propostas de Emenda à Constituição (PECs) 45 e 110 de 2019 – as reformas, respectivamente, da Câmara e do Senado – e o texto do Executivo tramitam sob forte instabilidade. O governo Bolsonaro não tem base consolidada na Câmara – prova disso é que, na votação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o governo pretendia que prevalecesse o texto que remeteu, mas foi aprovada a PEC elaborada na Câmara, contra a qual somente seis deputados da ala radical bolsonarista votaram –, nem um bom histórico de articulação.
Além disso, os debates começam no meio da pandemia do novo coronavírus, em um semestre com eleições municipais e negociações para troca de presidentes das duas Casas legislativas. Para completar o quadro adverso, 2021 será impactado pela parte mais pesada da crise econômica pós-pandemia, o que torna qualquer previsão ainda mais complexa.
Os mais esperançosos acreditam que a entrada do governo no debate, e o capital político do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), serão suficientes para fazer a matéria tramitar. Por enquanto, o Ministério da Economia só enviou o Projeto de Lei 3.887/20, que unifica o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), criando um imposto sobre o valor agregado, batizado de Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS).
Apesar de enxuta, a proposta é vista por tributaristas como um primeiro passo. O governo diz que ainda vai apresentar outros três projetos: um alterando o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); outro mexendo no Imposto de Renda, para reduzir as deduções e trazer de volta o imposto sobre lucros e dividendos; e um último texto voltado para a desoneração da folha de pagamentos, que deve aliviar o setor de serviços, que será o mais atingido pela alíquota de 12% da CBS.
Ao prometer uma compensação às empresas só na quarta e última fase da reforma, o ministro da Economia, Paulo Guedes, não convenceu o setor, que continua se posicionando contra a reforma – que é uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro. O lobby é forte, como lembra o analista político Thiago Vidal, da consultoria Prospectiva. “Não dá para dizer que o projeto engatou. O governo ter enviado um texto foi um bom movimento, mas há muita resistência para discutir unificação de PIS e Cofins isoladamente. As próximas fases podem nem chegar”, avalia.
Parlamentares se preocupam com a possibilidade de que se repita o que ocorreu no ano passado, com a reforma da Previdência. Para aprová-la, o governo se comprometeu com uma PEC paralela, que retomaria pontos retirados do texto original para facilitar a aprovação. Aprovada a PEC principal, o segundo projeto foi esquecido no Congresso – jamais foi adiante. “Ninguém sabe se o governo vai ter fôlego para chegar até o final das quatro etapas que promete. Corre-se o risco de que a reforma seja resumida à simplificação da PIS e da Cofins”, acredita Vidal.
É esse o medo do setor de serviços, e é por isso que boa parte dos defensores da necessidade de uma reforma tributária pedem que os assuntos sejam discutidos de uma só vez. “Não foi uma boa ideia enviar separadamente. Gera dúvida sobre a real intenção do governo de ir além e afasta grupos com que precisariam embarcar na reforma para conseguir os votos”, observou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), um dos integrantes da comissão mista que discute as propostas em andamento no Congresso.
Insuficiente
Fatiar a reforma “não resolve, não ataca o problema e gasta capital político com algo com efeito pequeno”, afirma o advogado tributarista João Paulo Muntada Cavinatto, integrante do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da Fundação Getulio Vargas (FGV), que é ligado ao Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), grupo responsável por parte da elaboração da PEC 45. “O CBS, evidentemente, não é suficiente”, diz. Mas o projeto do governo, na visão dele, pode ser um primeiro passo na direção de um imposto sobre valor agregado de abrangência nacional.
A proposta de unir PIS e Cofins seria, nesse caso, uma “reforma transitória”, afirma Cavinatto. Depois, pode-se implementar por meio de um modelo mais abrangente, com unificação de tributos estaduais e municipais, como ICMS e ISS, como preveem as PECs 45 e 110. “Em um cenário ideal, ter tudo junto é muito melhor. Conseguiríamos discussões mais aprofundadas. Mas é preferível um pássaro na mão que cinco voando”, pondera o especialista.