O governo enfrenta uma guerra declarada entre os ministros da Economia, Paulo Guedes, e do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. A disputa entre eles não vem de hoje, mas atingiu seu ápice nesta semana, quando Guedes decidiu torná-la pública e oficial ao anunciar a “debandada” na equipe e, sobretudo, levantar a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro sofrer um processo de impeachment se continuar seguindo os conselhos de ministros “fura-teto”. O tiro disparado pelo chefe da Economia teve Marinho como alvo preferencial, já que é ele que vem liderando toda a movimentação nos bastidores para o governo ampliar as despesas com obras, mesmo que isso signifique estourar o teto de gastos.
Marinho, que foi secretário especial de Previdência do Ministério da Economia antes de ser alçado ao primeiro escalão do governo, não está sozinho na guerra contra Guedes. Tem a seu lado os ministros militares com assento no Planalto, sendo o mais próximo dele o chefe da Casa Civil, Braga Neto. Também conta com a simpatia do secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, e do ministro de Infraestrutura, Tarcísio Freitas. Construiu uma ponte importante com o ministro das Comunicações, Fábio Faria, o que o aproximou ainda mais do Centrão, grupo ao qual Bolsonaro se aliou para impedir qualquer movimentação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quanto a um possível processo de impeachment — há mais de 40 pedidos nesse sentido engavetados pelo democrata.
Se o ministro do Desenvolvimento Regional alardeia que conseguiu se cercar de figuras relevantes do entorno de Bolsonaro, Guedes também bate no peito ter o apoio necessário para levar adiante a sua agenda. Ele assegura ter 100% de suporte do presidente. Cita como exemplo as declarações do presidente na live de quinta-feira e os posts nas redes sociais, na sexta. Em todos, comprometendo-se com o ajuste fiscal. O ministro também garante ter o apoio do colega Fábio Faria e dos filhos do presidente. “Não tem outro caminho. Ou seguimos com a responsabilidade fiscal, ou o país quebrará de novo, como ocorreu no governo Dilma e como se viu recentemente na Argentina” tem dito nas conversas mais recentes com interlocutores do governo.
Guedes afirma, ainda, que os “fura-teto” estão se aproveitando da proximidade do fechamento do Orçamento de 2021 para impor a agenda da gastança, quando o momento é de controlar despesas. Não há, no entender do chefe da equipe econômica, como repetir 2020, quando todos os limites da responsabilidade fiscal foram jogados para o espaço por conta da pandemia. Ele entende que, ao longo do tempo, será possível ampliar os investimentos do governo, mas, antes, é preciso conter o deficit explosivo das contas públicas, que pode chegar a R$ 800 bilhões neste ano, e a disparada da dívida pública, que encosta nos 90% do Produto Interno Bruto (PIB), levantando questionamentos sobre a solvência do país.
A ala que joga contra Guedes não perdoa. Afirma que, além de ele nunca ter feito esforços para construir relações fortes dentro governo, acreditando ser intocável, viu que o seu programa liberal para a economia não trouxe os resultados esperados pelo presidente — um crescimento mais rápido da atividade, sobretudo. Também demorou para agir durante a pandemia do novo coronavírus, o que escancarou as fragilidades de sua política. Foi durante as duras críticas que o governo recebeu pela falta de crédito rápido às empresas que Marinho se estruturou de vez para ocupar espaço e partir para cima do ex-chefe. Nessa empreitada, atraiu apoio de empresários insatisfeitos com Guedes.
Entre amigos do ministro da Economia, Guedes e o desafeto são chamados de “inimigos cordiais”. Procurado, Marinho não comentou o assunto.
Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, o ministro da Economia classificou o Pró-Brasil como um “erro” e comparou a proposta ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), elaborado pela ex-presidente Dilma Rousseff. “Voltar a uma agenda de trinta anos atrás, que é investimento público financiado pelo governo, foi o que a Dilma fez”, disse Guedes, ressaltando, claramente, as digitais do oponente. “Todo o discurso é conhecido: acabar com as desigualdades regionais. Marinho, claro, está lá, são as digitais dele”, disparou.
Naquele momento, o ministro da Economia conseguiu o apoio de Bolsonaro para segurar o ímpeto gastador de Marinho e dos militares. O problema é que, agora, com a polularidade em alta por causa do auxílio emergencial de R$ 600, o presidente está focado na reeleição, e quer transformar o Brasil em um canteiro de obras. Diante dessa ambição, dizem integrantes do grupo de Marinho, Guedes não será um estorvo. Ainda mais depois das declarações que deu na última terça-feira, consideradas muito acima do aceitável pelo presidente. A interlocutores, Bolsonaro disse que o ministro da Economia havia passado dos limites ao levantar a possibilidade de ele sofrer um impeachment pelo aumento de gastos.
Entre os auxiliares de Guedes, a ordem é resistir. “Não se trata apenas de Marinho, um político que está botando fogo no parquinho. Há uma leva de pessoas de dentro do governo dispostas a derrubar o ministro”, diz um integrante da equipe econômica. Para ele, em vez de o presidente ficar irritado com Guedes, por ele ter falado a verdade e ter exposto a pressão pelo aumento de gastos, Bolsonaro deveria agradecer ao subordinado. “O pouco de credibilidade que ainda resta na questão fiscal se deve ao ministro. Não fosse ele, a farra fiscal já estaria institucionalizada”, complementa, lembrando que há pessoas no Congresso dispostas a ajudar Guedes, inclusive na unificação das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) do Pacto Federativo e a Emergencial.
Outro integrante do time de Guedes afirma que, se o presidente diz que está no limite com o ministro, o chefe da equipe econômica também não está nada satisfeito com os ataques generalizados que vem recebendo. “Por enquanto, ele ainda está disposto a enfrentar o fogo amigo. Todos nós sabemos que Guedes não tolera muita coisa. Não há chance de ele ficar se humilhando por um cargo. Ele quer ajudar, pois acredita nas boas intenções do presidente. Mas, humilhação pública não é com ele”, frisa. (Colaborou Rosana Hessel)
Não será, porém, um processo fácil, dado às vaidades que imperam no ministério que foi criado com a fusão de cinco pastas. Há secretários que agem como se fossem o próprio ministro e não aceitam perder poder. “Isso, porém, não será problema para o Guedes. Ele atropela quem estiver criando dificuldades”, diz um integrante da Economia a par das mudanças que estão sendo pensadas. “Estamos falando de uma estrutura resultante da fusão de cinco ministérios. Tem que corrigir o que está criando dificuldade”, acrescenta.
Já foram identificadas, por exemplo, sobreposições entre a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, chefiada por Carlos da Costa, e a Secretaria Especial de Desestatização, agora, comandada por Diogo Mac Cord — ele substituiu Salim Mattar. Outros pontos de conflitos envolvem a secretaria de Carlos da Costa e a de Previdência e Trabalho, chefiada por Bruno Bianco. “Temos visto muita coisa se sobrepondo. E, em vez de decidir, tudo fica emperrado”, ressalta o mesmo técnico.
Ciente de que precisa reagir, Guedes retomou as reuniões semanais com seus secretários especiais e assessores mais próximos — esses encontros haviam sido suspensos por causa da pandemia. O desta segunda-feira será virtual, mas importante para que o ministro unifique o discurso e contenha qualquer movimento de disputa interna por mais espaço. “Sabemos que, quando há mudanças em equipes, sempre aparece alguém querendo ocupar mais espaço. Esse não é o momento para egos inflados. O Ministério da Economia está sob ataque e precisa de união”, afirma o mesmo técnico.
Marinho, que foi secretário especial de Previdência do Ministério da Economia antes de ser alçado ao primeiro escalão do governo, não está sozinho na guerra contra Guedes. Tem a seu lado os ministros militares com assento no Planalto, sendo o mais próximo dele o chefe da Casa Civil, Braga Neto. Também conta com a simpatia do secretário-geral da Presidência, Jorge Oliveira, e do ministro de Infraestrutura, Tarcísio Freitas. Construiu uma ponte importante com o ministro das Comunicações, Fábio Faria, o que o aproximou ainda mais do Centrão, grupo ao qual Bolsonaro se aliou para impedir qualquer movimentação do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), quanto a um possível processo de impeachment — há mais de 40 pedidos nesse sentido engavetados pelo democrata.
Se o ministro do Desenvolvimento Regional alardeia que conseguiu se cercar de figuras relevantes do entorno de Bolsonaro, Guedes também bate no peito ter o apoio necessário para levar adiante a sua agenda. Ele assegura ter 100% de suporte do presidente. Cita como exemplo as declarações do presidente na live de quinta-feira e os posts nas redes sociais, na sexta. Em todos, comprometendo-se com o ajuste fiscal. O ministro também garante ter o apoio do colega Fábio Faria e dos filhos do presidente. “Não tem outro caminho. Ou seguimos com a responsabilidade fiscal, ou o país quebrará de novo, como ocorreu no governo Dilma e como se viu recentemente na Argentina” tem dito nas conversas mais recentes com interlocutores do governo.
Guedes afirma, ainda, que os “fura-teto” estão se aproveitando da proximidade do fechamento do Orçamento de 2021 para impor a agenda da gastança, quando o momento é de controlar despesas. Não há, no entender do chefe da equipe econômica, como repetir 2020, quando todos os limites da responsabilidade fiscal foram jogados para o espaço por conta da pandemia. Ele entende que, ao longo do tempo, será possível ampliar os investimentos do governo, mas, antes, é preciso conter o deficit explosivo das contas públicas, que pode chegar a R$ 800 bilhões neste ano, e a disparada da dívida pública, que encosta nos 90% do Produto Interno Bruto (PIB), levantando questionamentos sobre a solvência do país.
A ala que joga contra Guedes não perdoa. Afirma que, além de ele nunca ter feito esforços para construir relações fortes dentro governo, acreditando ser intocável, viu que o seu programa liberal para a economia não trouxe os resultados esperados pelo presidente — um crescimento mais rápido da atividade, sobretudo. Também demorou para agir durante a pandemia do novo coronavírus, o que escancarou as fragilidades de sua política. Foi durante as duras críticas que o governo recebeu pela falta de crédito rápido às empresas que Marinho se estruturou de vez para ocupar espaço e partir para cima do ex-chefe. Nessa empreitada, atraiu apoio de empresários insatisfeitos com Guedes.
Entre amigos do ministro da Economia, Guedes e o desafeto são chamados de “inimigos cordiais”. Procurado, Marinho não comentou o assunto.
Traição
A relação entre Guedes e Marinho desandou de vez em abril, quando o chefe da equipe econômica descobriu que o antigo subordinado estava negociando com os ministros militares e o presidente da República um programa de obras para estimular a economia, solapada pela covid-19. O Pró-Brasil previa investimentos de pelo menos R$ 30 bilhões em projetos de infraestrutura, com a retomada de empreendimentos parados. O termo mais suave que Guedes usou para se referir a Marinho foi “traidor”. A proposta do Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2021 tem espaço para menos de R$ 10 bilhões para investimentos públicos no ano que vem.Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, o ministro da Economia classificou o Pró-Brasil como um “erro” e comparou a proposta ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), elaborado pela ex-presidente Dilma Rousseff. “Voltar a uma agenda de trinta anos atrás, que é investimento público financiado pelo governo, foi o que a Dilma fez”, disse Guedes, ressaltando, claramente, as digitais do oponente. “Todo o discurso é conhecido: acabar com as desigualdades regionais. Marinho, claro, está lá, são as digitais dele”, disparou.
Naquele momento, o ministro da Economia conseguiu o apoio de Bolsonaro para segurar o ímpeto gastador de Marinho e dos militares. O problema é que, agora, com a polularidade em alta por causa do auxílio emergencial de R$ 600, o presidente está focado na reeleição, e quer transformar o Brasil em um canteiro de obras. Diante dessa ambição, dizem integrantes do grupo de Marinho, Guedes não será um estorvo. Ainda mais depois das declarações que deu na última terça-feira, consideradas muito acima do aceitável pelo presidente. A interlocutores, Bolsonaro disse que o ministro da Economia havia passado dos limites ao levantar a possibilidade de ele sofrer um impeachment pelo aumento de gastos.
Entre os auxiliares de Guedes, a ordem é resistir. “Não se trata apenas de Marinho, um político que está botando fogo no parquinho. Há uma leva de pessoas de dentro do governo dispostas a derrubar o ministro”, diz um integrante da equipe econômica. Para ele, em vez de o presidente ficar irritado com Guedes, por ele ter falado a verdade e ter exposto a pressão pelo aumento de gastos, Bolsonaro deveria agradecer ao subordinado. “O pouco de credibilidade que ainda resta na questão fiscal se deve ao ministro. Não fosse ele, a farra fiscal já estaria institucionalizada”, complementa, lembrando que há pessoas no Congresso dispostas a ajudar Guedes, inclusive na unificação das Propostas de Emenda à Constituição (PECs) do Pacto Federativo e a Emergencial.
Outro integrante do time de Guedes afirma que, se o presidente diz que está no limite com o ministro, o chefe da equipe econômica também não está nada satisfeito com os ataques generalizados que vem recebendo. “Por enquanto, ele ainda está disposto a enfrentar o fogo amigo. Todos nós sabemos que Guedes não tolera muita coisa. Não há chance de ele ficar se humilhando por um cargo. Ele quer ajudar, pois acredita nas boas intenções do presidente. Mas, humilhação pública não é com ele”, frisa. (Colaborou Rosana Hessel)
Reformulação para ganhar agilidade
Na tentativa de responder mais rápido à demanda do governo, evitar mais debandadas da equipe e conter o tiroteio do qual está sendo alvo, o ministro da Economia, Paulo Guedes, pediu a seu secretário-executivo, Marcelo Guaranys, que acelere a reestruturação da pasta, considerada emperrada demais pela sobreposição de funções. Esse projeto vem sendo desenhado desde o fim do ano passado.Não será, porém, um processo fácil, dado às vaidades que imperam no ministério que foi criado com a fusão de cinco pastas. Há secretários que agem como se fossem o próprio ministro e não aceitam perder poder. “Isso, porém, não será problema para o Guedes. Ele atropela quem estiver criando dificuldades”, diz um integrante da Economia a par das mudanças que estão sendo pensadas. “Estamos falando de uma estrutura resultante da fusão de cinco ministérios. Tem que corrigir o que está criando dificuldade”, acrescenta.
Já foram identificadas, por exemplo, sobreposições entre a Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, chefiada por Carlos da Costa, e a Secretaria Especial de Desestatização, agora, comandada por Diogo Mac Cord — ele substituiu Salim Mattar. Outros pontos de conflitos envolvem a secretaria de Carlos da Costa e a de Previdência e Trabalho, chefiada por Bruno Bianco. “Temos visto muita coisa se sobrepondo. E, em vez de decidir, tudo fica emperrado”, ressalta o mesmo técnico.
Ciente de que precisa reagir, Guedes retomou as reuniões semanais com seus secretários especiais e assessores mais próximos — esses encontros haviam sido suspensos por causa da pandemia. O desta segunda-feira será virtual, mas importante para que o ministro unifique o discurso e contenha qualquer movimento de disputa interna por mais espaço. “Sabemos que, quando há mudanças em equipes, sempre aparece alguém querendo ocupar mais espaço. Esse não é o momento para egos inflados. O Ministério da Economia está sob ataque e precisa de união”, afirma o mesmo técnico.