O Supremo Tribunal Federal derrubou nessa sexta, 21, o programa Escola Livre, promulgado em 2016 em Alagoas após a Assembleia Legislativa reverter veto imposto pelo governador Renan Filho (MDB-AL). Inspirado no Escola Sem Partido, a lei previa punições a professores que praticassem doutrinação ideológica em sala de aula e exigia comportamento neutro dos docentes durante o ensino.
O programa foi suspenso em março de 2017 pelo ministro Luís Roberto Barroso. À época, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, se manifestou contra o Escola Livre, afirmando que não caberia ao Legislativo estadual prever diretrizes gerais para a Educação. Tal competência, conforme a Constituição, seria privativa da União.
O caso foi pautado em julgamento virtual encerrado às 23h59 dessa sexta. Relator, Barroso se manifestou pela inconstitucionalidade do Escola Livre, destacando que a ideia de neutralidade política e ideológica da lei estadual é antagônica à de proteção ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e à promoção da tolerância.
"A imposição da neutralidade - se fosse verdadeiramente possível - impediria a afirmação de diferentes ideias e concepções políticas ou ideológicas sobre um mesmo fenômeno em sala de aula. A exigência de neutralidade política e ideológica implica, ademais, a não tolerância de diferentes visões de mundo, ideologias e perspectivas políticas em sala".
O ministro destacou ainda que a própria concepção de neutralidade invocada pelo Escola Livre é altamente questionável, tanto do ponto de vista da teoria do comportamento humano, quanto do ponto de vista da educação.
"Nenhum ser humano e, portanto, nenhum professor é uma folha em branco. Cada professor é produto de suas experiências de vida, das pessoas com quem interagiu, das ideias com as quais teve contato", apontou Barroso. "Em virtude disso, alguns professores têm mais afinidades com certas questões morais, filosóficas, históricas e econômicas; ao passo que outros se identificam com teorias diversas. Se todos somos - em ampla medida, como reconhecido pela psicologia - produto das nossas vivências pessoais, quem poderá proclamar sua visão de mundo plenamente neutra?"
O ministro foi acompanhado por oito colegas da Corte: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Luiz Fux e o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli. O voto divergente foi dado pelo ministro Marco Aurélio Mello, que compôs a ala vencida no julgamento.
Marco Aurélio divergiu no entendimento de que o Legislativo de Alagoas teria usurpado competência da União, responsável pela definição de normas gerais sobre Educação. Segundo o ministro, a Assembleia Legislativa atuou dentro da margem de ação para disciplinar o sistema de ensino, sob o ângulo do interesse regional, buscando efetivar liberdades fundamentais e ampliar mecanismos de proteção do ambiente escolar.
"Não se verifica desrespeito a iniciativa reservada ao Chefe do Executivo, uma vez ausente interferência no regime jurídico aplicável aos servidores da rede escolar pública", afirmou Marco Aurélio Mello.
O decano, ministro Celso de Mello, não participou do julgamento por estar de licença médica após ser submetido a uma cirurgia. A previsão de alta é neste sábado, 22.
O Movimento Escola Sem Partido foi redigido pelo procurador paulista Miguel Nagib em 2004 e tem como foco o combate ao que o autor chama de a doutrinação política e ideológica em sala de aula e nos livros didáticos. As ideias foram alvo de críticas e ações judiciais movidas por educadores e entidades ligadas ao ensino. A Organização das Nações Unidas (ONU) entende que o projeto viola compromissos do Brasil com a educação e a liberdade.
A organização alertou ainda para o risco de se impedir discussões sobre gênero e diversidade sexual, fundamental para prevenir estereótipos de gênero e atitudes homofóbicas por estudantes.
No ano passado, Nagib anunciou que o movimento seria suspenso por absoluta falta de apoio. O procurador disse não ter encontrado suporte do governo federal para discutir o Escola Sem Partido.