Com apenas duas semanas no comando da mais alta corte do país, o ministro Luiz Fux deixa claro que haverá mudança profunda na maneira de gerir o Supremo Tribunal Federal (STF). Seu primeiro ato foi restringir uma recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que orientava magistrados de todo o país a afrouxar as penas de detentos em razão da pandemia de coronavírus, que se espalha pelo mundo, inclusive entre o sistema penitenciário brasileiro. A restrição foi aplicada a autores de crimes hediondos, ou seja, contra a vida, e para envolvidos em corrupção, que praticaram atos previstos na Lei das Organizações Criminosas, como lavagem de dinheiro. A conduta do presidente do Supremo mostra semelhanças com ideais e perfis de integrantes da Operação Lava-Jato.
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Após cerimônia de Fux, Felipe Santa Cruz testa negativo para covid-19Ministro do Turismo é a sétima autoridade presente à posse de Fux com covid-19STF avisa a convidados da posse de Fux sobre a necessidade de procurar atendimento médicoEm meio a crise no STF, Bolsonaro se encontra com FuxAinda em seu discurso de posse, Fux afirmou que não aceitaria retrocessos no combate à corrupção e citou a Lava-Jato. A decisão de restringir a liberação de presos não deve ser a primeira alinhada com os interesses de integrantes da operação. O magistrado demonstrou que a prisão em segunda instância, que atualmente está proibida por decisão do plenário, pode ser revista. Na época do julgamento do tema pelo Supremo, procuradores pró-Lava-Jato em diversos estados criticaram a derrubada do dispositivo, alegando que poderia representar o fim das ações contra os crimes de colarinho branco.
A possibilidade de retorno ao debate sobre a prisão antes do fim do processo levantou reações entre os integrantes do plenário. O ministro Marco Aurélio Mello, que na época era relator das ações que questionavam a prisão em segundo grau de Justiça, enviou ofício a Fux, destacando que houve ampla base jurídica para a decisão do plenário, que, na ocasião, seguiu, por maioria, o voto proferido por ele. "Faço-o por dever de ofício, porquanto autor do voto condutor", escreveu Mello no documento encaminhado ao colega. Fux não respondeu formalmente sobre o tema.
O cientista político Leonardo Queiroz Leite, doutor em administração pública e governo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), destaca que embora tenha começado a gestão com assuntos controversos, a postura do ministro Fux no cargo não representa uma surpresa. “A postura do ministro Fux é claríssima. Ele é muito alinhado a essa corrente, chamada de lavajatista. A prisão em segunda instância foi um dos pilares que viabilizaram o sucesso da Lava-Jato. A posição dele, como presidente, pode influenciar, especialmente, pelo poder de controlar a pauta dos julgamentos. Se o presidente entender que se criou um movimento favorável para derrubar a decisão atual, ele pode colocar na agenda e fazer valer esse poder de controlar o julgamento. Vai haver mais embate e discussão sobre esse tema, que não é simples”, destaca.
O mandato de Fux começou em meio a um capítulo marcante da história. Ele ascende ao cargo em meio à maior pandemia da história, que também cria desafios jurídicos e sociais. A cerimônia de posse, no dia 10 deste mês, se tornou um foco de disseminação do coronavírus no Poder Judiciário. Além dele, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e outros três magistrados testaram positivo após participar do evento. Partiu dele a decisão de realizar um ato presencial.
CASO BOLSONARO
Antes de completar o primeiro mês no cargo, o ministro Fux tem uma grande saia justa para resolver. Na semana passada, o ministro Marco Aurélio Mello atendeu a um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) e suspendeu a tramitação de um inquérito que corre na corte contra o presidente Jair Bolsonaro. Ele é suspeito de tentar interferir na Polícia Federal para beneficiar parentes e amigos. Ao decidir sobre o caso, Marco Aurélio também revisou a decisão anterior do decano, Celso de Mello, que determinou que a oitiva do chefe do Executivo fosse realizada presencialmente.
Bolsonaro alega que tem direito, em razão do cargo, a prestar esclarecimentos por escrito, como ocorreu no caso do ex-presidente Michel Temer. Marco Aurélio mandou o assunto para ser decidido em plenário, sobre a forma de coleta do depoimento. No entanto, Celso de Mello deve retornar dia 26 e caso a ação seja pautada antes do retorno dele, cria-se um clima de acirramento no tribunal. Interlocutores do presidente do Supremo afirmam que ele deve ouvir o colega informalmente, antes que a licença médica termine.
O professor Rubens Glezer, doutor em filosofia e teoria geral do direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FD-USP), vê semelhanças entre a gestão do ministro Fux e da ministra Cármen Lúcia. Ele avalia que algumas ações podem gerar maior politização da corte. “O Fux dá sinais de uma presidência muito parecida com a que foi a da ministra Cármen Lúcia. Ele mostra uma preocupação grande em ficar prestando contas para setores da sociedade para os quais ele é simpático, e concorda. Um deles é a Lava-Jato. Carmen Lúcia também tinha a necessidade de mostrar que na gestão dela algumas pautas iriam em frente. Mas isso começa a expor as divergências do tribunal como divergências políticas”, diz.