Brasília – O presidente Jair Bolsonaro afirmou neste sábado (20) que tomou decisões contra a pandemia do novo coronavírus mesmo “sendo tolhido” pelo Judiciário. Depois de participar de evento evangélico no Distrito Federal, ele foi a uma lotérica na Asa Norte, gerou aglomeração ao tirar fotos com apoiadores, mas também ouviu críticas de opositores. Durante discurso na Assembleia Geral da Convenção Evangélica das Assembleias de Deus do Distrito Federal e Entorno, Bolsonaro disse que não pode “se esconder em um palácio".
“Passamos por grande provação, ou melhor, estamos no final dela”, disse, referindo-se à pandemia. “Na parte econômica, o Brasil foi o que melhor se saiu. Quis o destino também que na área de saúde, aos poucos, ao se deixar de politizar a única alternativa que nós tínhamos, começou-se a salvar mais vidas”, acrescentou. Bolsonaro disse ainda que agradece a Deus pela coragem para enfrentar “quase tudo, quase o mundo todo” ao tomar posições. “Tem uma passagem militar que vale para todos nós: pior que uma decisão mal tomada é uma indecisão”. O presidente disse que tomou decisões “mesmo sendo tolhido pelo Poder Judiciário”. “Se Deus quiser, voltaremos à normalidade ainda no corrente ano”, afirmou.
O presidente disse que recebeu críticas por visitar regiões do Distrito Federal no início da pandemia, mas justificou dizendo que em um momento difícil não pode se esconder em um palácio. “Ou estou na frente e junto ou não estou fazendo um bom papel”, declarou.
POPULARIDADE
Bolsonaro tem visto a sua popularidade crescer e quer garantir que esse bom momento não seja passageiro. Para isso, tem tomado o cuidado de tentar desvincular seu nome de propostas que possam ter repercussão negativa entre os seus eleitores. Os movimentos de Bolsonaro são minimamente calculados, especialmente por causa da sua pretensão de se reeleger em 2022. O presidente busca manter a boa imagem até o próximo pleito presidencial, mesmo que para isso ele tenha de desagradar aos seus próprios comandados.
Os sinais mais claros disso aconteceram na última semana. Para seguir em alta com os brasileiros mais pobres, que passaram a apoiá-lo por causa do auxílio emergencial, Bolsonaro criticou o Ministério da Economia por sugerir cortar benefícios da população menos abastada como forma de viabilizar a criação do Renda Brasil, programa social que deve substituir o Bolsa-Família. Além disso, para manter mobilizada a sua base de apoio mais fiel, disse ser a favor do afrouxamento às regras tributárias para igrejas e templos, o que também não encontra respaldo na equipe econômica.
Contudo, como os temas causaram ruído dentro do Executivo, o presidente decidiu transferir a responsabilidade para o Congresso. Deu aval para que o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do Orçamento para 2021, construa novo programa de transferência de renda e incitou os parlamentares a dar a palavra final sobre o projeto de lei que permite o perdão de dívidas tributárias a instituições religiosas — Bolsonaro até orientou a derrubada do seu veto à proposta, que só foi estabelecido para que ele não respondesse a um processo de impeachment por crime de responsabilidade fiscal. Para evitar desgaste à sua gestão, o presidente espera que deputados e senadores levem o tempo que for necessário para concluir as propostas e tomem “a decisão correta” por ele. A ideia do chefe do Executivo é se poupar de episódios como o da última terça-feira, quando fez desabafo público sobre o Ministério da Economia pela proposta de congelar aposentadorias e pensões como alternativa para abrir espaço no Orçamento ao Renda Brasil. “Quem, por ventura, vier a propor para mim uma medida como essa, só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa”, advertiu.
Cautela no Congresso
No Congresso, o comportamento do presidente Jair Bolsonaro é visto com cautela. A avaliação é de que o presidente está disposto a fazer tudo para seguir no Palácio do Planalto até 2026, apesar de não ter completado nem metade do seu primeiro mandato ainda. Para o deputado Fábio Trad (PSD-MS), a possibilidade de reeleição é um problema, pois “desencadeia a perversão das primeiras finalidades de um governo”. Ele destaca que Bolsonaro já não demonstra mais se preocupar tanto com o “receituário liberal”, de promessa de ajuste fiscal e contenção da máquina pública, que o elegeu há dois anos. “Temos um presidente em franca caminhada para a sua tentativa de reeleição. Portanto, muitas das decisões que estão sendo tomadas se devem mais ao candidato à reeleição do que ao presidente Jair Bolsonaro”, opina.
“Quando o presidente se mostra, agora, desenvolvimentista, tendo um ministro da Economia com perfil nitidamente ultraliberal, não dá, evidentemente, para vislumbrar qual é o perfil desse governo. O presidente faz de tudo para a expansão das contas públicas, objetivando a reeleição, enquanto o ministro da Economia procura reduzir o tamanho do Estado, objetivando o ajuste fiscal. São sinais trocados no mesmo governo. Isso é ruim para o país”, acrescenta o deputado.
Trad acredita ser negativa a sinalização que Bolsonaro passa para a sociedade com esse tipo de atitude. Para o deputado, o presidente coloca o país em perigo ao assumir o risco de degradar as contas públicas para que, em um eventual segundo mandato, possa minimizar os danos causados “pelo seu desejo infrene de reeleição”. “Estamos prestes a perder o controle das contas públicas, ver a volta da inflação e a degradação total da nossa economia. Bolsonaro tem mais a perder, porque as instituições, incluindo o mercado, não veem com bons olhos esse tipo de comportamento”, oberva o parlamentar.
O fato de Bolsonaro ir contra a própria equipe é visto como ponto bastante negativo, pois a impressão que fica é de que há uma descoordenação nas engrenagens do governo e que o presidente não tem autoridade suficiente para ser comunicado sobre as decisões da sua equipe. Isso precisa ser consertado. “O desentendimento sobre o Renda Brasil evidenciou um ruído entre a economia e o Executivo. O secretário de Fazenda, Waldery Rodrigues, veio a público apresentar uma proposta que depois foi rechaçada por Bolsonaro. Mostra que não houve entendimento prévio antes de apresentá-la”, constata o professor Paulo Kramer, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (Ipol/UnB).