Brasília – Mesmo com a quantidade de focos de queimadas no Brasil se aproximando de 147 mil – o maior índice para o período entre janeiro e setembro dos últimos 10 anos –, o presidente Jair Bolsonaro deve abrir os debates da 75ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), às 10h de hoje, afirmando que o seu governo tem se comprometido com a questão ambiental no país e rebatendo as críticas de lideranças políticas e instituições internacionais sobre a falta de empenho do Palácio do Planalto no combate aos incêndios florestais.
Apesar dos estragos nos biomas, sobretudo na Amazônia e no Pantanal, Bolsonaro falará aos demais chefes de Estado que a sua gestão tem preservado as áreas naturais e ainda que os incêndios são normais e que o número de focos de calor já registrado neste ano nas florestas brasileiras não está tão elevado como a mídia tem divulgado. No discurso, o presidente também deve direcionar palavras a organizações não-governamentais e reclamar da “perseguição injusta” que ele tem sofrido por diversas ONGs ambientalistas.
Bolsonaro se baseou nesses argumentos porque, no entendimento da sua equipe, ele precisa dar uma resposta à pressão da comunidade exterior e tentar reparar a imagem do Brasil no aspecto ambiental. Ontem, ao conversar com jornalistas no Palácio do Planalto, o vice-presidente Hamilton Mourão declarou que Bolsonaro vai tratar dos esforços do governo para mitigar a degradação das florestas nacionais. “Vai focar na Amazônia. Vai mostrar, em princípio, aquilo que nós estamos fazendo: a criação do Conselho (Nacional da Amazônia Legal), a operação Verde Brasil II, os esforços do governo no sentido de combater as ilegalidades. Não é simples, não é fácil, e elas continuam a acontecer, infelizmente”, disse.
Por mais que os números atuais joguem contra Bolsonaro, aliados do mandatário defendem que o governo não pode ceder aos “interesses” de outras nações. “Alardeiam publicamente que nada foi feito pelo governo federal, esse é um dos pontos focais desse problema, não podemos admitir e incentivar que nações, entidades e personalidades estrangeiras, sem passado que lhes dê autoridade moral para nos criticar, tenham sucesso em seu objetivo principal, obviamente oculto mas evidente, que é prejudicar o Brasil e derrubar o governo Bolsonaro”, disse ontem o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, em audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a política ambiental brasileira.
Segundo Heleno, “o assunto é altamente polêmico”, mas “não há comprovação científica de que o aumento de incêndio nas florestas primárias decorra de inação do governo federal”. “Na verdade, elas têm a ver com fenômenos naturais, cuja ação humana é incapaz de impedir. As ONGs, que têm por trás potências estrangeiras para nos apresentarem ao mundo como vilões do desmatamento e do aquecimento do planeta, usam argumentos falsos, números fabricados e manipulados, e acusações infundadas para prejudicar o Brasil”, ponderou.
IMAGEM NEGATIVA
Parlamentares e analistas políticos acreditam que o Brasil pode ficar com uma imagem ainda mais manchada caso Bolsonaro tente minimizar os impactos dos incêndios florestais. Para a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que integra a Comissão de Relações Exteriores (CRE) do Senado, o chefe do Executivo “não reconhece que o governo não tem feito o mínimo, o elementar, com a causa ambiental brasileira”.
“A gente torce para que ele proteja a imagem brasileira, mas que a sua fala seja realista e mantenha o compromisso com causas fundamentais. Mas, considerando o histórico do presidente, entendemos que ele pode vir com mais uma fala negacionista. Essa falta de reconhecimento é a reafirmação da falta de compromisso. Os olhares internacionais estão voltados para o Brasil. Estamos vivendo um momento muito grave na parte ambiental e tendo uma repercussão enorme pelas queimadas e pelo desmatamento”, alertou.
“A política de desmonte acelerado e descarado de todo um sistema de proteção ao meio ambiente começa render a Bolsonaro uma pressão, tanto interna quanto externa, inédita nas últimas décadas. A fumaça das queimadas já é uma mancha que cobre boa parte da América do Sul e que envergonha o Brasil perante o mundo”, acrescentou o senador Humberto Costa (PT-PE), também membro da CRE.
Carlos Rittl, ambientalista e pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados de Sustentabilidade de Potsdam, na Alemanha, comentou Bolsonaro deveria abrir mão do discurso negacionista e mostrar programas efetivos no combate às queimadas no Pantanal e na Amazônia.
“O presidente briga com a ciência, os satélites, os ambientalistas, os indígenas e com os dados. Ele tende a fazer isso novamente em seu discurso. Só não enfrenta, de fato, o desmatamento e os crimes ambientais. Enquanto isso, madeireiros ilegais, grileiros e criminosos ambientais continuam a lucrar com a devastação, e todos nós pagamos o preço alto, pela poluição do ar, o clima desequilibrado e a imagem do país no nível mais baixo possível. Com os desmontes e discursos, Bolsonaro tornou o Brasil um pária global”, destacou.
Pedido de investigação
Brasília – Durante a Assembleia Geral da ONU deste ano, será apresentado um relatório da instituição que sugere uma investigação internacional contra o governo do presidente Jair Bolsonaro por suas políticas ambientais e de direitos humanos. As informações foram publicadas pelo portal UOL. A sugestão de investigação é mais um constrangimento para o Brasil e, se aprovada, pode gerar um mal-estar que atrapalha as relações diplomáticas. O desgaste junto à ONU pode prejudicar o país no relacionamento com nações desenvolvidas e na captação de recursos para o fortalecimento das políticas de combate ao desmatamento e conservação ambiental.
O documento foi elaborado pelo relator especial da ONU sobre direitos humanos e substâncias e resíduos tóxicos, Baskut Tuncak, que vai pedir ao Conselho de Direitos Humanos para aprovar a abertura de um inquérito contra o atual presidente brasileiro. Segundo Tuncak, “se deixada sem controle, a situação no Brasil se transforma não apenas em uma catástrofe nacional, mas também em uma catástrofe com repercussões regionais e globais fenomenais, incluindo a destruição de nosso clima”.
“Hoje, o Brasil está em um caminho íngreme de regressão da sustentabilidade e dos direitos humanos. As imagens das queimadas desenfreadas da floresta Amazônica se tornaram um visual assustador desta descida e do desgaste do compromisso do Brasil com estes valores e princípios internacionais. No entanto, grande parte desta regressão é invisível”, diz o relatório. Como Tuncak concluiu o mandato, o informe será apresentado pelo novo relator, Marcos Orellana, que, ontem, defendeu a abertura de um inquérito diante dos ataques contra o meio ambiente e direitos humanos que continuam no Brasil. "O país foi por muitos anos uma liderança. Mas, tristemente, está em uma regressão profunda. Sem um controle, a situação no Brasil não será apenas uma calamidade ao país, mas uma ameaça global.”
RESPOSTA
Ontem, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, discursou na Assembleia Geral em nome do Ministério das Relações Exteriores e criticou os mecanismos das Nações Unidas para tentar investigar o país. “O Brasil não vai se submeter à tutela politizada, disfarçada de um mandato técnico”, afirmou.
A diplomata também defendeu a soberania do país e argumentou que as recomendações do relator sobre um inquérito ou a realização de uma sessão especial “claramente ultrapassa seu mandato”. “Essas recomendações não vão no espírito de colaboração e diálogo que sempre guiou a relação do Brasil com os mandatos. Apesar da informação que demos em diferentes temas, o relator optou por crítica não construtiva”, reclamou.
Sessão virtual
Por causa da pandemia, a Assembleia Geral da ONU deste ano ocorrerá virtualmente. Bolsonaro e outros líderes internacionais enviaram declarações gravadas. O tema da 75ª edição do evento é: "O futuro que queremos, as Nações Unidas que precisamos: reafirmar nosso compromisso coletivo com o multilateralismo – enfrentando a COVID-19 por meio de uma ação multilateral efetiva". No seu discurso, o presidente brasileiro também deve destacar que o país foi um dos melhores no enfrentamento à doença, apesar dos quase 138 mil mortos e dos cerca de 4,6 milhões de infectados, ressaltando o sucesso do auxílio emergencial para manter viva a economia nacional.