No livro Um paciente chamado Brasil, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta narra os embates que teve com o Palácio do Planalto até ser demitido, em 16 de abril, depois de reunião com o presidente Jair Bolsonaro, por discordância na forma do combate à pandemia do coronavírus no Brasil. O lançamento da editora Objetiva chega nesta sexta-feira (25/09) às livrarias e está disponível também em e-book.
A seguir, alguns trechos do livro.
A seguir, alguns trechos do livro.
“Presidente não deixou que publicássemos
recomendações sobre sepultamentos”
“O Ministério da Saúde indicava um caminho, e o presidente enviava uma mensagem no sentido oposto, a de não respeitar as orientações do seu próprio ministério. Antes já havia essa resistência, mas não era pública. Para se ter uma ideia do clima de tensão entre o Bolsonaro e o meu ministério, o presidente não deixou que publicássemos recomendações sobre sepultamentos no caso de transmissão sustentada do novo coronavírus numa cidade.
Segundo ele, o tema era mórbido demais. Insisti que isso iria causar o colapso funerário. Os estados precisavam saber com antecedência o que fazer nesses casos. Expliquei que não poderia mais haver velório, que teriam que ser usados dois sacos pretos para envolver o corpo, e que a recomendação seria conceder apenas duas horas para a família dar adeus com caixão lacrado.
Disse a ele que essas diretrizes precisavam ser determinadas com clareza, porque era um momento muito duro para as famílias. Mais tarde, transformei essas diretrizes em uma recomendação, que os estados prontamente adotaram em suas respectivas ordens do sistema funerário."
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“Atitude de Bolsonaro era de quem não queria ouvir”
“Na cabeça do Bolsonaro só morreriam pessoas com mais de oitenta anos, gente que já é doente, e tudo bem. Pessoas sadias não morrem e estávamos, segundo ele, parando tudo por causa de pessoas que já iriam morrer de qualquer maneira.
Algumas vezes tentei argumentar que não era bem assim, que se as pessoas entrassem todas ao mesmo tempo num hospital faltariam leitos e respiradores, e então “pessoas sadias” morreriam também. Para tentar sensibilizá-lo, eu o coloquei no exemplo.
‘O senhor, que tomou uma facada na barriga, chegou ao hospital e precisou de um leito de CTI. Se eles estivessem lotados com toda essa gente com coronavírus, o senhor não teria sido atendido, não haveria vaga no CTI. Então, um cara que tomar uma facada na barriga igual o senhor, não vai ter atendimento, ele vai morrer da facada na barriga.’
Tentei explicar num linguajar bem raso, porque se você falar em um linguajar normal ele não demonstra interesse, não dá atenção. Não era uma atitude de quem não entendia de um assunto, era simplesmente a atitude de quem não queria ouvir. E aquela minha postura, na cabeça dele, fazia parte do plano de desastre econômico dos governadores para prejudicá-lo.”
Algumas vezes tentei argumentar que não era bem assim, que se as pessoas entrassem todas ao mesmo tempo num hospital faltariam leitos e respiradores, e então “pessoas sadias” morreriam também. Para tentar sensibilizá-lo, eu o coloquei no exemplo.
‘O senhor, que tomou uma facada na barriga, chegou ao hospital e precisou de um leito de CTI. Se eles estivessem lotados com toda essa gente com coronavírus, o senhor não teria sido atendido, não haveria vaga no CTI. Então, um cara que tomar uma facada na barriga igual o senhor, não vai ter atendimento, ele vai morrer da facada na barriga.’
Tentei explicar num linguajar bem raso, porque se você falar em um linguajar normal ele não demonstra interesse, não dá atenção. Não era uma atitude de quem não entendia de um assunto, era simplesmente a atitude de quem não queria ouvir. E aquela minha postura, na cabeça dele, fazia parte do plano de desastre econômico dos governadores para prejudicá-lo.”
“Ninguém na reunião no Alvorada estava compreendendo a gravidade da situação”
“Cheguei às nove horas (para reunião no Palácio da Alvorada) e Bolsonaro logo comentou que tinha recebido o ministro Gilmar Mendes às oito para um café da manhã. Ele estava extremamente irritado porque o governador de São Paulo, João Doria, estava tomando conta do noticiário e ainda reclamou do Wilson Witzel, governador do Rio de Janeiro.
Para ele, a paralisação das atividades econômicas era um golpe dos governadores para inviabilizar seu governo e causar uma convulsão social. Esse seria, na cabeça dele, o motivo das medidas restritivas que estavam sendo adotadas, e ele não admitiria que fizessem isso. Aquele foi o seu recado antes de me ouvir.
A avaliação de Bolsonaro – sempre desprezando a gravidade da doença – era que, sem a atividade econômica, ele perderia o controle de qualquer tipo de condução do processo político do país. A crise que viria seria impossível de ser debelada, e ele se fixava na mesma argumentação de sempre: que o país veria o retorno do PT ao poder, que o grupo dele teria que se mudar do Brasil, e assim por diante.
Ele antevia quebra-quebras por causa da fome, invasão a supermercados, e que, para o governo não sobraria alternativa a não ser a repressão. ‘Eu vou ter que pôr o Exército para cima do povo’, dizia. ‘Povo com fome ninguém segura.’
Todos os ministros foram ao encontro, com exceção de Sergio Moro. Curiosa foi presença do general Heleno, que havia anunciado no dia 18 estar com a covid-19. Ou seja, não haviam transcorrido nem dez dias do diagnóstico, e a quarentena dura quatorze. (Coincidência ou não, dias depois o ministro Paulo Guedes foi para o Rio de Janeiro e se impôs dez dias de quarentena).
Usei esse fato para dizer que ninguém estava compreendendo a gravidade da situação. A própria presença do general Heleno significava que a segurança de todos estava comprometida, pois era um homem infectado, com idade avançada e que poderia transmitir o vírus par outros ali dentro. ‘Não sei quem está orientando vocês, mas se vocês estão achando que isso não é nada, se orientem, porque a situação é grave’, concluí.
Apresentei os números na tela, mas fiz uma cópia impressa de tudo, que entreguei nas mãos do presidente, na frente de todos os ministros, para que ele nunca dissesse que não tinha conhecimento dos fatos. Junto, anexei um documento em que pedia que ele acatasse as recomendações do Ministério da Saúde para que não ocorresse uma catástrofe.”
Para ele, a paralisação das atividades econômicas era um golpe dos governadores para inviabilizar seu governo e causar uma convulsão social. Esse seria, na cabeça dele, o motivo das medidas restritivas que estavam sendo adotadas, e ele não admitiria que fizessem isso. Aquele foi o seu recado antes de me ouvir.
A avaliação de Bolsonaro – sempre desprezando a gravidade da doença – era que, sem a atividade econômica, ele perderia o controle de qualquer tipo de condução do processo político do país. A crise que viria seria impossível de ser debelada, e ele se fixava na mesma argumentação de sempre: que o país veria o retorno do PT ao poder, que o grupo dele teria que se mudar do Brasil, e assim por diante.
Ele antevia quebra-quebras por causa da fome, invasão a supermercados, e que, para o governo não sobraria alternativa a não ser a repressão. ‘Eu vou ter que pôr o Exército para cima do povo’, dizia. ‘Povo com fome ninguém segura.’
Todos os ministros foram ao encontro, com exceção de Sergio Moro. Curiosa foi presença do general Heleno, que havia anunciado no dia 18 estar com a covid-19. Ou seja, não haviam transcorrido nem dez dias do diagnóstico, e a quarentena dura quatorze. (Coincidência ou não, dias depois o ministro Paulo Guedes foi para o Rio de Janeiro e se impôs dez dias de quarentena).
Usei esse fato para dizer que ninguém estava compreendendo a gravidade da situação. A própria presença do general Heleno significava que a segurança de todos estava comprometida, pois era um homem infectado, com idade avançada e que poderia transmitir o vírus par outros ali dentro. ‘Não sei quem está orientando vocês, mas se vocês estão achando que isso não é nada, se orientem, porque a situação é grave’, concluí.
Apresentei os números na tela, mas fiz uma cópia impressa de tudo, que entreguei nas mãos do presidente, na frente de todos os ministros, para que ele nunca dissesse que não tinha conhecimento dos fatos. Junto, anexei um documento em que pedia que ele acatasse as recomendações do Ministério da Saúde para que não ocorresse uma catástrofe.”