O decano do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, informou nesta sexta-feira (25) à Corte que vai deixar o tribunal em 13 de outubro, segundo o Estadão apurou. Relator do inquérito que investiga se o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal, o ministro completa 75 anos em 1º de novembro, quando se aposentaria de forma compulsória.
Na prática, a decisão de Mello antecipa o seu desligamento do STF em três semanas, abrindo a primeira vaga na Corte para indicação de Bolsonaro. Hoje, o favorito para a cadeira do decano é o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira.
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No cálculo político feito pelos aliados do presidente, é considerada decisiva na definição dos nomes a posição contrária dos postulantes ao cargo à chamada "pauta de costumes", como a descriminalização das drogas e do aborto.
Para o Palácio do Planalto, o STF possui atualmente um perfil "progressista", o que pode ser mudado agora.
Celso de Mello retornou ao trabalho nesta sexta-feira (25), após licença médica. O afastamento inicialmente estava previsto até sábado (26), mas foi encerrado na quinta.
Inquérito
A antecipação da aposentadoria compulsória de Celso de Mello, no início de novembro, reacendeu na Corte a discussão sobre quem deve assumir a relatoria do caso. Segundo o Estadão apurou, integrantes do STF se dividem sobre o tema.
"Ante a urgência de todo e qualquer inquérito, de todo e qualquer processo-crime, há de ser distribuído (a outro ministro). Não aceito simplesmente herdar", disse no último domingo Marco Aurélio Mello ao Estadão, ao defender um sorteio eletrônico para definir o novo relator do caso, após a saída de Celso de Mello.
"Sou substituto do ministro Celso de Mello, não pelo patronímico Mello, mas por antiguidade, enquanto ele integrar o tribunal. E não aceito designação a dedo. Mas, como os tempos são estranhos, tudo é possível."
Coube a Marco Aurélio decidir sobre o recurso de Bolsonaro para suspender o depoimento presencial por conta da licença médica do decano.
O regimento interno do STF prevê que, em caso de aposentadoria do relator, o processo é herdado pelo ministro que assume a vaga.
Dessa forma, o nome que vier a ser escolhido por Bolsonaro deve assumir o acervo de processos de Celso de Mello - o que abre margem para a insólita situação de um ministro indicado pelo chefe do Executivo assumir a relatoria de um inquérito que investiga o próprio presidente da República.
"Seria muito ruim que o presidente estivesse na posição de nomear o ministro ou ministra que assumiria a relatoria de um inquérito contra ele. Se essa situação acontecer, espero que o Senado questione o indicado ou indicada sobre isso e, idealmente, perguntaria se ele ou ela se comprometeria em se declarar sua suspeição e pedir a redistribuição caso isso ocorresse", avaliou o professor Thomaz Pereira, da FGV Direito Rio.
"Mas o melhor seria que o inquérito fosse redistribuído antes disso, para esse debate não dominar a conversa em torno da nomeação, ofuscando outros temas de grande importância."
Desgastes
Para o Palácio do Planalto, Celso de Mello se converteu em um militante político contra o governo. Desde que Bolsonaro assumiu a Presidência da República, o decano se tornou um dos principais contrapontos do chefe do Executivo no STF, com manifestações contundentes de repúdio ao que considera excessos cometidos pelo presidente - e de defesa da democracia.
Celso já disse que Bolsonaro "degrada" o Parlamento e "minimiza perigosamente" a importância da Constituição, e criticou a fala do presidente de indicar um nome "terrivelmente evangélico" para a Corte.
Entre as decisões do STF que contrariaram o Planalto ao longo dos últimos meses, estão a suspensão da nomeação de Alexandre Ramagem para a chefia da PF, a autonomia para Estados e municípios tomarem medidas para enfrentar a pandemia, a criminalização da homofobia, a manutenção da demarcação de terras indígenas com a Funai e a proibição de extinguir conselhos criados por lei.
Ainda aguardam julgamento na Corte ações caras à pauta de costumes, como a descriminalização da maconha (julgamento marcado para o ano passado, mas adiado sem definição) e do aborto, além da reforma da Previdência.
"Tenho convicção de que o presidente Bolsonaro escolherá uma pessoa conservadora nos costumes e que vai praticar a retidão da Justiça estabelecida na nossa Constituição", disse o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), da bancada evangélica, uma das bases de sustentação do presidente no Congresso.
Nos bastidores, o nome do juiz federal William Douglas, de Niterói, é visto com bons olhos por parte dos evangélicos, mas ele divide a torcida com o ministro da Justiça, André Mendonça, que é presbiteriano. Não há um consenso entre os parlamentares.