Em 106 dos 5.568 municípios brasileiros, apenas um candidato concorre à prefeitura nas eleições deste ano. Nessa condição, estão 17 cidades de Minas Gerais, ou seja, nem sequer 2% dos 853 municípios do estado. Uma delas é Itinga, de 15,02 mil habitantes, no Vale do Jequitinhonha, que chama a atenção não somente por haver um único postulante a prefeito, mas por causa da demonstração das reviravoltas ocorridas na política e, neste caso, envolvendo o Partido dos Trabalhadores (PT) e a figura do seu principal líder, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 2020, o PT está fora da disputa municipal em Itinga. A ausência do partido na eleição é um contraste com a força eleitoral dos petistas na política local, alimentada por influência do próprio Lula. Em 11 de janeiro de 2003, espremidos nas calçadas, moradores da cidade soltaram fogos e fizeram festa. O motivo era a presença do então recém-empossado presidente Lula, que escolheu Itinga com um dos pontos de lançamento do Programa Fome Zero. O líder petista prometeu e voltou ao município em março de 2004 para inaugurar uma ponte sobre o rio Jequitinhonha, que divide a cidade. Foi novamente recebido com festa.
Apesar de um histórico de força eleitoral na cidade, com vários mandatos petistas e da ligação com Lula, neste ano, o PT não tem sequer candidato a vereador em Itinga. O único candidato a prefeito de Itinga nas eleições deste ano é o advogado João Bosco Cordeiro (PP), o Bosquinho. Ele tem como candidata a vice a pedagoga Silmária Silva (SD), que foi a principal concorrente à prefeitura da oposição nas eleições municipais de 2012 e 2016.
Bosquinho encabeça a coligação Unidos por Itinga, que reúne o PP, PSC, PC do B, PV, Avante e o SD. O acordo para o lançamento da candidatura única foi costurado pelo atual prefeito da cidade, Adhemar Marcos Filho (PSDB), que está em seu segundo mandato seguido.
Adhemar alega que a crise da pandemia do coronavírus (COVID-19) tenha contribuído para a formalização do acordo entre situação e oposição no município, que viabilizou a candidata única à sucessão municipal. “Com essa pandemia, sentimos a necessidade de união porque ainda não sabemos quais serão as sequelas (da crise) que teremos pela frente”, afirmou o chefe do Executivo.
O prefeito disse que partiu dele a iniciativa de conversar com os opositores em busca do acordo. ”Procuramos o grupo mais forte da oposição. Deixamos as divergências de lado e procuramos seguir aqueles pontos que nos convergem, que são o progresso de Itinga e o cuidado com o patrimônio público. A oposição reconheceu isso e entendeu que o momento é de união”, afirma Adhemar Filho.
No entanto, o prefeito reconhece que não houve unanimidade entre todos os seus adversários em torno da proposta de união. “Fiquei sabendo que algumas pessoas da oposição tentaram formar uma outra chapa, mas não houve clamor popular”, argumenta.
Em situação semelhante àquela da maioria dos municípios do Vale do Jequinhonha, que sofrem com a pobreza histórica, Itinga tem cerca de 3 mil moradores cadastrados no programa Bolsa-Familia, segundo a prefeitura local. Considerando-se 3 indivíduos por grupo familiar, em Itinga, o dinheiro sagrado do programa de transferência de renda chega a pelo menos 9 mil moradores, o correspondente a 60% da população do município.
Adhemar Filho diz acreditar que os programas de transferência do governo federal já não têm o mesmo eleitorado do passado. “O povo está mais maduro. As pessoas saberem separar as eleições municipais do governo federal”, opina.
A candidata a vice na chapa única para a disputa da prefeitura de Itinga, Silmária Silva, conta que, desde 2017, após concorrer à prefeitura por duas vezes, comunicou aos seus correligionários que deixaria a política para se dedicar à vida profissional. Mas acabou aceitando a candidatura a vice, em atendimento ao convite do atual prefeito da cidade.
“A união demonstra um amadurecimento político, em que a vaidade não predomina e sim o bem-estar de nossa população. Acredito em uma gestão humanizada e contemporânea”, comenta Silmária. O EM tentou contato com o candidato a prefeito de Itinga, Bosquinho, mas ele não atendeu à reportagem até o fechamento desta edição, argumentando que estava em campanha.
Vizinhança Enquanto está totalmente ausente da eleição deste ano 2020 em Itinga, o PT disputa várias prefeituras do Vale do Jequitinhonha. Na vizinha Araçuaí, a petista Maria do Carmo Ferreira Silva, a Cacá, quer retornar à prefeitura, que já administrou por dois mandatos (entre 1997 e 2004). Cacá tem ligações com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e no governo dele exerceu o cargo de secretária especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
Ainda no Vale do Jequitinhonha, o Partido dos Trabalhadores também tenta voltar ao comando de Carbonita, que já administrou por três mandatos, pelas mãos do ex-prefeito Marcos Lemos, o Marquinho. Atualmente, ele é deputado estadual. Outras cidades próximas de Itinga nas quais o PT tem candidaturas próprias à prefeitura são Itaobim (Maflávia Ferreira), Francisco Badaró (Reginaldo Martins) e Virgem da Lapa (Averaldo Martins, o Dim).
PT perdeu aliados para 2020
A principal liderança do PT em Itinga, a ex-vereadora e técnica em enfermagem Estela Gomes da Silva, nega o enfraquecimento da sigla na cidade. Ela alega que o partido não conseguiu formalizar chapa para a disputa da prefeitura devido à falta de acordo da oposição no município.
A petista foi candidata a prefeita de Itinga, pelo PT, em 2012 e 2016. A ex-vereadora disse que tentou o entendimento em que ela seria novamente candidata a prefeita e Charles Azevedo seria seu companheiro de chapa. “Mas ele (Charles) só queria ser cabeça de chapa. Ele não aceitou ser candidato a vice. Por isso não houve acordo”, relatou a ex-vereadora.
Estela justifica que a sigla não lançou candidaturas à Câmara Municipal porque as pessoas que eram pré-candidatas a vereador pelo PT foram assediadas por outros partidos antes da convenção. “A gente iria formar a chapa de candidatos a vereador. Quando assustamos, nossos pré-candidatos já estavam filiados a outros partidos”, descreve. Ela recorda o bom desempenho de candidatos petistas na cidade nas eleições de 2018 e garante que o feito vai se repetir daqui a dois anos. “Seja quem for o candidato a presidente do PT em 2022, ele vai ter mais votos em Itinga. Aqui não é questão de nome. É a sigla mesmo que é forte”, afirma.
O ex-prefeito Charles Azevedo, o Charlão, que administrou a cidade por três mandatos (1997/2000 e de 2005/2012), deixou o PT em 2011 e, hoje, está filiado ao Podemos. Charlão disse apenas que abandonou o PT por “questões internas no partido” e não quis falar mais detalhes sobre o assunto. “Não vou emitir opiniões. Senão, podem dizer que sou mal-agradecido”, afirmou o ex-prefeito, lembrando que tinha uma boa relação com a direção nacional do PT e com o próprio Lula.
O ex-petista informou que quando comandava a prefeitura e o ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva estava na Presidência da República, foi várias vezes a Brasília em busca de projetos e recursos para Itinga. “O Lula tinha um carinho muito grande por Itinga, que era emblemática e tinha um simbolismo para ele”, acrescentou. Charles Azevedo lamentou que tenha sido registrada apenas uma candidatura à Prefeitura de Itinga para o pleito deste ano. “Para mim, isso (a candidatura única) é um assassinato da democracia”, disparou.
A relação de Lula com Itinga é antiga. Em 1993, na Caravana da Cidadania, quando ele reconstituiu a viagem de pau de arara que o levou de Caetés (PE) a São Paulo, passou pela cidade. Lula visitou a moradora Teresa Fernandes Pessoa e ficou impressionado com a pobreza enfrentada por ela, que criou 12 filhos em um cubículo – dona Teresa faleceu em 2019, de câncer no esôfago, aos 64 anos.
Depois de deixar a Presidência, em outubro de 2017, em outra caravana pelo interior do país, Lula fez nova viagem a Itinga, onde, mais uma vez, foi recebido com festa. Antes de o partido chegar à Presidência da República (2002), o PT já tinha administrado a Prefeitura de Itinga por dois mandatos (de 1993/ 2000). Devido ao apreço de Lula pela cidade e da escolha do município como “berço” do Fome Zero, o partido se fortaleceu em Itinga, onde comandou a prefeitura por mais dois mandatos (2005/2012), com candidatos da sigla saindo em vantagem na cidade nas eleições para deputado (estadual e federal), senador, governador e presidente.
A reportagem entrou em contato com a assessoria do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a resposta foi que ele prefere “não comentar situação local (de Itinga)”.