Depois, seu nome será submetido à votação no plenário da Casa, onde precisa de ao menos 41 votos dos 81 senadores para ingressar na mais alta Corte do país.
A expectativa é que seja aprovado com folga, já que sua nomeação conta com apoio do Centrão (grupo que inclui partidos grandes, como PP, PL, Republicanos, MDB, PSD e DEM) e mesmo de parlamentares da oposição, como os senadores petistas — Nunes, que é piauiense, tem boa relação com Wellington Dias (PT), governador do Piauí.
O senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da indicação, divulgou na semana passada um relatório favorável a Nunes, avaliando que ele tem notável saber jurídico e reputação ilibada, os dois requisitos constitucionais para ingressar no Supremo.
Apesar disso, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) deve enfrentar questionamentos duros por parte do movimento Muda Senado, grupo de cerca de 15 senadores com discurso centrado no combate à corrupção que vê no indicado de Bolsonaro um potencial adversário da operação Lava Jato no Supremo.
Além dessas suspeitas, Nunes terá que responder sobre plágio em sua dissertação de mestrado, informações incorretas no seu currículo acadêmico e o apoio à sua indicação pelo senador Flávio Bolsonaro (RJ-Republicanos), filho do presidente e investigado por desvio de dinheiro público.
A sabatina começa às 8h na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e tende a se alongar por horas: os senadores terão, cada um, dez minutos para formular seus questionamentos, e Kassio poderá usar o mesmo tempo para responder. Haverá ainda a possibilidade de réplica e tréplica, de cinco minutos cada. A depender da duração do interrogatório, a votação no plenário ocorrerá na quarta ou quinta-feira.
É raríssimo um indicado ao STF ser barrado no Senado — aconteceu apenas cinco vezes, todas em 1894, no governo do marechal Floriano Peixoto. Isso não significa que a Casa não tenha um papel na escolha dos indicados. O Presidente da República costuma, antes de anunciar o escolhido, sondar os líderes no Senado sobre a aceitação do nome.
Esse filtro impediu, por exemplo, que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicasse políticos do PT com formação jurídica, como o ex-ministro da Educação Tarso Genro e o ex-deputado federal Luiz Eduardo Greenhalgh, em 2006, época do escândalo do Mensalão.
Entenda melhor a seguir algumas das polêmicas em torno da indicação de Nunes para substituir Celso de Mello, ministro que se aposentou do STF.
Proximidade com Bolsonaro, seu filho Flávio e o advogado Wassef
Embora um jurista só chegue ao STF por nomeação do Presidente da República, a Constituição garante as condições para que o ministro atue com independência, já que só pode ser removido do cargo após um processo de impeachment pelo Senado — algo que nunca ocorreu no Brasil.
Apesar dessa garantia, tem causado desconforto entre alguns senadores a aparente proximidade entre Nunes e Bolsonaro, algo que o próprio presidente vem alardeando publicamente nas últimas semanas.
"Conheço ele já há algum tempo. Já tomou muita tubaína comigo. A questão de família, ele é católico, é família. E tenho certeza que vocês vão gostar do trabalho no Supremo Tribunal Federal", disse Bolsonaro em transmissão pelo Facebook no início do mês.
Para Eduardo Girão (Podemos-CE), um dos senadores do Muda Senado, a indicação parece visar proteger a família presidencial no STF.
"É indefensável esta indicação, que tem as digitais, sim, do Centrão, que representa realmente essa política da troca de favores, de barganha, que está sempre ao lado do poder. Então parece que outros interesses estão motivando isso tudo, não sei se para proteger familiares... Há alguma coisa nesse sentido", disse, em pronunciamento no Senado.
Além das declarações do presidente, alimentam desconfiança sobre o indicado notícias de que sua escolha teria sido impulsionada pelo apoio do filho mais velho do presidente, senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e de seu ex-advogado, Frederick Wassef.
O senador é investigado por desvio de recursos do seu antigo gabinete de deputado estadual no Rio de Janeiro, enquanto Wassef deixou sua defesa depois que a polícia encontrou Fabrício Queiroz (acusado de operar o esquema de "rachadinha") abrigado em uma casa sua no interior de São Paulo.
A expectativa é que Nunes repita o que respondeu privadamente a senadores nas últimas semanas, em encontros para pedir votos: que se aproximou do presidente Bolsonaro e de seu entorno desde o ano passado, quando iniciou campanha para tentar ser indicado a uma vaga no Superior Tribunal de Justiça (STJ), movimentação que acabou lhe rendendo a escolha para o STF.
Plágio acadêmico e inconsistências no currículo
Senadores críticos da indicação também questionarão Nunes sobre as acusações de plágio em sua dissertação de mestrado e o fato de ter turbinado seu currículo acadêmico com dois cursos de "pós-doutorado", embora fossem apenas formações de curta duração.
Nunes obteve o título de mestre em 2015 na Universidade Autônoma de Lisboa, em Portugal, com a dissertação "Concretização Judicial do Direito à Saúde: um contributo à sua efetivação no Brasil a partir das experiências jurisprudenciais no Direito Comparado e nas matrizes teóricas portuguesas".
Conforme revelado pelo jornal O Globo, o trabalho tem ao menos três trechos idênticos a artigos publicados em 2011 por um outro autor, Saul Tourinho Leal, sobre o mesmo tema, o direito à saúde. A reprodução, inclusive, mantém erros ortográficos.
Na segunda-feira (10/10), o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) apresentou um voto em separado pela rejeição da indicação de Nunes, citando a acusação de plágio e argumentando que a dissertação está sendo reavaliada pela universidade.
"Que responsabilidade não terá o Senado da República se vier a chancelar a indicação de um postulante cuja possível perda do título de mestre obtido em Portugal certamente viria a importar em grande desprestígio para a Corte que integraria. Nesse sentido, qual não seria ainda a deletéria mensagem que o Senado enviaria a todos os acadêmicos do país que levam a sério suas atividades de pesquisa", argumentou.
Tourinho Leal, por sua vez, defendeu Nunes. Por meio de nota, disse que "os artigos acadêmicos citados na referida reportagem (do jornal O Globo) são frutos de debates, discussões e troca de informações acadêmicas que, em conjunto com o desembargador Kassio Marques, constituíram um acervo doutrinário comum para ser utilizado na produção acadêmica de ambos".
Ele também argumentou que não houve plágio porque seus artigos e a dissertação de Nunes defendem linhas opostas. "No presente caso, as ideias expostas na dissertação do desembargador Kassio Marques são de sua autoria, até porque temos linhas doutrinárias absolutamente divergentes, guardando em comum tão somente parte do acervo pesquisado, fruto do esforço mútuo dos autores", argumentou.
Em seu relatório a favor de Nunes, o senador Eduardo Braga também minimizou as acusações. "O equilíbrio entre reflexão teórica e práxis forense tem sido a nota de destaque na biografia do indicado. Sem pretensões academicistas, aprofundou seus estudos com o objetivo de incrementar a própria atuação jurisdicional. E obteve êxito. Prova disso é a quantidade de decisões bem fundamentadas de alto impacto econômico e social que exarou nos nove anos em que atua no Tribunal Regional Federal da 1ª Região", escreveu o relator.
Lava Jato, foro privilegiado e prisão após condenação em segunda instância
Antes de anunciar oficialmente a indicação de Nunes ao STF, Bolsonaro quis primeiro apresentá-lo a dois ministros da Corte: Gilmar Mendes e Dias Toffoli, justamente os dois duros críticos do que consideram excessos da Operação Lava Jato.
A apresentação ocorreu em uma reunião informal na casa de Mendes no final de setembro, com a presença do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). No sábado seguinte (03/10), foi a vez de Toffoli receber em sua casa Nunes e Bolsonaro para uma confraternização com outros políticos, quando assistiram a um jogo de futebol e comeram pizza.
Essa proximidade logo levantou questionamentos sobre se Nunes se alinharia aos dois ministros nos votos contrários a interesses da Lava Jato, como a restrição das possibilidades de prisão após condenação em segunda instância.
"Qual vai ser o posicionamento do futuro ministro do STF, Kassio Nunes, com relação ao foro privilegiado, combate à corrupção e prisão em segunda instância?", questionou no Twitter o senador Major Olímpio, ao divulgar um pronunciamento crítico ao encontro de Bolsonaro e Nunes com os dois ministros do STF.
No caso da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, a expectativa é que Nunes "jogue a bola" para o Congresso, dizendo que respeitará o que os parlamentares decidirem sobre a questão.
Alguns senadores e deputados querem que o Parlamento aprove uma emenda à Constituição Federal autorizando o cumprimento da pena antes do trânsito em julgado (quando se esgotam os recursos judiciais).
Já no caso do foro privilegiado, não está claro qual será o posicionamento de Nunes. O assunto é de interesse direto da família presidencial. Embora o STF tenha em 2018 decidido que o foro especial seria garantido aos parlamentares apenas quando o crime investigado tivesse relação com o atual mandato político, a defesa de Flávio Bolsonaro conseguiu que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) mantivesse seu antigo foro de deputado estadual na investigação da "rachadinha".
O STF, agora, deve julgar uma ação e um recurso que questionam essa decisão do TJ-RJ. Kassio Nunes, caso aprovado para o STF, deve compor a Segunda Turma do Supremo, órgão que vai analisar o recurso do Ministério Público. Além disso, ele deve herdar de Celso de Mello a relatoria de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela Rede que também questiona o foro especial concedido ao filho do presidente.
Apesar de enfrentar acusações de estar em uma aliança contra a Lava Jato, Nunes pode conquistar apoio até de defensores da operação, como o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).
O fato de ele ter atuado por quinze anos como advogado e ser desembargador desde 2011 conta a seu favor — havia um receio de parte dos senadores de que Bolsonaro poderia escolher para o STF seu amigo de longa data, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, que tem um currículo jurídico modesto. Mas ele acabou indicado para o Tribunal de Contas da União (TCU).
"Tem um ponto a favor de Nunes, que é ele vir de uma carreira jurídica. Confesso que diante das expectativas de tínhamos, de vir alguém com posições extravagantes e sem conteúdo no meio jurídico, esta é uma surpresa que pontua para ele", disse Randolfe, em entrevista recente à CNN Brasil.
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