A votação foi secreta, mas Nunes recebeu publicamente apoio de senadores do Centrão (grupo que inclui partidos grandes, como PP, PL, Republicanos, MDB, PSD e DEM) e de petistas — Nunes, que é piauiense, tem boa relação com Wellington Dias (PT), governador do Piauí.
Ela será o único integrante da Corte nordestino na atual composição, e poderá ser ministro até 2047, quando completa 75 anos, idade limite para se aposentar.
O STF ainda marcará a data da posse, o que costuma ocorrer algumas semanas após a aprovação.
A escolha de Nunes desagradou a base mais fiel de Bolsonaro, que esperava a indicação de um ministro mais alinhado a pautas conservadoras. Também foi criticada pelos apoiadores da operação Lava Jato, que queriam um nome mais duro no julgamento de processos criminais.
Ao ser sabatinado por cerca de dez horas pelos senadores, Nunes se definiu como "garantista", um magistrado que busca garantir os direitos dos investigados previstos em lei. Ele defendeu o combate à corrupção e disse não ter nada contra operações como a Lava Jato, mas ressaltou "a competência do Judiciário para promover ajustes, se pontualmente houver descumprimento da lei e da Constituição", seja pelo Ministério Público, a polícia ou o juiz do caso.
Entenda a seguir o que chegada de Kassio Nunes representa para casos delicados em tramitação no Supremo envolvendo o presidente Jair Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Investigação contra o presidente Bolsonaro
Kassio Nunes chega ao STF para substituir o ministro Celso de Mello, que se aposentou em 13 de outubro. Por isso, ele vai herdar os processos e investigações que eram relatados pelo ministro aposentado.
No entanto, haverá ao menos uma exceção. Ele não será o novo relator do inquérito que apura se o presidente Bolsonaro interveio na Polícia Federal para proteger interesses pessoais e de sua família. Essa investigação foi iniciada em abril, quando o então ministro da Justiça, Sergio Moro, se demitiu do cargo e acusou presidente de querer colocar uma pessoa de sua confiança para chefiar a Polícia Federal.
Na relatoria do caso, Celso de Mello tomou decisões que desagradaram Bolsonaro, como liberar a gravação de uma reunião ministerial em que o presidente reclamava da falta de informações recebidas da PF.
Na terça-feira, o presidente do STF, Luiz Fux, determinou que o inquérito fosse sorteado entre ministros da Corte, evitando que o caso ficasse com Nunes. O relator sorteado foi o ministro Alexandre de Moraes, que já tomou também decisões contrárias ao interesse do Palácio do Planalto, como a prisão de apoiadores do governo, em outros inquéritos, que apuram a disseminação de notícias falsas e a realização de atos antidemocráticos.
A justificativa para sortear novamente a relatoria foi que a investigação contra o presidente não poderia ficar parada até a posse do novo ministro. Por trás disso, porém, estava a preocupação de que um ministro indicado pelo presidente assumisse o caso, gerando algum tipo de desconfiança sobre a investigação.
Para esse inquérito ser concluído, falta a PGR colher o depoimento do presidente. O STF, porém, ainda vai decidir se Bolsonaro terá que depor presencialmente, o se poderá responder aos questionamentos por escrito.
Depois disso, o procurador-geral da República, Augusto Aras, decidirá se apresenta ou não uma denúncia contro presidente.
Ação contra foro privilegiado para Flávio Bolsonaro
Embora o inquérito contra o presidente tenha ficado longe das mãos de Nunes, ele vai herdar outro caso de interesse da família presidencial. O ministro será o novo relator de uma ação apresentada pelo partido Rede Sustentabilidade que questiona o foro privilegiado garantido ao senador Flávio Bolsonaro na investigação da "rachadinha" — possível esquema de desvio de recursos do seu antigo gabinete de deputado estadual pelo Rio de Janeiro.
Em 2018, o STF restringiu o foro especial apenas aos crimes investigados que tenham relação com o atual mandato do suspeito. No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) aceitou um recurso do senador de Flávio Bolsonaro para que, no caso da "rachadinha", fosse mantido seu foro de deputado estadual, o que tirou a investigação da primeira instância judicial e passou para o próprio TJ.
Kassio Nunes foi questionado na sabatina do Senado sobre sua opinião quanto ao foro privilegiado e respondeu que a restrição determinada pelo STF em 2018 "já é uma avanço", resposta que sinaliza para uma posição contrário ao interesse da Flávio Bolsonaro.
Seu principal papel como relator, porém, será sobre a velocidade com que essa ação será julgada. O caso só poderá ser pautado para julgamento pelo presidente Luiz Fux após Nunes formular seu voto e liberar a ação.
Além disso, há um recursos do Ministério Público contra o foro concedido a Flávio Bolsonaro aguardando julgamento na Segunda Turma do STF, colegiado formado por cinco ministros da Corte, onde Kassio Nunes também vai substituir Celso de Mello.
Recursos de Lula contra Moro dentro da Lava Jato
Como integrante da Segunda Turma do STF, Kassio Nunes será determinante no julgamento de um recurso apresentado por Lula que pede que o STF declare a suspeição do ex-juiz Sergio Moro.
O caso foi paralisado no final de 2018 por um pedido de vista de Gilmar Mendes. Antes disso, os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram contra o pedido do petista. Por outro lado, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski já sinalizaram que votarão a favor de Lula.
Caso a maioria da Segunda Turma aceite o recurso do ex-presidente, todos os processos contra ele que foram conduzidos e julgados por Moro poderão ser anulados, o que devolveria a Lula a possibilidade de disputar eleições.
Não é possível, porém, cravar qual será o voto de Nunes. Em sua fala inicial na sabatina do Senado, ele afirmou que o combate à corrupção é um "ideário essencial para que se consolide a democracia no país", mas ponderou que "não pode se concentrar neste ou naquele indivíduo, nesta ou naquela instituição".
Quando questionado por senadores sobre a Lava Jato, ele disse que não tem "nada contra qualquer operação", mas ressaltou "a competência do Judiciário para promover ajustes, se pontualmente houver descumprimento da lei e da Constituição", seja pelo Ministério Público, a polícia ou o juiz do caso.
O novo ministros também se definiu como um "magistrado garantista", o que pode situá-lo mais próximo de Gilmar Mendes e Lewandowski.
No entanto, Nunes enfatizou que ser garantista, na sua visão, significa buscar "garantir direitos aplicando as leis e a Constituição". Segundo ele, "o garantismo deve ser exaltado, porque todos os brasileiros merecem o direito de defesa".
Senadores também questionaram Nunes sobre sua posição sobre a possibilidade de prisão após segunda instância, que foi restringida por um julgamento apertada do STF no ano passado.
O novo ministro defendeu que essa prisão não deve ser automática, mas fundamentada em cada caso. Ele disse que o Judiciário deve analisar, por exemplo, se o condenado é um criminoso habitual ou um "pai de família" que se envolveu eventualmente em um crime.
Ele ressaltou, porém, que a discussão agora cabe ao Congresso. Alguns parlamentares querem aprovar uma emenda à Constituição permitindo a prisão antes do trânsito em julgado, ou seja, do esgotamento de todos os recursos.
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