Brasília – Depois da grande repercussão negativa, o presidente Jair Bolsonaro anunciou no fim da tarde de ontem a revogação do Decreto 10.530, que incluía as unidades básicas de saúde (UBS) no programa de privatização do governo federal. O decreto havia sido publicado no Diário Oficial a União (DOU) de terça-feira e autorizava estudos junto ao Programa de Parcerias de Investimentos da Presidência da República (PPI) “para a construção, a modernização e a operação” das unidades. Em mensagem nas redes sociais, Bolsonaro negou que a medida alterasse o caráter público do Sistema Único de Saúde (SUS). “O espírito do Decreto 10.530, já revogado, visava o término dessas obras, bem como permitir aos usuários buscar a rede privada com despesas pagas pela União. A simples leitura do decreto em momento algum sinalizava para a privatização do SUS”, escreveu o presidente.
Bolsonaro disse que “em havendo entendimento futuro dos benefícios propostos pelo decreto, o mesmo poderá ser reeditado.” Conforme números apresentados pelo presidente, o Brasil tem mais de 4 mil UBS e 168 unidades de pronto- atendimento (UPA) inacabadas e “faltam recursos financeiros para conclusão das obras, aquisição de equipamentos e contratação de pessoal”. Ao longo do dia, o Ministério da Economia divulgou nota confirmando que o decreto poderia ser um passo inicial para a implementação de parcerias público-privadas e frisando que o foco inicial é apenas o levantamento das informações. No fim da tarde, o Ministério da Saúde, que não assina o decreto, divulgou nota afirmando que a decisão de incluir as UBSs no PPI foi tomada após um pedido que partiu do próprio órgão, com o apoio do Ministério da Economia.
A pasta da Saúde garantiu que os serviços seguiriam 100% gratuitos para a população e afirmou que “a avaliação conjunta é de que é preciso incentivar a participação da iniciativa privada no sistema para elevar a qualidade do serviço prestado ao cidadão, racionalizar custos, introduzir mecanismos de remuneração por desempenho, novos critérios de escala e redes integradas de atenção à saúde em um novo modelo de atendimento”.
A secretária especial do PPI, Martha Seillier, afirmou que eventuais parcerias para privatização de UBS não mexeriam no caráter do SUS, que continuaria público e gratuito. “O SUS é um sistema de saúde público. Estamos falando de uma parceria para manter esse sistema público e gratuito para 100% da população, não tem nenhuma alteração em relação a isso. O que tem é uma vontade muito grande de usar as melhores práticas de atração de investimentos privados para prestar serviços melhores à nossa população”, disse ela em entrevista à CNN Brasil.
MUITAS CRÍTICAS
O decreto, assinado por Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, causou ampla reação negativa. O presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, fez críticas ao presidente e à equipe econômica. Ele afirmou que o conselho não aceitará que Bolsonaro imponha suas próprias regras no SUS. “Nós, do Conselho Nacional de Saúde, não aceitaremos a arbitrariedade do presidente da República. Estamos encaminhando para nossa Câmara Técnica da Atenção Básica (CTAB) fazer avaliação mais aprofundada para tomar medidas cabíveis”, disse em vídeo gravado e postado nas redes sociais do conselho.
O presidente da entidade ainda lembrou o papel desempenhado pelo SUS na pandemia da COVID-19. O sistema público tem sido apontado por especialistas como a razão de os impactos do novo coronavírus não terem sido ainda maiores no país. “Neste momento, o que precisamos é fortalecer o Sistema Único de Saúde. Esse sistema que tem salvado vidas. Estamos nos posicionando, perante toda a população brasileira, como sempre nos posicionamos contra qualquer tipo de privatização, retirada de direitos e fragilização do SUS”, afirmou Fernando Pigatto. “Continuaremos defendendo a vida, defendendo o SUS, defendendo a democracia”, completou.
Deputados e senadores do PT, PCdoB, PSB, Rede e PSL apresentaram projetos de decreto legislativo (PDL) para suspender o decreto de Bolsonaro. Líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (PT-SE) afirmou que a ação do presidente é um primeiro passo “rumo à privatização da gestão da atenção básica”, algo que, segundo ele, seria “um crime contra o cidadão e seu direito à saúde”. “Vai aumentar ainda mais as filas e piorar o acolhimento e atendimento aos hipertensos, diabéticos, e todos que precisam do Sistema Único de Saúde (SUS)”, disse. Ele informou que entraria com um PDL contra o decreto.
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), junto com os colegas de partido Alice Portugal (BA) e Márcio Jerry (MA), apresentou um PDL para sustar os efeitos do decreto. A deputada Maria do Rosário (PT-RS) também fez o mesmo. “É um golpe profundo no SUS. Como você vai entregar, permitir que os gestores, de forma autônoma, entreguem ao mercado as unidades de saúde da família para que se possa fazer terceirização?”, ressalta. A parlamentar questiona, ainda, a posição do Ministério da Saúde, visto que o ministro Eduardo Pazuello não assina o decreto.
Jandira afirma que estão sendo estudadas outras medidas judiciais contra a publicação do presidente. “A Constituição Federal é muito clara: o SUS é único, público e universal. Mesmo onde há as OSs, o comando é público”, disse. Também apresentaram PDL contra o decreto os deputados Denis Bezerra (PSB-CE), Rubens Bueno (Cidadania-PR), e a bancada do Psol na Câmara. Cabe ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pautar o assunto.
O deputado Bozzella (PSL-SP), vice-presidente nacional da legenda, usou as redes sociais para criticar a medida. “Depois do meio ambiente, o governo Bolsonaro vai dando sinais de que agora é a vez de tentar 'passar a boiada' na saúde. Privatizar o Sistema Único de Saúde, @jairbolsonaro? Isso é direito constitucional do povo brasileiro. Bandeira do Brasil!”, escreveu. Ele apresentou um PDL para suspender o decreto.
Líder da minoria no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) também se manifestou pelo Twitter, afirmando que a medida do presidente “é um primeiro passo rumo à privatização da gestão da atenção básica”. “Isso é um absurdo, especialmente agora, quando o SUS é a principal ferramenta de combate à pandemia, principalmente para as pessoas mais necessitadas! Iremos apresentar um PDL para sustar esse decreto”, escreveu.