Reduzir a desigualdade social. Essa é prioridade da deputada federal Áurea Carolina, candidata do Psol à Prefeitura de Belo Horizonte, conforme ela afirma nesta entrevista aos Diários Associados (Estado de Minas, TV Alterosa e Portal Uai).
Oficialmente na vida política desde 2016, quando foi a vereadora mais votada da capital, a parlamentar deixou a Câmara Municipal para ir para conquistar mandato na Câmara Federal em 2018. Novamente, teve números expressivos, sendo a mulher mais votada em Minas para deputada federal.
O caminho para reduzir a desigualdade socioeconômica passa pela priorização de políticas públicas voltadas da periferia para o centro. “Em todas as regionais existem áreas muito empobrecidas.
Até na Centro-Sul, a mais rica, há várias favelas, fruto do processo histórico de expulsão das populações originárias de BH, quando foi fundado o Arraial del Rei”, afirma a candidata.
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Até na Centro-Sul, a mais rica, há várias favelas, fruto do processo histórico de expulsão das populações originárias de BH, quando foi fundado o Arraial del Rei”, afirma a candidata.
Quais serão as suas prioridades para a capital mineira, se for eleita?
Nossa candidatura tem como prioridade enfrentar a desigualdade socioeconômica em Belo Horizonte, para promover uma cidade justa, acolhedora, saudável e sustentável para todo mundo. sem deixar ninguém para trás. Para isso, a gente propõe políticas públicas que vão priorizar, da periferia para o centro, essa correção histórica que é necessária para todos terem dignidade e viver bem em BH.
Quais as regiões de BH que precisam de mais atenção e mais ações da prefeitura?
Em todas as regionais existem áreas muito empobrecidas. Até na Centro-Sul, a mais rica, há várias favelas, fruto do processo histórico de expulsão das populações originárias de BH, quando foi fundado o Arraial del Rei, na origem da capital planejada. As regionais mais afastadas, Barreiro, Venda Nova, são cidades que têm histórias anteriores à fundação de BH. Ali, há concentração de vários problemas. Pensamos em construir uma política de orçamento igualitário para a cidade, com participação popular. Para isso, temos que equilibrar a balança do orçamento público, que é direito de todo mundo. E participação popular é um critério, porque a prefeitura não pode tirar as coisas da cabeça e impor o que acha a melhor solução. Temos que ouvir as pessoas, conhecer as necessidades e junto com elas construir soluções.
Quais foram os erros e acertos da gestão do prefeito Alexandre Kalil?
A gestão do Kalil tem a característica de ser mais ou menos. Usando um termo popular, uma gestão meia boca. Não representou um retrocesso terrível como vemos no governo federal, Bolsonaro destruindo direitos sociais numa velocidade assustadora, mas também não avançou o quanto seria preciso. Não enfrentou as grandes contradições da nossa cidade. Não mexeu nos contratos dos ônibus, a famosa caixa-preta da BHTrans, como prometeu. Não teve coragem de enfrentar os interesses dos grandes empresários que controlam essa política em BH. É preciso admitir que Kalil teve uma postura correta na pandemia em se basear numa orientação técnica, científica, sobre as medidas sanitárias. Segurou o isolamento social por um tempo considerável e isso fez com que as taxas de contágio e de morte, comparativamente com outras grandes capitais, fossem menores. Isso é resultado de uma política pública. Por outro lado, foi insuficiente a resposta no setor econômico, de apoio pequenos aos comerciantes, pequenos empreendedores, que foram extremamente prejudicados na pandemia. Outro acerto foi a aprovação do plano diretor, numa articulação com a Câmara Municipal. Sabemos que a base do Kalil na Câmara é muito contraditória. Há uma facção fundamentalista, bolsonarista, que apoia a gestão do Kalil e é preciso denunciar isso.
O candidato Bruno Engler disse exatamente o contrário. Tanto o plano diretor quanto a condução da pandemia por Kalil foram muito criticados por ele. O que está por trás dessa divergência de visões?
O fato de o governo Kalil ser de centro faz com que muitas contradições e muitos interesses sejam compatibilizados de maneira instável e problemática. Algumas áreas conseguem ter uma agenda mais progressista de proteção social, mesmo com muitos limites. Por exemplo, na política educacional, a expansão de vagas na educação infantil veio com o empobrecimento dessa política, porque reduziu a oferta em tempo integral e ampliou as vagas na rede parceira. E não na rede própria da prefeitura, como nós defendemos. A oferta em tempo integral, principalmente para as mães trabalhadoras, que estão na periferia, é essencial, para proteger o direito das crianças e das mães. Kalil falhou muito nesse aspecto, embora tivesse uma orientação de ampliar o número de vagas. Kali tem na sua gestão setores muito conservadores, com agenda econômica muito ruim para a população. É só ver o candidato a vice dele, Fuad Nomam, que foi um gestor que atuou no governo estadual com uma política de austeridade chamada choque de gestão. Essa política significa retração dos investimentos públicos, principalmente, nas áreas sociais. Tudo isso está presente na gestão Kalil. É importante a população saber que há interesses em jogo que não podem ser conciliados sempre.
A senhora é opositora declarada do presidente Bolsonaro e do governador Romeu Zema. Como será a relação com os chefes dos Executivos federal e estadual, seja eleita?
O exemplo que trago dessa relação vem da minha experiência como deputada federal. Fui segunda vice-presidenta da mesa da Comissão de Cultura do Senado. Sempre me comportei de maneira muito respeitosa e valorizando o diálogo com gestores do governo federal. É assim que vou atuar em Belo Horizonte também. Óbvio, me posicionando. Não dá para aceitar mandos e desmandos desse desgoverno federal que quer, por exemplo, acabar com o Sistema Único de Saúde, entregar os postos de saúde para a iniciativa privada. O governo Bolsonaro tem agenda antipovo e a gente não vai se curvar a isso. Vamos batalhar para a preservação do pacto federativo. Para que BH seja considerada de maneira justa e correta nessa relação com os outros entes. Com o governo estadual também. Somos oposição ao governo Zema, que é um desastre em matéria de proteção social. O governo Bolsonaro é sem comentários, uma vergonha planetária, que nos constrange. Um governo que a cada dia consegue promover décadas de atraso no país.
Belo Horizonte tem sofrido com enchentes, deslizamentos e outros efeitos danosos causados pelas chuvas. Qual o seu plano para tentar minimizar ou solucionar essa questão?
Desde a fundação de Belo Horizonte, temos uma política de planejamento urbano muito equivocada, baseada na lógica de sair concretando tudo, canalizando os córregos e rios, matando a força das águas debaixo da terra, para fazer a ideia de uma cidade moderna e avançada. Logo nos primeiros anos do surgimento de BH já tivemos registros de inundações causadas por essa política equivocada. Para nossa indignação, de lá para cá esse modelo não mudou. Todos os estudos técnicos e elaborações mais responsáveis e consistentes apontam que é necessário mudar essa lógica. O que a gente propõe é voltar com uma política que foi iniciada em BH, mas não foi pra frente justamente por causa desses interesses. É o Drenurbs, que já teve caminho positivo de fazer com que a cidade se torne mais permeável. É uma política de drenagem em todo território, bem distribuída, com preservação de áreas verdes, captação de água da chuva. Aposta na preservação socioambiental e respeita as águas. Outra questão é que precisamos de um planejamento que pense na bacia hidrográfica, porque os limites do município agridem a dinâmica natural das águas. Precisamos proteger as águas, cuidar das nascentes, ter um processo de recuperação ambiental. Inclusive com apoio a cuidadores socioambientais. A gente tem uma política para geração de emprego e renda para essas pessoas que já fazem um trabalho tão importante de maneira voluntária, às vezes com muito sacrifício. Essas pessoas precisam ser parceiras e apoiadas pela PBH.
O governo as senhora trata de fomentar políticas de emprego e renda para minorias – mulheres, negros, pessoas trans, população LGBT, indígenas, pessoas com deficiência – como seria na prática esse fomento?
Essas pessoas formam a imensa maioria da população de BH e temos que olhá-las. Não têm sido priorizadas há muitos anos, e, na atual gestão, muito menos. Propomos o fortalecimento dos pequenos negócios, pequenos estabelecimentos, que foram mais impactados pela pandemia. Fazer com que eles recebam incentivos da prefeitura, na desburocratização de procedimentos para formulação desses negócios, isenção temporária de impostos municipais, para que possam se reerguer. Muitos desses negócios são liderados por mulheres, por pessoas negras, autônomos da periferia que estão se virando. O trabalho dos artistas também. Vários agentes culturais atuam na cidade na raça, sem apoio nenhum. Apoiar agentes culturais, principalmente jovens negros em grande parte, pode ser uma política de primeiro emprego que também tem impacto na proteção social, prevenção à violência e criminalidade. Fazer com que tenham oportunidade de gerar renda, mostrar seu trabalho e serem mobilizadores sociais. Eu fui uma agente cultural na juventude e sei a importância que isso teve na minha formação política, visão de mundo e também me salvou como fonte de renda.
A senhora é a primeira candidata com claro corte identitário na história de BH. Como isso dialoga com a população negra e outras que historicamente não tiveram as mesmas oportunidades?
Belo Horizonte já teve 47 prefeitos homens e nenhuma prefeita. Isso não é um detalhe. Países liderados por mulheres tiveram os melhores resultados no enfrentamento da pandemia. Municípios brasileiros liderados por mulheres têm melhores índices de proteção social, redução da mortalidade infantil. Isso diz de como a participação das mulheres na política pode ter uma contribuição mais arrojada do que temos experimentado até aqui. Não por acaso, o Brasil tem um dos piores índices de participação feminina do mundo. Isso diz de uma sociedade ainda muito desigual, que tem na cultura machista e violenta um impeditivo para mulheres. Estamos trabalhando para que mulheres de todo espectro político ocupem espaços de poder. Evidentemente, aquelas que têm posicionamento democrático, em defesa de direitos sociais. Hoje, na Câmara de BH, temos apenas quatro vereadoras, de um total de 41. Isso é inaceitável! Não chega a 10% de representação feminina. Nossa defesa da justiça social passa pela defesa da igualdade de gênero, participação das mulheres em todos os espaços. E também a questão racial. Sou uma mulher negra em um país que apresenta índices terríveis de falta de oportunidades para os negros, resultado de um processo antigo de exclusão, de como o racismo estrutural acaba sendo fundante das nossas relações. Uma cidade que não permite que determinados grupos não se desenvolvam plenamente, como é o caso de BH, que não cria oportunidades iguais para mulheres, indígenas, população LGBTI, povos e comunidades tradicionais, não vai ser uma cidade boa para ninguém. Se BH puder criar esse espaço acolhedor da diversidade para todas as vozes teremos um lugar bom para todos, com justiça econômica, com mais mulheres nos espaços de poder, começando pela prefeitura.
Falando da esquerda, PT e Psol tem uma certa proximidade, mas o PSOL está com melhor desempenho em várias cidades. Como a senhora avalia esse desempenho de partidos que vieram de um mesmo núcleo?
As esquerdas são diversas e dinâmicas. Viemos de um processo histórico recente em que os governos do PT fizeram seu trabalho, foram avaliados, sofreram perseguição, tiveram suas falhas e limitações. O Psol surge como alternativa ao PT, mas tendo compromisso inabalável com as lutas populares, democracia e um projeto de inclusão das maiorias sociais. É um partido que vem crescendo. É o partido de Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio de Janeiro exercendo seu cargo político. Ela é um exemplo dessa renovação progressista do Brasil. Fomos eleitas vereadoras no mesmo ano em 2016. O Psol defende articulação ampla entre os partidos de esquerda para retomada da democracia brasileira, para enfrentar esse projeto horroroso que o bolsonarismo representa. Tentamos fazer uma frente ampla de esquerda em BH, com PT, PCdoB e outros partidos. Não foi possível aliança eleitoral para esse primeiro turno, mas seguimos dialogando. Temos muito em comum, apesar de algumas diferenças. Nosso grande inimigo é o bolsonarismo, essa cultura política de ódio, de exclusão.
A senhora fala em acolher a população em situação de rua em BH e em subsidiar a passagem de ônibus, para reduzir o valor da tarifa. De onde viriam os recursos?
Para a população em situação de rua, o que vem primeiro é o direito à moradia. A maior parte dessas pessoas vai parar nessa condição degradante porque não conseguiu pagar aluguel. Isso não é uma escolha. É uma imposição dessa realidade perversa. Partiremos de instrumentos já previstos na lei. A Constituição diz que cada propriedade tem que cumprir a sua função social. Muitos imóveis em BH estão vazios, abandonados, sem cumprir essa função. Seus proprietários estão especulando no mercado imobiliário. Vamos aplicar os mecanismos da Constituição, do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor de BH, para reduzir o déficit habitacional e garantir moradia para quem vive sem ter a garantia do teto. Vamos apoiar os processos de regularização fundiária das ocupações urbanas. O subsídio das tarifas virá pela correção do IPTU em BH. Hoje, proprietários de imóveis com valor milionário pagam muito pouco proporcionalmente. Vamos desonerar os mais pobres e a classe média e taxar os 20% dos imóveis mais ricos. Com isso, teremos recursos para subsidiar a tarifa de ônibus.
Como recuperar o tempo perdido nas escolas por causa da pandemia?
Deve haver participação com as comunidades escolares, o que não aconteceu. A Secretaria de Educação não fez esse chamamento para construir diretrizes políticas, principalmente, com as famílias mais pobres. Sem o vínculo com a escola, essas famílias ficam ainda mais desprotegidas. A escola é uma porta para acessar serviços de assistência social, saúde. A construção da política passa pelo direito à educação e proteção integral à vida dessas famílias. A construção de propostas pedagógicas que façam sentido nesse contexto. A inclusão digital vem como uma necessidade neste momento e vai além da infraestrutura. Passa também pela formação crítica.
PERFIL
ÁUREA CAROLINA DE FREITAS SILVA
- Idade: 36 anos
- Naturalidade: Belo Horizonte
- Estado civil: casada
- Filhos: um bebê de 8 meses
- Formação: cientista social e educadora popular, especialista em gênero e igualdade pela Universidade Autônoma de Barcelona e mestra em ciência política pela UFMG.
- Carreira: vereadora eleita em 2016 e deputada federal eleita em 2018
- Experiência política: movimentos sociais