Jornal Estado de Minas

GOVERNO

Com Salles como alvo de julgamento, Inpe registra recorde de queimadas

Um dos ministros mais criticados do governo Bolsonaro, Ricardo Salles tem mais um resultado desfavorável para explicar na sua pasta. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgou, ontem, os registros consolidados da destruição do Pantanal e da Amazônia no mês de outubro. Em relação ao primeiro bioma, o Inpe registrou 2.856 focos de incêndio — pior marca para o mês desde que o instituto passou a monitorar as chamas nos biomas brasileiros, em 1998.





Outubro também foi vermelho na Amazônia. Os focos de incêndio na região aumentaram 120% na comparação com o mesmo mês do ano passado. Foram 17.326 focos de calor contra 7.855, em 2019. O acumulado dos 10 meses de 2020 soma 93.356 focos de incêndio, um aumento de 25% em relação ao agregado do ano passado, que contabilizou 74.604. Não se via situação igual desde 2010 para Amazônia, quando o somatório dos 10 meses do ano apontou 117.207 registros.

“O aumento das queimadas em outubro é o que o governo colhe por ter deixado a boiada passar. É exatamente o que se espera de um país que destruiu sua governança ambiental, fechando, na prática, o Ministério do Meio Ambiente, que estimulou a impunidade em atos e discursos e que enterrou os planos de prevenção e controle do desmatamento”, critica o secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.

Pior que outubro, setembro de 2020 foi o mês em que mais o Pantanal queimou na comparação com todos os outros meses do ano na história do levantamento. O alerta de que o bioma sofreria uma das piores perdas foi evidenciado em julho, que também extrapolou o máximo de registros até então, somando 1.684 focos. Já agosto de 2020, que somou 5.935 incêndios, só não superou o mês oito de 2005, quando o fogo atingiu 5.993 pontos.





No acumulado dos primeiros 10 meses do ano, o Pantanal também tem as maiores perdas históricas, de acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). São 21.115 focos desde o início deste ano sendo que, nesse mesmo intervalo de 2019, foram registrados 4.413 focos de calor, o que representa um aumento de 148%.

Trabalho constante

Presidente da comissão parlamentar externa que debate as queimadas no Pantanal, o senador Wellington Fagundes (PL-MT) reitera que a situação deste ano não pode cair no esquecimento. “O cenário de destruição não pode voltar a se registrar na mesma dimensão. O verde que agora volta não pode apagar as cinzas, nem as imagens da vegetação queimada e dos animais mortos. A demora nas ações de prevenção não pode voltar acontecer, e estaremos atentos. Não temos visto nenhum órgão oficial fazendo um inventário dos estragos causados pelo fogo. Sabemos que temos organizações não governamentais fazendo esse trabalho. E é assim que vai ficar?”, questionou, durante a última reunião da comissão, na sexta-feira passada.

A partir de novembro, a tendência é de diminuição das queimadas com a intensificação das chuvas, o que não significa uma redução de ações no combate aos incêndios. É o que reforça o coordenador técnico do MapBiomas, que trabalha em parceria com o Instituto Socioambiental SOS Pantanal, Marcos Rosa. “Nunca se deve reduzir as ações de combate antes da chegada realmente da chuva, como já ocorreu no Pantanal”.





A gerente de Ciências do WWF-Brasil, Mariana Napolitano, complementa: “Não podemos depender apenas dos fatores climáticos. Com as taxas de desmatamento cada vez maiores nos últimos anos, os alertas dos pesquisadores foram ignorados pelo governo: desmatamento e fogo andam juntos. O que aconteceu na temporada da seca em 2020 não pode se repetir”.

Para combater as queimadas e os desmatamentos no bioma, a operação Verde Brasil 2 foi prorrogada oficialmente até novembro deste ano e deverá se estender até 2022, segundo planejamento do Conselho da Amazônia. Esta semana, o vice-presidente Hamilton Mourão levará representantes de diversos países para uma viagem pela Amazônia. De acordo com o roteiro elaborado pelo Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), os diplomatas devem visitar roteiros nas cidades de Manaus, São Gabriel da Cachoeira e Maturacá.

A viagem é uma resposta do governo federal à onda de críticas na comunidade internacional sobre o aumento das queimadas nas áreas verdes do país.

TRF julga Salles, acusado de desmonte

(foto: Ed Alves/CB/D.A Press - 27/10/20)

Envolvido em uma série de polêmicas dentro e fora do governo, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, continuará em evidência nesta semana. Na terça-feira, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) vai julgar uma ação do Ministério Público Federal (MPF) que pede o afastamento cautelar do ministro do cargo. Acusado da prática de improbidade administrativa, Salles é apontado como responsável pelo desmonte deliberado de políticas públicas voltadas à proteção ambiental.





O julgamento, que deveria ter ocorrido no último dia 27, foi adiado para esta terça-feira, sem explicações por parte do TRF-1. Os representantes do MPF, que apresentaram a ação em 6 de julho, já cobraram do tribunal, em diferentes ocasiões, uma decisão a respeito da ação. Eles alertam que a permanência do ministro no cargo traz consequências trágicas à proteção ambiental.

No processo, 12 procuradores da República pedem o afastamento do ministro do cargo em caráter liminar (urgente) e a condenação dele nas penas previstas pela lei de improbidade administrativa — perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e proibição de contratar com o poder público e de receber benefícios e incentivos fiscais ou creditícios.

Para o MPF, Ricardo Salles promoveu a desestruturação de políticas ambientais e o esvaziamento de preceitos legais para favorecer interesses que não têm qualquer relação com a finalidade da pasta que ocupa. Segundo os procuradores, o processo de desestruturação do sistema de proteção ambiental brasileiro foi realizado por atos, omissões e discursos do ministro, que agiu, na visão deles, de forma dolosa.





Os procuradores citam, por exemplo, que Salles exonerou, no final de abril, três coordenadores da fiscalização ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) — Olivaldi Azevedo, Renê Oliveira e Hugo Loss. As exonerações, relatam, ocorreram após ações de fiscalização nas terras indígenas Ituna Itatá, Apyterewa, Trincheira-Bacajá e cachoeira seca, na região de Altamira, onde as equipes do Ibama conseguiram reduzir drasticamente o desmatamento após o aumento verificado em 2019, que chegou a 754%.

Nas operações que ocorreram no mês anterior às exonerações, destacam os autores da ação, os fiscais destruíram cerca de 100 máquinas e equipamentos utilizados por quadrilhas para cometer crimes ambientais, número superior ao de todo ano de 2019. Em vez do reconhecimento pela eficácia do trabalho, dizem os procuradores, os fiscais perderam os cargos, “no que o MPF considera uma evidente retaliação”. Segundo eles, essa postura contribuiu decisivamente para a alta do desmatamento e das queimadas, sobretudo na região amazônica.

“Com as queimadas, em 2019, as florestas brasileiras perderam 318 mil quilômetros quadrados, um recorde histórico. O desmatamento também vem batendo sucessivamente recordes históricos, desde que o acusado assumiu o ministério do Meio Ambiente em 2 de janeiro de 2019. Naquele ano, o Brasil, sozinho, foi responsável por 1/3 da degradação de florestas nativas no mundo”, argumentam os representantes do MPF.





Julgamento

Para o advogado Rodolfo Tamanaha, professor de direito do Ibmec-DF, é muito pouco provável que, no julgamento desta terça-feira, o TRF-1 atenda ao pedido do MPF para afastar cautelarmente Ricardo Salles do cargo. Ele acredita que os fatos relatados na petição dos procuradores são insuficientes para adoção dessa medida extrema. “Acredito que os magistrados do TRF-1 devem até receber a ação, permitindo o prosseguimento do processo até o julgamento do mérito. Eu acho que eles não afastariam o ministro cautelarmente, mas vejo que há indícios de que valeria a pena deixar o processo tramitar, até para o ministro poder se defender”, disse Rodolfo Tamanaha.

O deputado Bibo Nunes (PSL-RS), aliado do Planalto, afirma que o governo Bolsonaro tem a preservação do meio ambiente como prioridade. Apesar de reconhecer que Salles tem se envolvido em uma série de embates, o parlamentar considera que “não há qualquer prova cabal contra o ministro”.

“O governo tem a maior preocupação em fazer o melhor pelo meio ambiente no Brasil, e tenho certeza de que, caso isso não esteja acontecendo, o governo tomará as devidas medidas. É normal, em qualquer governo, acontecer alguns desequilíbrios em determinado momento, mas os problemas devem ser resolvidos”, disse o parlamentar, acrescentando que, se houvesse motivos para o afastamento de Salles, o presidente Jair Bolsonaro já teria tomado essa decisão.





“Quem deve afastar o ministro deve ser, em primeiro lugar, quem o colocou. Eu acho que se o presidente tem o direito de colocar, o Ministério Público tem também o dever de questionar. Mas, eu acredito que, se precisar tirar o ministro, o presidente irá tirar antes do Ministério Público. Se isso não aconteceu ainda, é porque o presidente não vê motivos para retirar o ministro”, concluiu Nunes.

Apoiado pelos filhos do presidente e pela chamada ala ideológica do governo, Salles continua firme no cargo. O presidente Bolsonaro não esboça qualquer gesto no sentido de demiti-lo.

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