Jornal Estado de Minas

'RACHADINHAS'

Mensagens, rastreio de telefones e depoimento: veja detalhes da denúncia contra Flávio Bolsonaro

Na semana passada, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) ofereceu denúncia contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) pelo esquema das “rachadinhas”, que consistia na devolução de salários de funcionários enquanto ele era deputado estadual. Nesse domingo (9), o programa “Fantástico”, da TV Globo, divulgou o teor das investigações que ajudaram a embasar o documento entregue à Justiça.





A personagem principal da denúncia é Luiza Sousa Paes, ex-assessora de Flávio Bolsonaro. Ela procurou o MP e prestou depoimento contando tudo o que sabia sobre o esquema das “rachadinhas”. Na denúncia, o órgão alegou que Luiza foi uma das funcionárias que mais transferiu recursos para Fabrício Queiroz, também ex-colaborador do filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e considerado um dos operadores do esquema.

Ao todo, Luiza transferiu cerca de R$ 155 mil apenas em devolução de salários. Os vencimentos giravam em torno de R$ 4 mil, mas, do valor citado, a ex-assessora de Flávio ficava com R$ 800. Além dela, outros 11 funcionários da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) participavam do esquema, transferindo parte das remunerações para Queiroz. Estes formavam o “núcleo executivo” das “rachadinhas”

Já o “núcleo operacional” era formado por Fabrício Queiroz e Miguel Ângelo Braga Grillo, chefe de gabinete de Flávio na Alerj e no Senado Federal. Grillo geria os assessores. Após o dinheiro passar pela “etapa” citada, os valores chegavam a Flávio, que o MP considera como “núcleo político”. O esquema, ao todo, movimentou R$ 6 milhões, segundo o órgão, em 11 anos. 

E foi com dinheiro vivo que Flávio Bolsonaro e a mulher, Fernanda, fizeram diversas aquisições, como compra de apartamentos e passagens aéreas, além de pagamento de contas e de empregados. O “Fantástico” mostrou que o casal pagou mais de R$ 2 mil em espécie em bilhetes de avião para Natal/RN.





Telefones rastreados


Para embasar a denúncia de que os servidores ligados ao gabinete de Flávio Bolsonaro eram fantasmas, o MP rastreou os pontos onde os telefones celulares dos funcionários eram constantemente utilizados. Entre dezembro de 2014 e fevereiro de 2017, por exemplo, período em que Luiza foi funcionária da Alerj, registros telefônicos mostram que ela esteve na casa apenas três vezes.

Em 7 de dezembro de 2018, quando as primeiras denúncias sobre a “rachadinha” começaram a aparecer, Luiza se mostrou assustada em troca de mensagens com o pai. O conteúdo foi anexado à denúncia do MP.

“Caraca! Tu viu alguma parte do 'Jornal Hoje'? Bateu direto naquele negócio do Queiroz. Direto isso, a foto dele estampada no 'Jornal Hoje.' Agora deu ruim", digitou Luiza.

Ela, então, passou a pedir conselhos para o pai sobre o que fazer com os recibos dos depósitos feitos a Queiroz, citando, também, encontros com o advogado do ex-assessor e com o defensor de Flávio naquela época, Luís Gustavo Botto Maia, também funcionário da Alerj. O pai de Luiza, então, respondeu.





“Contanto que te tire disso e esqueça isso de uma vez e a gente possa viver nossa vida normalmente, ele que invente as histórias dele lá.”

Luiza também contou para o pai que havia sido chamada à Alerj para preencher a folha de ponto, que nunca assinou. “Oi, pai. (…) Parece que falta algum ponto que não tá assinado. Só que eu não lembro de ter assinado algum ponto, entendeu?.”

“Eles querem pegar um ‘bucha’ que é pra ver se desentoca alguma coisa”, respondeu o pai.

No entanto, a denúncia aponta que Luiza esteve na Alerj em 24 de janeiro de 2019, a pedido de Queiroz, para assinar as folhas de ponto de 2017, que estavam em branco. A ex-assessora foi orientada a fraudar os documentos para despistar as investigações sobre as "rachadinhas".

Numa outra troca de mensagens, Luiza comentou com o pai sobre a quebra de sigilo bancário, com a autorização da Justiça, em abril de 2019. Na ocasião, Luiza e outras 94 pessoas ligadas a Flávio Bolsonaro passaram pelo procedimento.





“Já viu as notícias? Quebraram o sigilo bancário de um monte de gente. Provavelmente o meu também”, diz Luiza. 

“Já vi e já estragou meu dia”, lamentou o pai.

Denunciados


Além de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz e Luiza de Souza Paes, outras 14 pessoas também foram denunciadas pelo Ministério Público. Entre elas estão a mãe e a mulher de Adriano da Nóbrega, ex-PM do Rio e acusado de chefiar um grupo de extermínio com fortes ligações com a milícia. 

Adriano, que foi morto na Bahia em fevereiro deste ano após uma operação policial, teria feito repasses a Queiroz que chegariam na ordem de R$ 400 mil.

Se a denúncia for aceita pela Justiça, todos os denunciados vão se tornar réus e podem responder por lavagem de dinheiro, organização criminosa e peculato. As penas podem chegar até 12 anos de prisão.



O MP pede que, ao terminar o processo, Flávio perca o cargo de senador. O órgão solicitou, também, o apartamento, que teria sido comprado com dinheiro ilícito, além do pagamento de mais de R$ 6 milhões, que teriam sido desviados dos cofres públicos.

Respostas


À TV Globo, a defesa de Luiza de Souza Paes disse que ainda não foi notificada da denúncia e que não vai comentar o caso. A defesa de Queiroz, por sua vez, afirmou que as acusações não correspondem à verdade e que a inocência dele será devidamente demonstrada.

A defesa de Miguel  ngelo Braga Grillo, Fernanda Bolsonaro e de Flávio Bolsonaro classificou a denúncia como "crônica macabra e mal engendrada" e que vai se manifestar na Justiça, assim que for notificada.

A Alerj disse que as responsabilidades sobre as respectivas frequências dos funcionários dos gabinetes são dos deputados e que a presidência da casa não tem conhecimento sobre a eventual prática de rachadinhas envolvendo Luiza Paes e Fabrício Queiroz. A casa disse, ainda, que está colaborando com as investigações. 

As defesas de Luís Gustavo Botto Maia, da mãe e da esposa de Adriano da Nóbrega não foram encontradas.




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