As eleições deste ano decretaram o maior fracasso petista das últimas décadas em São Paulo, o colégio eleitoral tido como um dos principais termômetros para as eleições nacionais. Neste ano o candidato petista Jilmar Tatto ficou em 6º lugar no pleito na capital paulista, com apenas 8,6% dos votos, atrás de nomes como Arthur do Val (Mamãe Falei), com 9,7% e Celso Russomanno, 10,5%.
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Ida de Boulos ao 2º turno em São Paulo sinaliza avanço de esquerda jovem pelo paísRussomanno parabeniza covas e Boulos e diz que foi 'leal' a BolsonaroPara Boulos, seu triunfo é derrota do bolsonarismoO professor de História contemporânea da USP Lincoln Secco afirmou que o principal erro do PT foi não ter disputado o pleito com um candidato que estivesse na memória do eleitor e que dialogasse com a classe média progressista.
"Esse candidato era o Fernando Haddad. Ele é o grande derrotado desta eleição e agora vai desaparecer como uma figura nacional. O PT fez um cálculo político de que o Haddad poderia perder, mas o que ele não colocou nesse cálculo foi que outra pessoa de esquerda poderia vencer no lugar dele, no caso o Boulos. Porque ir para o segundo turno já é uma vitória", afirmou Secco.
No ponto de vista do professor da USP, o ex-presidente Lula também sai derrotado dessas eleições por ter "vendido" Jilmar Tatto como o nome forte do partido.
"Se o Boulos tiver uma boa campanha no segundo turno, ele passa automaticamente a ser a grande figura da esquerda em São Paulo. Talvez até com o apoio do Lula. É muito cedo para dizer se isso vai se tornar algo estrutural na política paulistana, mas é a primeira vez que uma candidatura à esquerda do PT passou a ocupar um espaço do partido", afirmou Secco.
O professor lembra, porém, que o PT vem tendo uma queda de votos gradual em São Paulo desde a vitória de Marta Suplicy, em 2000. Até mesmo na vitória de Fernando Haddad na capital paulista em 2012, o PT teve menos votos no 1º turno do que tinha antes. E em 2016 teve o pior desempenho, com 16% e uma derrota para João Doria no primeiro turno — algo que não ocorria desde 1992.
"Mas a gente ainda não sabe o quanto a vitória do Boulos é uma conquista dele ou do PSOL. Por isso é cedo para dizer se ele vai realmente substituir o PT. Agora se o PSOL ganhar, ele se torna a força de esquerda decisiva em São Paulo porque vai atrair os quadros do PT e ter uma posição de poder para disputar a reeleição", disse o professor.
"Um desastre"
Um estrategista da alta cúpula petista disse à BBC News Brasil sob a condição de anonimato que o fracasso do PT nas eleições municipais na capital paulista era tido como "uma bola cantada" dentro do partido e avalia a campanha como um grande "desastre".
"O PT se colocou mal em diversos aspectos. É um desastre a postura do partido sobre o governo Bolsonaro. Insistir em defender bandeiras de causas ultrapassadas: se foi golpe ou não, a prisão do Lula…", afirmou.
Na opinião desse membro do PT, o partido deveria ter atacado a gestão do atual prefeito tucano Bruno Covas com mais vigor, principalmente em relação às medidas adotadas em relação à pandemia do coronavírus.
"Não dissemos em nenhum momento que o Estado de São Paulo tem o maior número de casos e mortes por covid do Brasil, mas o Jilmar se calou", afirmou.
Atacar o trato da administração de Bruno Covas em relação à pandemia foi justamente a estratégia de Guilherme Boulos no primeiro discurso dele após o anúncio oficial de que ele iria para o segundo turno.
Pessoas que também participam das campanhas do PT adiantaram que o partido deverá usar a partir de agora o discurso de que ele está ressurgindo das cinzas, que ainda vai disputar a prefeitura em diversas cidades nestas eleições e que o pleito não foi um completo fracasso.
Uma pessoa ligada à cúpula do PT disse que a postura do partido está "queimando" grandes nomes petistas, como Fernando Haddad e Eduardo Suplicy. Ela afirma que um dos principais motivos é que não há diálogo e que todas as decisões da legenda são centralizadas pelo ex-presidente Lula e pela atual presidente do PT, Gleisi Hoffmann.
"O partido não censura eles, não se conforma até hoje que perdeu as ruas. Que perdeu o voto dos jovens em 2013. O Boulos ganhou esse espaço porque o PSOL não censura ele, não tem uma perseguição interna contra ele como acontece no PT", afirmou.
Sucesso entre jovens e mulheres
A cientista política e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Camila Rocha de Oliveira, que estuda a votação na periferia, disse que Boulos conquistou o eleitorado petista principalmente por surgir como um rosto novo e ser "muito autêntico".
"O Boulos já estava consolidado na classe média e conquistou as periferias de última hora, o que fez ele disparar. As pessoas decidem o voto na última hora. Elas olham a pesquisa, veem que há chances e escolhem", disse a pesquisadora.
Ela afirmou, porém, que o sucesso do candidato do PSOL também tem uma forte relação com o candidato escolhido pelos petistas.
"O Tatto não teve capacidade de mobilizar o PT. Ele está muito associado à imagem da política tradicional. E as periferias estão muito indignadas com essa política. Elas querem renovação. O Boulos traz isso mesmo tendo disputado presidência. Além de ter uma ligação com movimento de moradia, ele atraiu muitos jovens e mulheres, entre as pessoas que entrevistei."
A pesquisadora disse ainda que o fracasso petista nas eleições paulistanas pode ser lido como um termômetro da frustração generalizada com o PT. "Se não mudar essa oferta de candidatos e o discurso, essa tendência também deve se expressar em 2022", afirmou.
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