Jornal Estado de Minas

UM BALANÇO NACIONAL

Eleições 2020: avanço da direita, abstenção recorde e mais 3 destaques das urnas



O resultado das eleições municipais deste ano ainda não foi completamente consolidado, mas já é possível perceber parte dos aspectos mais relevantes da disputa eleitoral.





Entre eles: o avanço de partidos de centro e de direita, a abstenção recorde, o impacto da pandemia na taxa de reeleição, o recuo de partidos de esquerda em meio ao surgimento de jovens lideranças e, por fim, a capacidade limitada do presidente Jair Bolsonaro de transferir votos.

Bolsonaro teve um peso eleitoral bem menor do que se esperava, e seu principal candidato, o filho Carlos, teve uma votação para vereador do Rio de Janeiro menor do que em 2016, quando seu pai era deputado federal.

Aliás, dos 69 candidatos com o nome 'Bolsonaro' nas urnas em 2020, apenas Carlos se elegeu.

1. Peso eleitoral limitado de Bolsonaro

A principal plataforma de apoio de Bolsonaro a candidatos a prefeito em 2020 foi uma série de "lives" semanais transmitidas na internet. Alguns postulantes chegaram a viajar para Brasília para aparecer ao lado do presidente.





Mas dos 12 candidatos a prefeito apoiados por Bolsonaro, só 4 se elegeram ou chegaram ao segundo turno.

O principal exemplo negativo foi Celso Russomanno (Republicanos), que começou a campanha liderando as pesquisas para a Prefeitura de São Paulo, recebeu apoio formal e acabou em quarto lugar. Para o marqueteiro de sua campanha, Elsinho Mouco, a rejeição a Bolsonaro na cidade ampliou a rejeição ao próprio candidato.


Carlos Bolsonaro foi eleito vereador com menos votos do que em 2016 (foto: FLICKR BOLSONARO)

A principal diferença do peso político de Bolsonaro nessas eleições municipais em relação a outros presidentes é a falta de partido político. Tradicionalmente, a sigla de um presidente eleito avança bastante na eleição municipal dois anos depois.

Mas como Bolsonaro não está filiado a nenhuma sigla, ficou muito difícil para o eleitorado saber quem estava base de apoio do presidente. A falta de um partido agregador também perdeu a oportunidade de se beneficiar do quociente eleitoral (o que ampliaria, na soma de votos, o número de vereadores eleitos pelo partido).





Por outro lado, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que o apoio de Bolsonaro teve impacto significativo em disputas importantes, como no Rio de Janeiro.

"A recuperação de (Marcelo) Crivella, no Rio de Janeiro, é uma indicação da força de Bolsonaro. O candidato dele em Belo Horizonte (Bruno Engler) também teve um desempenho melhor do que as pesquisas mostravam, o que indica que ele conseguiu mobilizar as pessoas na reta final", disse o cientista político Bruno Carazza, que é autor do livro Dinheiro, eleições e poder, sobre o financiamento das disputas políticas no Brasil.

2. Partidos de centro e de direita avançam em prefeituras

Os resultados das urnas deste ano ainda não foram completamente consolidados, mas já é possível perceber um avanço significativo de nove partidos que orbitam entre o centro e a direita do espectro político brasileiro.

Essas siglas, aliás, já haviam surfado na onda conservadora que varreu o país nas eleições de 2016 e 2018.

Considerando os resultados de 97% dos 5.570 municípios brasileiros em 2020, PSD, DEM, PP, PSL, Avante, Solidariedade, PSC, Patriota e Republicanos (ex-PRB) já ampliaram sua base de prefeitos em relação a 2016.





No mesmo espectro político, PMDB, PSDB e PTB foram os principais derrotados.

Mesmo com a desfiliação de Bolsonaro, o PSL triplicou de tamanho em quatro anos, de 30 para 90 prefeituras até agora. Mas nenhuma delas tem mais de 200 mil habitantes. A sigla bolsonarista Avante (ex-PT do B) passou de 15 para 80 (aumento de 433%), também em cidades pequenas.

O Republicanos dobrou, de 104 para 208. O DEM cresceu 72%, de 265 para 465. O Solidariedade avançou 47% e o Patriota, 45%.

O DEM pode, inclusive, bater seu recorde histórico de prefeituras de capitais, caso vença em Macapá e no Rio de Janeiro (no segundo turno). A sigla já venceu em 3 capitais no primeiro turno: Salvador, Florianópolis e Curitiba.

Por outro lado, o PSDB caiu 35% até agora. O MDB, líder de 2016 com 1.028 prefeituras, recuou 25%. E o PTB perdeu 20% até agora.


Presidente da Câmara, Rodrigo Maia é o principal nome do DEM, que minguou durante a era Lula e ressurgiu com a queda do PT e a onda conservadora (foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil )

Boa parte desses partidos que cresceram em 2020 fazem parte do chamado "centrão", termo usado para referir-se a partidos conservadores sem orientação ideológica clara, que costumam buscar proximidade com o Executivo em troca de cargos e outras benesses.





Siglas como PP, PR (ex-PL), PSD, PTB, Republicanos (PRB), PSC, Pros, Solidariedade, Patriota (ex-PEN e ex-PRP), PTN e PHS (incorporado ao Podemos), entre outros, costumam ser enumerados entre os integrantes do grupo — embora os dirigentes dessas legendas geralmente rejeitem fazer parte do "centrão".

3. Recuo da esquerda e avanço de jovens lideranças

Entre os partidos que orbitam o espectro político que parte do centro em direção à esquerda, os quatro principais perderam terreno até agora: PSB, PDT, PT e PCdoB. A exceção foi o PSOL.

O PT, que em 2012 elegeu mais de 600 prefeitos, desta vez não deve passar de 200. Além disso, a sigla registrou seu pior resultado em eleições municipais na cidade de São Paulo, a qual já governou por anos. Em 2020, ficou em sexto lugar.





Outro grande derrotado neste ano é o PSB. O partido elegeu pouco mais de 400 prefeitos em 2016, mas neste ano chega a 249 até agora, uma queda de 40%.

Por outro lado, o campo da esquerda registrou bons resultados eleitorais com novas lideranças políticas.


Guilherme Boulos, do PSOL, teve 20% dos votos em São Paulo, chegando ao segundo turno (foto: Reuters)

O principal exemplo é Guilherme Boulos, do PSOL, que vai disputar o segundo turno em São Paulo contra o atual prefeito, Bruno Covas, do PSDB.

Com uma longa trajetória na militância por moradia popular e a projeção nacional alcançada como candidato do PSOL à Presidência em 2018, Boulos conseguiu agregar a maioria dos votos de esquerda da capital paulista, espaço que há décadas era ocupado pelo PT.

Até agora, o PSOL dobrou seu número de prefeituras em relação a 2016, passando de duas para quatro.

Outra candidata jovem que se beneficiou da projeção alcançada em 2018 foi Manuela D'Ávila (PCdoB), que na disputa em Porto Alegre levou 29% votos e vai disputar o segundo turno com Sebastião Melo (MDB), que teve 31%.





Ainda assim, seu partido, o PCdoB, recuou em quatro anos. Elegeu 80 prefeitos em 2016 e 46 em 2020, até agora.

No Recife, o segundo turno será disputado por dois primos, ambos com menos de 40 anos: Marília Arraes (PT) e João Campos (PSB).

Vale lembrar que ambos são herdeiros políticos do ex-governador Miguel Arraes, e João Campos é filho de outro ex-governador, Eduardo Campos.

4. Impacto do combate à pandemia para prefeitos que buscavam reeleição

A pandemia de covid-19, que já matou pelo menos 165 mil pessoas no Brasil em 2020, se tornou um fator importante na eleição municipal deste ano.

Tanto em relação ao comparecimento do eleitorado (leia mais abaixo), dada as preocupações com contágio, quanto acerca da resposta nas urnas às estratégias adotadas por prefeitos que tentavam a reeleição.





Para parte dos cientistas e analistas políticos, a pandemia acabou ampliando a liderança dos prefeitos e, por extensão, o impacto eleitoral de suas medidas contra a doença. Isso envolvia rigor das medidas de distanciamento social

"A covid-19 deu protagonismo aos prefeitos, objetivou a reflexão, esvaziou as paixões e chamou a política de volta. PSDB, DEM e MDB lideram na maioria das capitais", afirmou o cientista político Antonio Lavareda, presidente do conselho científico do Instituto de Pesquisas Sociais Políticas e Econômicas (Ipespe), em entrevista à BBC News Brasil.

"O eleitor percebeu a importância da política pública, da empatia de alguns gestores e daquele político que de fato pode fazer a diferença na vida dele quando ele mais precisou. O eleitor em 2020 teve de lidar com o medo da morte, o medo do desemprego e o medo da fome", afirmou o cientista político Malco Camargos, professor da PUC Minas e diretor do Instituto Ver, em entrevista à TV Assembleia de Minas Gerais.


Para especialistas, prefeitos ganharam protagonismo durante a pandemia e suas abordagens exacerbaram avaliação do eleitorado sobre suas gestões (foto: AFP/Getty Images)

Lavareda afirmou ao jornal Valor Econômico que previa um aumento da taxa de reeleição de prefeitos de municípios com mais de 200 mil habitantes em relação a 2016, quando a taxa foi de 64%. Segundo suas projeções, neste ano essa taxa deve girar entre 75% e 80%.





O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não consolidou os dados deste ano, mas o resultado das capitais no primeiro turno já servem de parâmetro.

Seis prefeitos de capitais foram reeleitos, e um vice-prefeito venceu desta vez como cabeça de chapa.

Um deles, Alexandre Kalil (PSD), de Belo Horizonte, adotou uma das estratégias mais rigorosas desde o início da pandemia, com efeitos até hoje. O mesmo pode se falar de Salvador, onde ACM Neto (DEM) conseguiu emplacar seu vice Bruno Reis (DEM) como sucessor, e de Florianópolis, onde Gean Loureiro (DEM) se reelegeu.

Todos os citados acima são bem avaliados pela população no combate à pandemia.

E disputas em aberto nas duas maiores cidades do país contrastam o impacto da pandemia nos prefeitos em busca de reeleição.





Com uma estratégia à pandemia considerada rígida e positiva por especialistas, o atual prefeito paulistano, Bruno Covas (PSDB), é o favorito na disputa no segundo turno contra Guilherme Boulos (PSOL).

No Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), que adotou uma estratégia contra a covid-19 criticada por especialistas, passou para o segundo turno bem atrás do rival, o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM). Para especialistas, a postura de Crivella na pandemia também exacerbou a insatisfação do eleitorado com sua gestão.

5. Maior abstenção em 20 anos

O número de eleitores que não compareceram às urnas foi o maior em 20 anos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE): 23,1%. Além do desinteresse crescente pela política, o principal fator deste ano foi a pandemia de coronavírus.

O número de eleitores que não votam vem crescendo. Em eleições municipais, a abstenção foi de 16,4% em 2012 e de 17,6% em 2016. Nas eleições gerais, bateu em 19,4% em 2014 e 20,3% em 2018.


Diante da pandemia, diversas medidas de segurança sanitária serão adotadas nas eleições (foto: TSE)

Para se ter uma ideia, a abstenção na cidade de São Paulo em 2020 somou 2.632.587 eleitores (29,3% do total). Essa cifra é quase a soma de votos dos dois candidatos que passaram ao segundo turno: Bruno Covas (PSDB), com 1,8 milhão, e Guilherme Boulos (PSOL), com 1 milhão. Uma diferença de 200 mil votos entre ausentes e "vencedores".





Ainda assim, o presidente do TSE, ministro Luís Barroso, comemorou a participação nas urnas. "Em plena pandemia, tivemos um índice de abstenção pouca coisa superior às das eleições passadas." E completou: "Queria cumprimentar, de coração, o eleitorado brasileiro que compareceu em massa, apesar das circunstâncias. Efetivamente, conseguimos fazer com que tudo acabasse bem, com resultados no mesmo dia, fidedignos e todos auditáveis e conferíveis".

Não é possível segmentar a taxa de abstenção por faixa etária, mas especialistas estimam que ela tenha sido maior entre os idosos porque este grupo é o mais vulnerável à covid-19. Eleitores com mais de 60 anos representam 18% do eleitorado total do país (146 milhões de pessoas).

Mas segundo levantamentos feitos pelo instituto de pesquisa Datafolha, em São Paulo cogitavam "a possibilidade de faltarem ao pleito principalmente os que têm até 44 anos de idade, os que estudaram até o fundamental ou ensino médio e os que possuem renda familiar de até cinco salários mínimos".


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