Jornal Estado de Minas

ELEIÇÕES 2020

Críticas de Bolsonaro às eleições provocam temor de judicialização

Críticas frequentes do presidente Jair Bolsonaro sobre a lisura do sistema eleitoral geraram preocupações quanto à possibilidade de haver uma judicialização da disputa presidencial de 2022. As pressões pela substituição da urna eletrônica pelo voto impresso têm sido vistas como sinais de que o chefe do Executivo não aceitará uma eventual derrota nas urnas daqui a dois anos. Especialistas ouvidos pela reportagem falaram sobre possíveis reflexos para a estabilidade democrática e para o esforço de recuperação econômica do país.



Bolsonaro intensificou a pregação contra o sistema eleitoral depois de ver a maioria de seus candidatos derrotados no primeiro turno das eleições municipais e também no momento em que algumas indefinições no governo ameaçam atrapalhar seu projeto eleitoral.

O atraso na criação de um programa permanente de distribuição de renda para substituir o auxílio emergencial, que termina em dezembro, é um dos componente do pano de fundo das preocupações do presidente com 2022. A concessão do benefício foi decisiva para o aumento dos seus índices de aprovação.

Uma preocupação adicional do chefe do governo é o fortalecimento que partidos políticos ligados a adversários tiveram no primeiro turno das eleições municipais, entre os quais o PSDB do governador de São Paulo, João Doria, um dos pré-candidatos à presidência. Também saíram fortalecidos o MDB e o DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), visto pelo Planalto como um adversário.



O esforço de Bolsonaro para desqualificar o sistema eleitoral brasileiro é mais uma demonstração de semelhança entre ele e o presidente americano, Donald Trump, que atribui a fraudes sua derrota para Joe Biden nas eleições do início do mês. Nenhum dos dois governantes, porém, apresentou indícios ou provas para sustentar essas alegações.

Voto impresso

Na sexta-feira (20/11), Bolsonaro voltou a dizer que “o voto impresso deve ser realidade em 2022”, durante conversa com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada, quando afirmou também que “o Parlamento, como sempre, vai atender a vontade popular”. O presidente também reafirmou que não confia no sistema eleitoral e disse que foi “muito roubado” nas eleições de 2018, embora as tenha vencido.
Bolsonaro já havia dito, no início do mês, que possui um estudo “bastante avançado” e que vai defender uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) cujo texto prevê a volta do voto impresso para as eleições gerais de 2022. Segundo o presidente, essa mudança evitaria fraudes eleitorais.



A PEC em questão, apresentada pela deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), teve a admissibilidade aprovada em dezembro do ano passado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara e, agora, aguarda formação de uma comissão especial para ser analisada. Ela prevê que, “na votação e apuração de eleições, plebiscitos e referendos, seja obrigatória a expedição de cédulas físicas, conferíveis pelo eleitor, a serem depositadas em urnas indevassáveis, para fins de auditoria”.

Mudança inconstitucional

A proposta da deputada, porém, não deve prosperar. Em junho de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o trecho da minirreforma eleitoral aprovada pelo Congresso em 2015 que previa a volta do voto impresso. Além disso, membros da cúpula do Congresso consideram que a apresentação da PEC e as críticas ao sistema eleitoral apenas buscam criar uma narrativa para desqualificar uma eventual derrota de Bolsonaro em 2022.

Nesse esforço, o presidente é capaz até mesmo de questionar o resultado da eleição que ele próprio venceu em 2018. Em março, durante palestra para  apoiadores brasileiros em Miami, nos Estados Unidos, o presidente disse ter nas mãos “provas” de que deveria ter sido eleito no primeiro turno. Porém, passados 11 meses, ele ainda não apresentou essas provas. E não deve mesmo fazê-lo: o sistema de voto eletrônico utilizado no Brasil ao longo de 20 anos é uma referência internacional e nunca teve qualquer tipo de fraude comprovada.



Bolsonaro já questionava a lisura do sistema eleitoral antes mesmo de tomar posse. Durante  campanha presidencial, chegou a dizer que não aceitaria outro resultado que não sua vitória nas urnas em 2018. Foi durante entrevista ao apresentador José Luiz Datena, da Band. Diante da insistência do presidente em desqualificar o sistema eleitoral, há preocupações com a possibilidade de declarações como essa se repetirem em 2022.

Sem evidências

Para o cientista político Paulo Calmon, professor da Universidade de Brasília (UnB), eleição é um tema extremamente importante numa democracia e deve ser tratado com seriedade. Segundo o docente, se o presidente aponta falhas na segurança da urna eletrônica, ele tem a obrigação de apresentar as evidências dessas ocorrências para que se inicie um processo de investigação. “Caso ele não seja capaz de produzir essas evidências, seria melhor não se manifestar”, afirmou Calmon.

O professor acrescenta que se o presidente não aceitar o resultado das eleições de 2022, caso não haja mudança na lei eleitoral até lá, ele estará cometendo um crime e violando seu juramento de “Manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil”.



“O Brasil não é uma ditadura, e os políticos, juízes, gestores públicos e militares não têm obrigação de atender aos caprichos de um líder político, mas sim de respeitar, defender e cumprir a Constituição e observar as leis. Assim como acontecerá com o presidente Trump, cujas manobras voltadas para contestar as eleições não surtirão efeito e comprometerão sua herança política, a tentativa de mimetizar essa mesma estratégia no Brasil afundará o prestígio e a herança política de quem a propõe mais do que colocará em risco a preservação do Estado de Direito no Brasil”, concluiu Paulo Calmon.

Antecipação de 2022

Para a advogada constitucionalista Vera Chemin,  Bolsonaro parece estar antecipadamente prevendo uma derrota eleitoral em 2022. Segundo ela, o momento é altamente desfavorável politicamente para o presidente, tendo em vista fatores internos e externos. “Externamente eu destaco a própria derrota do Trump, cuja conduta no governo é muito similar à do Bolsonaro. A partir do momento em que Bolsonaro persistir em seguir obstinadamente os mesmos passos do Trump ele vai inviabilizar de vez a reeleição dele.

Internamente, temos um discurso superado no tempo e a conduta dele com relação a questões nacionais extremamente relevantes, como o combate à corrupção e a pandemia do coronavírus, pois sabemos que não houve qualquer avanço nesses dois sentidos”, disse Vera Chemin.



Ela acrescenta que uma eventual judicialização da disputa de 2022, além de exigir uma recontagem de todos os votos, gerando custos para a administração pública, paralisará o país no momento em que decisões políticas importantes precisarão ser tomadas para a recuperação econômica. Para a constitucionalista, Bolsonaro também poderá tentar atrair o apoio de grupos políticos e até de manifestantes radicais.

Apelo aos apoiadores

“É claro que ele vai tentar atrair grupos políticos que supostamente o apoiariam, incluindo manifestantes violentos, como já vimos diversas vezes, mas ele não vai ter apoio político suficiente para isso e tampouco dos militares. Eu arrisco a dizer a você que os militares, ao contrário, vão se posicionar contra qualquer iniciativa antidemocrática”, concluiu a especialista.

Já o cientista político Ricardo Caichiolo, professor do Ibmec Brasília, considera que o esforço de Bolsonaro em questionar a lisura do sistema eleitoral brasileiro não tem o respaldo da população nem da mídia. “É uma pressão inócua, porque há um forte entendimento da mídia e da população de que a volta do voto impresso seria um retrocesso. Boa parte da população aprova e entende que o voto eletrônico é infinitamente melhor do que o voto impresso, dá maior segurança jurídica, maior rapidez na apuração dos votos e não é vulnerável a fraudes como o presidente Bolsonaro alerta e chama a atenção”, disse Caichiolo.



O docente considera não haver um risco de ruptura institucional em uma eventual contestação das eleições de 2022, mas que é certo que um ambiente de instabilidade política poderá afastar os investidores.

“Não acredito numa ruptura institucional, isso não vai acontecer de forma alguma, mas a não aceitação do resultado das eleições sempre afeta o mercado de ações. Os investidores estrangeiros tendem, em época de eleições, a ficar meio ressabiados e avessos ao risco de grandes variações dentro do cenário político do país. O que pode acontecer é um impacto negativo em termos de investimento estrangeiro, fuga de investidores, variação da alta do dólar, por exemplo, isso pode acontecer”, concluiu o cientista político.

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