Mais de 1,1 milhão de recifenses vão às urnas neste domingo, 29, escolher não só quem comandará o município pelos próximos quatro anos, mas também tomar lado em uma briga de família. Empatados em pesquisas de intenção de voto às vésperas da eleição, os primos João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT) disputam a prefeitura voto a voto, após uma campanha marcada por ataques e processos mútuos e acusações de fake news. O estilo vale-tudo, inclusive, tem potencial de transbordar as fronteiras recifenses e melar a ainda tão incipiente frente ampla entre as esquerdas brasileiras.
Recife é um símbolo de racha na esquerda. Pelo lado governista, se apresenta ao eleitor o deputado federal João Campos, de 27 anos completados na última quinta-feira e com uma coligação ampla: PSB, PDT, MDB, PP,PSD, PCdoB, PV, PROS, Avante, Rede, Republicanos e Solidariedade. A aliança trouxe consigo líderes como o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).
Com o "recall" de seu pai, o ex-governador Eduardo Campos, o candidato defende o legado e a continuidade do PSB, que há oito anos governa o Recife e há treze, o Estado de Pernambuco, com uma breve interrupção de nove meses, quando João Lyra (PDT) assumiu mandato-tampão para Eduardo Campos se candidatar à presidência da República. Pernambuco é considerado o bastião do PSB no País e é peça fundamental para as alianças nacionais do partido. Por isso, João tem explorado o antipetismo para manter a Prefeitura nas mãos da sigla.
Pela oposição, a candidata é a deputada federal e ex-vereadora Marília Arraes, 36 anos, prima de João e neta do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes. PSOL, PTC e PMB estão com ela e o PT. Apesar de uma campanha barata, se comparada à do rival, e sem participação nas atividades de rua de seu principal cabo eleitoral, o ex-presidente Lula, a petista se apoia em certo cansaço com o PSB para ampliar votos e apoios e levar o Executivo de virada. João Campos terminou o primeiro turno na liderança.
Marília tem ao seu lado outras figuras da esquerda no País, como o candidato à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) e até mesmo o deputado federal Túlio Gadêlha (PDT), que pode ser expulso do partido após trair a coligação de Campos e apoiar o PT, como revelou o Broadcast Político.
Com o natural de candidaturas governistas como a do PSB, Marília conseguiu atrair até mesmo setores conservadores no segundo turno. É o caso do Podemos. A legenda embarcou na campanha petista após a derrota, em primeiro turno, da candidata Delegada Patrícia, apoiada pelo presidente Jair Bolsonaro. Patrícia, porém, decidiu manter-se neutra, assim como o terceiro colocado no primeiro turno, Mendonça Filho (DEM) e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE).
Para o cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UPFE) Leon de Queiroz, o apoio de setores conservadores a Marília Arraes tem olhos para as eleições gerais, marcadas para daqui dois anos. "Essas lideranças não estão com Marília porque gostam do PT, mas para tirar o PSB. O importante agora é enfraquecer para conversar em 2022", disse ao Broadcast Político. "E o PT nunca governou Pernambuco. Então ganhar a capital é estratégico".
Na disputa mais quente do País, as campanhas foram ao ataque desde o início do segundo turno e recorreram à Justiça várias vezes com denúncias de propaganda irregular e fake news. Um material apócrifo chegou a ser distribuído em igrejas evangélicas com informações falsas sobre Marília, como a de que ela seria "contra a Bíblia". João Campos nega a autoria da estratégia.
O baixo nível da campanha, de qualquer forma, gera ruídos na esquerda e pode 'melar' a construção de uma frente anti-Bolsonaro em 2022, como já vem sendo ventilado nos bastidores. "Nunca imaginava que uma campanha política alcançasse requintes de crueldade como a que está sendo feita pelo PSB contra a nossa querida Marília Arraes. Esse tipo de esquerda faz mal à democracia e ao País", chegou a tuitar o líder da minoria na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE).
Outra peculiaridade da corrida no Recife é a juventude, sobretudo de João Campos, e inexperiência dos candidatos no Executivo, em uma eleição bastante marcada pelo bom desempenho de políticos de carreira.
De acordo com pesquisa Datafolha divulgada neste sábado, Marília Arraes tem 50% das intenções de votos válidos e João Campos, 50%. O levantamento tem margem de erro de 2 pontos porcentuais, configurando empate técnico.
Encomendada pela TV Globo e pelo jornal Folha de S. Paulo, a pesquisa ouviu 1.083 eleitores entre 27 e 28 de novembro e está registrada na Justiça Eleitoral sob o protocolo PE-08731/2020. O nível de confiança é de 95%.