Na direção oposta de 2016 e 2018, quando as eleições foram marcadas pela onda da antipolítica, as disputas municipais de 2020 deram espaço à vitória da política tradicional, em especial de candidatos de partidos do chamado "centrão" e de centro-direita, afirmam analistas ouvidos pela BBC News Brasil.
O segundo turno realizado neste domingo em 57 cidades mostrou novamente o predomínio de derrotas de candidatos apoiados por Bolsonaro e por partidos de esquerda, em especial o PT.
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Os paulistanos, por sua vez, optaram pela continuidade, reelegendo o prefeito Bruno Covas (PSDB), que derrotou o candidato do Psol, Guilherme Boulos. O tucano buscou colar no psolista a pecha de radical e inexperiente, promovendo-se como opção mais segura para um governo sem surpresas em São Paulo.
Enquanto Bolsonaro não conseguiu levar seu candidato nem ao segundo turno da eleição na maior capital do país (Celso Russomanno, do Republicanos, ficou em quarto lugar no primeiro turno), o presidente viu a maioria dos concorrentes que apoiou diretamente ou que carregavam suas bandeiras ideológicas ser derrotada neste domingo.
Sua única vitória em capitais foi a eleição de Tião Bocalom (PP), em Rio Branco.
Já em Fortaleza, Belém e Cuiabá, os candidatos com proximidade ideológica com o bolsonarismo foram derrotados — Capitão Wagner (Pros) perdeu para José Sarto (PDT) na capital cearense, enquanto o Delegado Eguchi (Patriota) foi derrotado por Edmilson Rodrigues (PSOL) na capital paraense, e Emanuel Pinheiro (MDB) conquistou um novo mandato como prefeito cuiabano, vencendo Abílio Júnior (Podemos).
É a economia
No entanto, apesar de a maioria dos candidatos com coloração bolsonarista não ter conquistado prefeituras importantes, analistas ouvidos pela reportagem consideram que isso não pode ser lido como um recado da população de que o presidente Bolsonaro não tem chance de se reeleger em 2022.
Para o cientista político Jairo Pimentel, pesquisador do Centro de Política e Economia do Setor Público da FGV, a força de Bolsonaro para tentar um segundo mandato dependerá muito mais do desempenho da economia nos próximos dois anos.
Caso haja uma recuperação da atividade, com queda do desemprego, isso provavelmente melhorará a avaliação do seu governo, favorecendo a reeleição.
Nesse campo, porém, o presidente terá grandes desafios em 2021, com a continuidade da pandemia de coronavírus e da crise fiscal (desequilíbrio das contas públicas que dificulta o aumento de gastos).
Por enquanto, o governo não apresentou nenhum plano concreto para substituir o auxílio emergencial (benefício hoje de R$ 300) que acaba em janeiro, o que significará uma perda de renda para dezenas de milhões de brasileiros.
"Não é o saldo da eleição municipal que vai definir o resultado de 2022. O que define mesmo são as condições da economia, questões relacionadas ao bem estar da população", diz Pimentel, lembrando que o tucano Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, foi visto como grande vencedor da eleição de 2016, quando conseguiu eleger seu candidato para prefeitura paulistana (João Doria, hoje governador de SP), e depois teve desempenho desastroso como candidato a presidente em 2018.
"No caso de uma tentativa de reeleição presidencial, o eleitor vota para manter ou tirar o presidente de acordo com o nível de satisfação que possui. O voto vai ser muito mais pragmático em 2022 do que foi em 2018", disse ainda.
Embora os resultados da eleição municipal não sejam determinantes para 2022, o pesquisador da FGV ressalta que o saldo das urnas deve trazer reflexos concretos para o atual governo Bolsonaro. Como a eleição marcou o bom desempenho de siglas do centrão, como PP, PSD, PL, a expectativa é que essas legendas agora cobrem uma fatura maior do presidente em troca de apoio a seu governo. Isso, diz Pimentel, deve intensificar a tensão na base de apoio mais ideológica do governo, que não vê com bons olhos essa aliança mais "fisiológica e pragmática".
"A relação do centrão com Bolsonaro é puramente fisiológica, pragmática: os deputados desses partidos estão interessados em emendas parlamentares (liberação de recursos para suas bases), em matérias (legislativas) que favoreçam seus rincões eleitorais, em troca do apoio que podem dar ao presidente para aprovar pautas dos seu interesse no Congresso", nota Pimentel.
"O poder de barganha do centrão agora é maior. Isso é custoso para o presidente que muitas vezes tem que abrir mão dos seus próprios interesses para atender os interesses desses outros partidos", acrescenta.
Efeito pandemia
Para o pesquisador da FGV, a pandemia foi um fator importante que favoreceu a continuidade nas eleições de 2020. Enquanto em 2016, o índice de reeleição de prefeitos ficou pouco abaixo de 50%, neste ano mais de 60% dos que tentaram um novo mandato conseguiram.
"A pandemia fez as pessoas verem o papel do poder público. Os políticos tradicionais se articulam de maneiras mais efetivas para lidar com a situação, isso fez diferença", analisa.
A cientista política Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também considera que a conjuntura de 2020 favoreceu a política tradicional. "O eleitores votaram nas eleições municipais pela continuidade, pela estabilidade, pela antiga política", disse.
Mas, embora acredite que a pandemia continuará sendo um tema que trará mais pragmatismo à disputa presidencial, ela diz que o pleito nacional tem um espaço maior para a disputa ideológica do que as eleições municipais, o que poderá continuar sendo explorado por Bolsonaro por meio do discurso de "demonização da esquerda".
"Bolsonaro como cabo eleitoral de fato sai com um saldo negativo desse eleição, mas acho que temos que ser cautelosos em pensar que isso vai significar de fato uma derrota total para a figura do presidente", afirma Solano.
"A eleição mostrou um grande número de candidaturas que derivam das forças de segurança, mostrou também a importância ainda muito grande do voto religioso. Portanto, esse campo estrutural do bolsonarismo, mais central, mais nevrálgico, continua vivo", acrescentou.
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