O ministro Kassio Nunes Marques, do Supremo Tribunal Federal (STF) votou contra a equiparação do crime de injúria racial ao racismo para fins de imprescritibilidade. O julgamento teve continuidade na sessão de ontem da Corte, mas foi interrompido por um pedido de vista, ou seja, mais tempo para analisar o caso, por parte do ministro Alexandre de Moraes e não tem prazo para ser retomado. Está em debate o caso de uma moradora de Brasília que ofendeu a frentista de um posto de gasolina.
De acordo com o processo, a mulher de 79 anos, moradora da Asa Norte, parou para abastecer o veículo e tentou pagar o serviço com cheque, em 2012. No entanto, foi informada pela funcionária do posto que este tipo de pagamento não era aceito no estabelecimento. Irritada, a cliente desferiu palavras ofensivas contra a trabalhadora. “Negrinha nojenta, ignorante e atrevida”, disse a acusada. No ano seguinte, ela foi condenada a um ano de prisão. A defesa da idosa sustenta que o Estado perdeu o direito de punir, tendo em vista que o fato ocorreu há oito anos.
O Supremo julgar se a injúria racial é uma forma de racismo, o que faria com que se enquadrasse em crime imprescritível e inafiançável. Desta forma, a acusada poderia ser punida ainda hoje. Ao votar, o ministro Nunes Marques divergiu do relator, o ministro Edson Fachin, e entendeu que as práticas apontadas se tratam de crimes distintos. “Sem desconsiderar a gravidade do delito de injúria racial, entendo que não é possível tê-lo como crime de racismo, porquanto a condutas destes crimes tutelam bens jurídicos distintos. É que no crime de injúria, o bem jurídico protegido é a honra subjetiva e a conduta ofensiva se dirige à lesão dela. Já nos crimes de racismo, o bem jurídico penal tutelado é a dignidade da pessoa humana, que deve ser protegida independente de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional,” disse.
Ele entendeu que a lei que trata do crime de injúria racial só pode ser modificada pelo Congresso Nacional. De qualquer forma, para o magistrado, a lei penal não pode ser modificada para prejudicar o réu, e a idosa tem direito a prescrição. “Não vejo como interpretar-se extensivamente uma exceção feita pelo Constituinte originário ao instituto da prescrição com base em uma preocupação da sociedade brasileira. A gravidade do delito não pode servir para que Judiciário amplie as hipóteses de imprescritibilidade previstas pelo legislador ou altere prazos previstos na lei penal”, completou.
Vistas
Depois do voto de Nunes, Alexandre de Moraes pediu vista dos autos. O ministro disse que, apesar de divergentes, tanto o voto do relator quanto o de Marques foram substanciosos – e que, diante disso, precisaria de mais tempo para analisar o processo. Ele não tem prazo para liberar o processo de volta à pauta. O processo chegou ao STF em 2018 e estava liberado para pauta desde setembro. Em 6 de novembro, Fachin alertou o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, para que fosse dada prioridade à matéria. A inclusão na pauta, porém, só ocorreu após o assassinato de João Alberto Freitas, homem negro espancado até a morte por dois seguranças brancos em um supermercado da rede Carrefour, em Porto Alegre.
Na semana passada, quando o julgamento teve início, Fachin disse que a prática da injúria racial torna a discriminação sistemática, sendo, portanto, “uma forma de realizar o racismo”. Para o ministro, atribuir “valor negativo” a alguém em razão de sua raça é uma maneira de perpetrar o racismo estrutural. Sendo assim, os dois crimes devem ser equiparados. A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou no sentido de considerar imprescritível a injúria racial. “Quem ofende não sente, mas quem é ofendido nunca mais esquece, pelo que a imprescritibilidade cria lembrança no ofensor”, escreveu o subprocurador-geral Juliano Baiocchi. (Com agências)
Fellipe Sampaio/SCO/STF – 2/12/20