Os trabalhadores contratados temem pelo desemprego num momento de grave crise financeira e sanitária, e o Palácio Tiradentes, que pressiona o legislativo pela aprovação, alega que a norma é necessária para manter os atuais contratos e imprescindível para a continuidade na prestação de atividades públicas essenciais.
A proposta, que foi enviada pelo governador Romeu Zema (Novo) à ALMG em agosto deste ano, permite a contratação temporária por meio de processo seletivo simplificado e dispensa a seleção no caso de contratação para atender necessidades decorrentes de calamidade pública, de emergências em saúde pública e de emergências ambientais.
O intuito do executivo estadual é regulamentar a matéria após o Judiciário, tanto no âmbito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) quanto no Supremo Tribunal Federal (STF), declarar a inconstitucionalidade de diversos dispositivos que regulamentavam o tema. O TJMG deu prazo até fevereiro de 2021 para que o governo de Minas resolva a questão. A ação no Supremo ainda tem recursos a serem apreciados.
Segundo o projeto de lei, os novos contratos terão duração de seis ou 12 meses, permitida a prorrogação, conforme a finalidade de contratação. Poderá haver também, dentro desses limites, contratações pelo prazo necessário para a substituição de servidores. A remuneração deverá ser compatível com salários de servidores com a mesma função ou de acordo com o mercado.
O governo de Minas avalia que a partir de fevereiro de 2021, caso o PL 2150/20 não tenha sido aprovado, não será possível manter os mais de 48 mil profissionais necessários para adequada prestação de serviço dos órgãos e entidades ligados ao executivo estadual, inclusive na Saúde e Educação. Só na FHEMIG, que gerencia os hospitais públicos da rede estadual, 3.717 funcionários contratados estão sob risco de exoneração.
“Caso não seja aprovado, nós vamos cumprir a decisão judicial, pois o governador não tem opção, e até fevereiro teremos que cancelar os contratos e buscar outras soluções, que, de forma imediata, seria a terceirização ou a busca de parceiros que possam realizar os serviços em nome do estado. A aprovação desse projeto de lei permitiria ao estado a renovação imediata dos atuais servidores contratados e nós teríamos um prazo de até dois anos para, ou fazer um processo seletivo simplificado para os casos que essa solução for a mais correta, ou a elaboração de concurso público”, afirma o secretário de Planejamento e Gestão de Minas (Seplag), Otto Levy.
Na última semana, veiculou nas redes sócias um vídeo em que funcionários do Hospital João XXIII, que fica na capital, atacam o teor do Projeto de Lei 2150/2020. Na manifestação, os servidores, identificados por legenda como da equipe do laboratório da unidade, afirmam que a proposta gera “danos irreversíveis aos usuários do sistema público de saúde” em razão, entre outros motivos, pela contratação de funcionários pelo tempo determinado de um ano, renovável por apenas mais um, que “compromete a qualidade dos serviços prestados, uma vez que há a necessidade de tempo mínimo para treinamento funcional desses servidores”.
E completam que a “ilegalidade do processo seletivo não pode ser atribuída ao servidor, já que a contratação foi respaldada por legislação pertinente” elaborada pelo estado e que “é arbitrário que o servidor arque com as consequências da má gestão e improbidade administrativa”.
O manifesto, que se refere ao projeto de lei como uma “arbitrariedade imposta pelo governo Romeu Zema”, não cita a intervenção do poder Judiciário, que, segundo o secretário Otto Levy, colocou a aprovação de uma nova norma como a única forma de solucionar os problemas apontados. “O objetivo único do PL 2150 é solucionar as inconstitucionalidades das leis existentes. Nada além disso! Não queremos modificar a natureza do serviço público” pontua.
Nesta quarta-feira (9/12), funcionários da Fhemig anunciaram greve e acamparam em frente à Assembleia Legislativa (ALMG), no Bairro Santo Agostinho, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. Os manifestantes anunciaram que vão permanecer no local por 48 horas em protesto contra o possível fim dos contratos temporários.%u2028%u2028
TRAMITAÇÃO
Segundo a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a proposição aguarda parecer da Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO) em 1º turno. A partir disso, o avanço da matéria na Casa depende de decisões e acordos políticos, não sendo possível prever quando será pautado nas comissões e no Plenário.
Reeleito presidente da ALMG até janeiro de 2023, o deputado Agostinho Patrus (PV) subiu o tom contra o secretário Otto Levy na sexta-feira (4), após o titular da Seplag cobrar reiteradamente a aprovação do projeto. “O secretário Otto Levy é conhecido aqui (na ALMG) como ‘secretário fake news’; Ele já veio aqui, no ano passado, e disse que, se a Assembleia votasse em 15 dias a antecipação do nióbio, tinha 30 ou 40 empresas cadastradas na Bolsa de Valores para comercializar (os créditos). A hora que ele começar a falar a verdade e expor as coisas com realidade, vamos ouvir”, disse, em menção ao aval, dado no ano passado, à venda antecipada de créditos da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig) sobre o nióbio explorado nas minas de Araxá, no Triângulo.
O líder do governo Zema na Assembléia, deputado Raul Belém (PSC) acredita na aprovação da matéria ainda nesta semana. “Sem a aprovação do 2150 não teremos previsão legal para fazermos as contratações de servidores de diversos setores. Acredito que as divergências dentro da ALMG estão sendo sanadas através do diálogo com o governo”, assegura Belém, em mensagem enviada ao Estado de Minas.
O deputado estadual Sávio Souza Cruz (MDB) defende a necessidade de o legislativo ajudar a formular um regulamento que dê tranquilidade ao governo para manter as “indispensáveis” contratações temporárias, mas admite que o projeto foi pouco discutido e pouco explicado pelo executivo, que enviou o texto no argumento do “ou vota ou manda embora”.
“A gênese dessa necessidade foi a declaração de inconstitucionalidade da legislação mineira que estabelecia as regras para as contratações temporárias e permitia a renovação desses contratos por até oito anos. Não há como insistir nisso depois dessa declaração e é imperioso a aprovação de uma nova regra que atenda a essa necessidade sem criar riscos adicionais para os servidores públicos que já vem recebendo tantas ameaças nos últimos tempos”, adverte.
A deputada Beatriz Cerqueira (PT), presidente da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia, avalia que o PL 2.150/20, não só reafirma aquilo que o Judiciário já declarou inconstitucional como pretende transformar a contratação temporária em uma ação permanente, desvinculada de realização de concursos públicos e abrindo portas para terceirizações, privatizações, fim de carreiras e precarização do trabalho no serviço público. É necessária ter legislação regulamentando contratação no estado, mas sem precarizar a condição do trabalhador”, afirma.
Cerqueira apresentou emenda para que a educação seja retirada deste projeto, pois considera que a área tem uma dinâmica própria de contratação, “que não cabe no que o governo quer impor”. Na quinta-feira (3) foi aprovado requerimento, de autoria da deputada para debater a matéria, em audiência pública.
* Estagiário sob supervisão da subeditora Ellen Cristie.