Jornal Estado de Minas

REAÇÃO

Deputados do Novo de MG falam sobre oposição à Convenção contra o Racismo

O posicionamento do Partido Novo contra a ratificação da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância repercutiu mal para a legenda.



O Novo foi o único partido a se opor ao texto, aprovado na Câmara dos Deputados em dois turnos nessa quarta-feira. A matéria será enviada ao Senado e, se for aprovada, será incorporada à Constituição, na forma de emenda.

Pelas redes sociais, diversas pessoas questionaram o voto dos representantes do Novo na Câmara. Vários usuários do Twitter publicaram fotos de atos de campanha do partido e de seus representantes no Congresso, onde é possível ver apenas pessoas brancas, associando essas imagens ao posicionamento da legenda na votação.

O deputado Ivan Valente (PSOL-SP) foi um dos que fez duras críticas ao Novo.

“O Partido Novo nasceu retrógrado e racista! O Congresso aprovou a Convenção Interamericana contra o Racismo, incorporado à Constituição brasileira. O Partido Novo votou contra. O que eles trazem de "novo" é o que há de mais antigo no Brasil: elitismo e discriminação”, declarou o parlamentar pelo Twitter.




Alencar Braga, deputado federal pelo PT-SP também censurou a posição dissonante do Novo.

“O partido Novo votou CONTRA a ratificação da Convenção Interamericana sobre Racismo. Os argumentos são frágeis e escondem a mesma hipocrisia que fez o Brasil ser o último país do mundo a abolir a escravidão formalmente. Só faltou dizer também que está na moda falar em racismo”, afirmou pela rede social.

O perfil Jovens Reacionários ironizou ao publicar uma foto da campanha do ex-candidato à presidência da República e presidente do Novo, João Amoedo, ao lado de imagens das seleções de futebol de Portugal e França: “Você já parou pra pensar que seleções europeias conseguem ter mais diversidade que o Partido Novo?”

O que diz o Novo

Durante a votação do projeto na Câmara, o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), justificou o posicionamento do partido.

“Nós entendemos que uma série de dispositivos aqui são muito impositivos, mas outros estão por garantir constitucionalmente determinadas iniciativas com as quais não concordamos, dentre elas, inclusive, a possibilidade que parlamentos como este venham a ser preenchidos, nos eleitos e não nos candidatos, de acordo com a política de cotas”, afirmou.



A reportagem do Estado de Minas procurou os deputados mineiros do Partido Novo, Tiago Mitraud e Lucas Gonzalez.

Lucas Gonzalez disse que preferia não responder nossas perguntas. Disse que o posicionamento dele é o mesmo que consta na nota publicada pelo Partido Novo no Instagram (veja íntegra no fim desta matéria).

Deputado Lucas Gonzalez (Partido Novo) (foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

E completou: “É ilusão da população achar que um projeto de lei vai acabar com o racismo. O que acaba com o racismo é influência na cultura, de dignidade da pessoa humana, e não um projeto de lei”.

Já segundo Tiago Mitraud, a escolha do Novo foi realizada após debate e se baseou nas convicções de seus parlamentares.

 

“O que vemos nas redes sociais é um extrato de pessoas que estão sempre buscando criticar o Partido Novo quando votamos de forma contra o status quo. Infelizmente, temos muitos parlamentares aqui que, por medo da repercussão em redes sociais, votam contra suas convicções e contra os potenciais efeitos maléficos de determinadas proposições. No Novo, fazemos um trabalho muito técnico. Temos uma assessoria e uma bancada extremamente qualificadas. Debatemos a fundo cada um dos projetos que são votados e votamos de acordo com nossas convicções. No caso da convenção, é óbvio que nós, toda a bancada do Novo, somos contrários ao racismo e a qualquer prática que se aproxime dele. Mas, por mais que a convenção tem um nome de ‘Convenção Interamericana de Combate ao Racismo’ não significa que qualquer proposta que venha da convenção seja a melhor e a mais adequada para se combater o problema”, declarou.





 

Nas eleições de 2018, 24,4% dos deputados federais eleitos se declaram pretos ou pardos. Os demais 75,6% são brancos e pertencentes a outras etnias (indígenas e amarelos).


Mitraud exemplificou um dos pontos de discordância do Novo sobre o texto da convenção citando a política de cotas para pessoas negras para diminuir a desigualdade nos espaços de poder.

 

“Por sermos bastante contrários a alguns dos artigos nos vemos obrigados a votar contra o texto da convenção, o que realmente não significa que somos favoráveis ao racismo. Somos contrários à proposta da convenção. Exemplifico aqui um ponto. O artigo 9º do tratado faz uma referência a obrigar os estados a garantir a diversidade nos sistemas político e jurídico proporcional ao equivalente à sua diversidade populacional. Isso poderia levar nosso Judiciário a uma interpretação de criação de cotas na representação popular nos parlamentos brasileiros. E o Novo é contra essa medida. Somos contrários, por exemplo, à cota de candidaturas de mulheres. Nem por isso, o Novo deixa a desejar nesse quesito. Somos o partido que mais elegeu mulheres proporcionalmente nas eleições de 2020. Mas não acreditamos que as formas de resolver a falta de representatividade de determinadas grupos da população é criando cotas. O texto da convenção tinha alguns elementos que, de acordo com os princípios que nos elegeram, somos contrários. E por conta disso nos viemos obrigados a votar contra”, afirmou.





Fotos do Novo

 

Questionado sobre as fotos que viralizaram nas redes sociais, em que só há pessoas brancas em reuniões do Partido Novo, o deputado Tiago Mitraud reconheceu que a legenda não tem em seu quadro uma quantidade representativa de pessoas de outras etnias.

 

 

“Com relação às fotos do Novo com apenas pessoas brancas, realmente e infelizmente, temos uma representatividade de negros menor do que outros partidos e da população. Isso é um fato. Analisando os dados disponíveis no TSE podemos ver isso. Vale lembrar que é um partido que surgiu somente há cinco anos. O grupo inicial do Novo veio da Região Sudeste e ainda estamos expandindo para outras áreas do país, onde acreditamos que, ao longo do tempo, vamos conseguir ter representatividade mais próxima do que é da população. Não significa que não tenhamos negros dentro do partido. Tivemos inúmeros candidatos negros nas eleições deste ano”, justificou.

 

Ele completa citando exemplos de outros partidos em que a realidade é a mesma. “Eu também poderia pegar fotos de alguns partidos de esquerda em que só temos homens, brancos, héteros. Isso é uma forma que as pessoas tentam descredenciar o partido, pegando recortes específicos para tentar de alguma forma atacar o Novo. Porque temos nossas convicções contrárias a quem se deixa levar pela maré das redes sociais”.



Deputado Tiago Mitraud (Partido Novo) (foto: Wilson Dias/Agência Brasil)

Ações afirmativas

 

Um dos princípios gerais de Direito, que norteia a Constituição Federal, é o princípio da igualdade. Apesar do que o nome poderia dar a entender, não se trata de tratar todas as pessoas da mesma forma, e sim, de fornecer igualdade de condições para que todos os cidadãos possam ter acesso a direitos e garantias fundamentais.

 

 

Nas palavras do jurista Nelson Nery Júnior, “dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades”.


Para isso, há diversas políticas nacionais e internacionais chamadas ações afirmativas, que tratam pessoas de forma diferente, de acordo com sua realidade. Por exemplo, o fato de mulheres, em regra com compleição e força física menores que os homes, se aposentarem com menos idade. Ou o acesso a universidades de pessoas negras, em geral, alijadas do acesso ao ensino acadêmico, por meio de cotas.



Questionado acerca da possibilidade de as ações afirmativas propostas pela Convenção Interamericana contra o Racismo serem uma forma de reduzir a desigualdade racial no Brasil, Tiago Mitraud argumentou que este não seria o melhor caminho.

 

 

“Acreditamos que não é dessa forma conseguimos minimizar essa desigualdade. Quando aplicamos, por exemplo, uma cota nas candidaturas, vamos tirando da população o direito que ela tem de eleger quem gostaria de representá-la. Indo contra o direito de escolha dos próprios representantes. Gostaria de ver mais mulheres, mais negros na política. Mas temos que trabalhar em preparar mais candidatos desses grupos sub-representados, para que eles tenham condições de disputar de igual para igual eleições”, disse.

 

Disse, ainda. “O Novo, ao contrário de outros partidos que se dizem a favor dessas medidas, dividimos nossos recursos para todos os candidatos, de forma igualitária. Outros partidos distribuem o fundo partidário especialmente para os seus líderes, que em geral são brancos, homens, héteros, ao invés de fazer uma distribuição mais equitativa. No Novo, damos condições de igualdade para todos os candidatos para competir nas eleições igualmente”.





 

Sobre a ausência de resultado prático desse tratamento igualitário para reduzir a desigualdade racial na política, Mitraud ressalta a alta representatividade proporcional das mulheres no Novo e diz que a cobrança deve ser feita às demais legendas.

 

“Cobrar isso do Novo, que só disputou até hoje três eleições, é um pouco injusto. Deveríamos estar cobrando mais dos partidos que estão há 30 anos disputando eleições no Brasil. Olhando que já fizemos nas eleições 2020, elegendo mais mulheres,  já temos um resultado muito melhor do que outros. Tenho certeza que nos próximos anos também na questão de diversidade racial vamos ter atingir melhores resultados”, projeta.

Veja a íntegra da nota do Partido Novo

A Câmara dos Deputados aprovou o PDL 861/2017, que trata da Convenção Interamericana Contra o Racismo. Apesar da inegável importância do tema e de acreditarmos não haver lugar para o racismo na sociedade, tínhamos pontos importantes de discordância com o projeto. Entenda:



Até o momento, apenas cinco países membros da Organização dos Estados Americanos (OEA), formada por 35 países, ratificaram a Convenção: Antígua e Barbuda, Costa Rica, Equador, México e Uruguai. Essa baixa taxa de adesão indica o alto nível de dificuldade dos países membros do bloco de transformar o texto da Convenção em norma legal.

O PDL prevê aprovação da Convenção com status equivalente ao das Emendas à Constituição, o que significa que regras como as que atualmente são previstas em lei, poderão ser transformadas em matérias constitucionais, que são bem mais difíceis de serem modificadas. Entre essas regras está a adoção de políticas especiais e ações afirmativas que visam garantir a igualdade de oportunidades. A Convenção prevê que essa medida dure um tempo determinado para alcançar seu objetivo, mas a aprovação como matéria constitucional pode torná-la permanente.

O estabelecimento de cotas na representação parlamentar, caso transformado em matéria constitucional, pode abrir brechas para que se garanta cotas de representatividade nos corpos parlamentares do país por via judicial. O NOVO é favorável à igualdade de oportunidades e defende que todos tenham acesso às urnas e possam concorrer pelo voto dos brasileiros em eleições livres, sem qualquer discriminação.

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