O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse nesta terça-feira, 15, que são "graves" as acusações de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) elaborou orientações para auxiliar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), mas ressaltou que ainda faltam provas para confirmar o episódio. Aras cobrou informações do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e da Abin sobre o caso.
"O fato em si narrado é grave, o que não temos são provas desses fatos, nós não trabalhamos com narrativas. Trabalhamos com fatos e provas", disse Aras, durante conversa com jornalistas na sede da Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília, para fazer um balanço de fim de ano.
"Por enquanto temos fatos transmitidos pela imprensa, que levamos a sério. Mas precisamos ter elementos, não podemos trabalhar apenas com a informação jornalística. Por enquanto temos as narrativas, mas não temos as provas", completou o procurador.
Indicado ao cargo pelo presidente Jair Bolsonaro sem disputar a eleição interna promovida por procuradores, o chefe do Ministério Público Federal disse que esperava que os parlamentares que acionaram a PGR fornecessem elementos para comprovar as suspeitas de ajuda da Abin, mas observou que as provas não foram encaminhadas. "O MP vai ter de fazer a investigação. Vamos fazer perguntas aos órgãos competentes, ficamos à mercê dessas respostas", afirmou.
"Sem os elementos ao menos indicados pela imprensa estaremos com dificuldade para fazer essas investigações, mas a imprensa contribuiria muito se fornecesse os elementos materiais", acrescentou Aras.
Durante uma hora de conversa com repórteres, o procurador também defendeu a necessidade de distinguir a atuação do órgão público e a de seus agentes. "Nesse momento não sabemos se temos uma atuação do órgão ou de algum agente público que se desviou de suas atividades lícitas. Em tese pode ser até crime, o que precisamos saber é se o fato existiu e precisamos ter elementos", frisou.
O procurador reuniu a imprensa para um balanço de fim de ano de sua gestão, em uma sala ventilada na cobertura da PGR. Todos os presentes usaram máscaras.
Prazo
Na última segunda-feira, 14, a ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal, cobrou informações do ministro-chefe do GSI, general Augusto Heleno, e do diretor-geral da Abin, Alexandre Ramagem, sobre as orientações. A ministra fixou o prazo de 24 horas para receber respostas.
A Abin produziu dois documentos em que detalha o funcionamento de suposta organização criminosa na Receita Federal que, segundo a defesa de Flávio, teria feito uma devassa nos dados fiscais do senador. Em um dos documentos, a finalidade descrita é "Defender FB no caso Alerj". A informação foi revelada pela revista Época e confirmada pelo Estadão.
Entre as sugestões listadas pela agência estão a demissão de servidores do Fisco e da Controladoria-Geral da União (CGU), órgão responsável pela fiscalização da administração pública.
A revista Época mostrou nesta segunda que um dos servidores citados foi exonerado "a pedido" há duas semanas e outras duas sugestões foram seguidas pela defesa: apresentação de um pedido de Lei de Acesso à Informação para colher provas de que o perfil de Flávio Bolsonaro foi acessado indevidamente pela Receita e a apresentação de uma notícia-crime na Procuradoria-Geral da República.
Em despacho, Cármen afirmou que o caso "é grave" e aponta para descumprimento de decisão da Corte, que firmou entendimento de que a Abin somente pode fornecer dados quando comprovado o interesse público da medida e sob controle do Judiciário, ficando vedado o repasse de informações de inteligência com objetivo de atender interesses pessoais ou privados.
"O quadro descrito pelo autor da Petição é grave. Este Supremo Tribunal Federal afirmou, expressamente, na decisão da medida cautelar, a ilegitimidade de uso da máquina ou de órgãos estatais para atender interesses particulares de qualquer pessoa", anotou Cármen. "Para apreciar os pedidos apresentados pela autora são necessárias informações do Diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência e do Ministro do Gabinete de Segurança Institucional sobre o alegado na petição".
A cobrança de informações é a terceira decisão em dois dias que o Supremo profere contra o governo. Nesta segunda-feira, o ministro Edson Fachin suspendeu resolução do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior, secretaria vinculada ao Ministério da Economia, que zerava a alíquota de imposto de importação sobre revólveres e pistolas. No domingo, 13, o ministro Ricardo Lewandowski cobrou explicações do Ministério da Saúde sobre o prazo de vacinação contra a covid-19.
Assistência
As orientações da Abin à defesa de Flávio Bolsonaro teriam sido enviadas pelo WhatsApp. São dois textos digitados diretamente no aplicativo e não compartilhados como relatórios de inteligência em arquivo timbrado da Abin ou papel digitalizado.
Além das sugestões envolvendo a demissão de servidores, os relatórios orientam a defesa de Flávio a busca de acesso a dados de uma "apuração especial" no âmbito do Serpro, para garantir registros de acesso a dados fiscais na Receita. Os advogados do senador apresentaram o pedido de Lei de Acesso para obter essas informações.
Em outro trecho, uma advogada de Flávio Bolsonaro é aconselhada a conseguir uma audiência para "tomar um cafezinho" com o chefe da Receita Federal do Brasil (RFB), José Tostes Neto. Ela deveria, então, exigir de Tostes informações e avisar que ajuizaria uma ação para obter acesso a relatórios internos da Receita que, no entendimento da defesa, teriam potencial de demonstrar acessos anteriores indevidos aos dados do senador.
Os relatórios são desdobramentos de uma reunião realizada em agosto entre a defesa de Flávio com Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e o próprio presidente Jair Bolsonaro, no Planalto. O encontro é alvo de uma apuração preliminar na PGR, que apura se há indícios suficientes para abrir inquérito contra Heleno e Ramagem.
Insatisfação
O caso provocou reações de insatisfação entre associações de servidores da Abin. A ala dos oficiais e agentes de carreira vive um desconforto com ações supostamente atribuídas a servidores de fora, nomeados por Ramagem.
O delegado era chefe da segurança de Bolsonaro em 2018 e ganhou intimidade com os filhos do presidente, com quem costuma confraternizar. Ele foi pivô da crise que culminou com a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Bolsonaro queria emplacar Ramagem no comando da PF, o que o ex-juiz da Lava Jato considerou uma interferência para influenciar nas investigações contra filhos do presidente.
Em nota, o GSI reafirmou manifestação enviada após a revelação da reunião de Heleno com a defesa de Flávio Bolsonaro e disse que a pasta "não realizou qualquer ação decorrente, por entender que, dentro das suas atribuições legais, não lhe competia qualquer providência a respeito do tema". "As acusações são desprovidas de veracidade, se valem de falsas narrativas e abordam supostos documentos, que não foram produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência", afirmou.