A Polícia Federal deflagrou na manhã desta terça, 15, a Operação Kickback para investigar suposto esquema de desvio de recursos da Saúde do Rio com a liberação irregular de pagamentos do Estado a uma organização social que tinha valores a receber sob a modalidade 'restos a pagar'. Segundo a PF, a fraude pode ter gerado prejuízo de mais de R$ 50 milhões aos cofres públicos.
A ação é um desdobramento da Operação Tris in Idem, que resultou no afastamento do governador Wilson Witzel.
Cerca de 40 agentes cumprem dois mandados de prisão preventiva - contra um advogado e o sócio de uma empresa ligada ao operador financeiro do esquema sob suspeita - e fazem dez buscas em endereços do Rio, Niterói, Nova Iguaçu (RJ) e Juiz de Fora (MG).
As ordens foram expedidas pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, que decretou ainda medidas cautelares diversas da prisão a um outro investigado e também determinou a indisponibilidade de bens dos suspeitos.
A investigação tem como base a delação premiada de Edmar Santos, ex-secretário de Saúde do Estado do Rio de Janeiro. O nome da operação faz referência a termo utilizado pelo colaborador para designar o pagamento de propina no esquema, diz a PF
Segundo a corporação, a organização social sob suspeita atua em Juiz de Fora (MG) e no Rio de Janeiro e recebeu cerca de R$ 280 milhões em dívidas inscritas em 'restos a pagar' em troca de pagamento de propina de 13% sobre o valor quitado.
"Esse valor daria prioridade à Organização Social no recebimento dos recursos, já que diante da difícil situação financeira em que se encontra o Estado do Rio de Janeiro, nem todas as dívidas poderiam ser quitadas", explicou a corporação.
De acordo com o STJ, os investigadores apontam que um dos grupos da organização criminosa revelada na Operação Tris in Idem buscava ilicitamente recursos da Saúde, direcionando licitações e cobrando propina para liberar pagamentos de dívidas - classificadas como restos a pagar e despesas de exercícios anteriores - a entidades que mantinham contratos com o governo estadual.
"Em março de 2019, foi criada por decreto uma comissão de avaliação dos restos a pagar, com a intensão de filtrar pagamentos. O MPF narra que o líder do grupo de influência intercedeu junto ao governador para que flexibilizasse o decreto sobre os restos a pagar na área da saúde e que isso efetivamente aconteceu, com a reedição do decreto, liberando tais pagamentos da análise da comissão", apontou o STJ em nota.
Segundo a corte, entre as prisões decretadas está a de um advogado, sócio do escritório que teria sido utilizado para transferência dos recursos creditados à organização social para o grupo criminoso. O Ministério Público Federal aponta que ele foi o responsável por requerer administrativamente os pagamentos.
Os honorários eram de 20%, dos quais 13% teriam sido transferidos a um operador financeiro. Nessa linha, os repasses ilícitos feitos pela organização social ao grupo criminoso chegariam a R$ 53 milhões.
Ao avaliar o caso, o ministro Benedito Gonçalves observou que há uma complexa teia de pessoas físicas e jurídicas, em típica formatação de atividade organizada para o fim de praticar crimes de corrupção e lavagem de capitais.
Prisões e medidas alternativas
Ao justificar a ordem de prisão do advogado e do sócio de uma empresa ligada ao operador financeiro do esquema, o ministro concluiu estarem presentes a materialidade e os indícios suficientes de autoria, bem como a necessidade de garantir a ordem pública e a instrução criminal. "O estado de liberdade deles gera perigo e justo receio de reiteração criminosa, destruição de provas e dissipação de bens e valores em tese angariados ilicitamente", afirmou.
"A suposta organização criminosa atua, em tese, de forma a não se perceber de antemão ou sem visão de conjunto os intrincados e ao mesmo tempo fluidos vínculos entre os agentes, pois muitas contratações são forjadas por meio de interpostas pessoas, ou ainda mediante reuniões secretas (maximizadas pelos mecanismos tecnológicos)", destacou o ministro.
Quanto ao dirigente da organização social, Benedito Gonçalves concluiu ser possível frear a atividade criminosa com a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão: proibição de acesso a órgãos e entidades públicas do estado; proibição de contato com os advogados do escritório investigado por envolvimento no esquema; entrega do passaporte e monitoramento eletrônico.