O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aproveitou uma entrevista concedida ao filho, deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para negar a prática de distribuição de cargos do governo em troca de apoio político. Bolsonaro afirmou que não haveria loteamento de funções na administração federal.
Conforme o Estadão mostrou na semana passada, o governo está oferecendo posições e emendas parlamentares a deputados para que votem no deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), líder do bloco chamado "Centrão", para eleição para a presidência da Câmara dos Deputados.
"Tem muita gente interessada que eu não continue (na Presidência da República). Gente de dentro e de fora do Brasil. Nós mudamos o Brasil. Dois anos sem corrupção. Não houve loteamento de cargos. Veja se tem indicação política como tinha no passado para a Petrobras, por exemplo", disse Jair Bolsonaro, em um vídeo exibido no canal do YouTube do filho neste sábado, 19.
Apesar da afirmação do presidente, o gabinete do ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, no 4.º andar do Palácio do Planalto, tem sido palco de reuniões em que deputados ouvem os argumentos do governo em defesa da eleição de Lira. De lá, saem com promessas de emendas parlamentares, algumas além daquelas a que já têm direito, e de cargos a preencher em seus redutos eleitorais.
O ex-ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), foi demitido, após dizer, em um grupo de WhatsApp formado por ministros, que Ramos havia oferecido o seu cargo ao Centrão para influenciar na eleição da Câmara.
A quebra da promessa de campanha de não fazer indicações políticas em troca de apoio ficou mais visível desde abril, quando subiu o risco de impeachment do presidente Jair Bolsonaro, em um momento no qual, de um lado, se agravava a crise do coronavírus, e, do outro, seus apoiadores clamavam por intervenção militar, em manifestações nas quais o presidente se fazia presente.
Sem uma base de apoio no Congresso, o presidente começou a ofertar cargos em troca de votos, em reuniões com presidentes e líderes de partidos do grupo batizado como "Centrão raiz", entre os quais Progressistas, PL, PSD e Republicanos. A intenção era isolar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o seu partido. Segundo o Estadão apurou à época, Bolsonaro estava convencido que Maia queria "enfiar a faca" em seu pescoço para derrubá-lo, e então mudou o modelo de articulação no Congresso, fechando alianças diretamente com deputados e senadores que antes carimbava como representantes da "velha política".
Foi naquele mês que Bolsonaro recriou o Ministério das Comunicações e colocou no comando da pasta o deputado Fábio Faria (PSD-RN), membro do Centrão e também genro do apresentador e empresário Silvio Santos, do SBT.
Até o fim de maio, o PL, de Valdemar Costa Neto, havia emplacado o ex-senador Vicentinho Alves (PL-TO) para a Secretaria Nacional de Infraestrutura do Ministério do Turismo, pasta então chefiada por Marcelo Álvaro Antônio. Também indicado pelo PL, Arnaldo Correia de Medeiros para o cargo de secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
O PL foi contemplado com a indicação de Fernando Marcondes de Araújo Leão, em 6 de maio, para o comando Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), autarquia com orçamento de R$ 1 bilhão neste ano. A negociação também envolveu o Progressistas, de Arthur Lira, já no contexto de uma preparação para a eleição para a Câmara dos Deputados. Como o Estadão mostrou, ele repassou o apadrinhamento do cargo ao deputado Sebastião Oliveira (PL-PE).
Giovanne Gomes da Silva, por sua vez, ligado ao PSD, foi nomeado para a presidência da Fundação Nacional de Saúde (Funasa). A entidade tem como função principal tocar ações sobre saneamento, área de aposta do governo federal para receber investimentos privados assim que o Congresso aprovar o novo marco legal do setor.
Reportagem do Estadão/Broadcast em junho mostrou que o Centrão já havia emplacado ao menos oito nomes no governo federal, após a aproximação do presidente. Os cargos são para órgãos que, no total, dispõem de um orçamento de ao menos R$ 65 bilhões para 2020. A maior fatia vem do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), com R$ 54 bilhões, que agora é comandado por Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI).
A aproximação de Bolsonaro com o Progressistas também envolveu uma indicação para uma diretoria na estatal Companhia de Desenvolvimento das Bacias do São Francisco e Parnaíba (Codevasf), em julho. Davidson Tolentino De Almeida, tomou posse como diretor da Área de Revitalização das Bacias Hidrográficas. Ele é próximo do presidente do partido, senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI), espécie de líder do Centrão no Senado.