Jornal Estado de Minas

Administração pública

Mariana: cidade em crise e Câmara Municipal faz compras para vereadores

Apoiados no artigo 24, inciso II da Lei 8.666/93, que permite compras sem passar pelo processo de licitação, a Câmara Municipal de Mariana, Região Central de Minas Gerais, publicou no Diário Oficial Eletrônico de Mariana a compra de oito aparelhos smartphones para os gabinetes dos vereadores. Para completar, foi publicado no mesmo veículo, nessa segunda-feira (25/01), a compra de 15 notebooks para os vereadores.





Segundo a publicação, com a justificativa de atender as necessidades dos Gabinetes parlamentares, a compra dos oito aparelhos ficou em R$16.016, um pouco mais de R$ 2 mil para cada smartphone, e a empresa que vendeu foi a Mimáquinas LTDA. Já os 15 notebooks serão adquiridos por meio de processo licitatório, que terá abertura em 4 de fevereiro, às 10h.

De acordo com o professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Ouro Preto, (UFOP), Frederico Matos, esse tipo de despesa de compras, em regra geral, está no artigo 37 da Constituição Federal, porém o artigo 24, inciso II da Lei 8.666/93 garante a dispensa de licitação quando o valor é considerado pequeno. No caso, R$16.016 está permitido.

“Essa contratação direta, sem licitação, do ponto de vista da legalidade não há problema, mas podemos pensar que a moralidade também é um dos princípios da administração pública brasileira. Pode-se, então, questionar juridicamente essa contratação com base na ideia da moralidade administrativa, que nos faz refletir se é moral, se é ética, essa contratação no momento que o país está vivendo uma crise, inclusive no contexto fiscal”.





O salário bruto dos vereadores de Mariana está em R$10.128,90. Além disso, os representantes do legislativo recebem, cada um, a verba indenizatória, no valor de R$ 7 mil, mediante apresentação de nota com os gastos, e ainda verbas de gabinete, destinadas a cobrir gastos como serviços gráficos e telefonia.

De acordo com a Câmara Municipal de Mariana, a aquisição foi feita para atendimento dos gabinetes dos vereadores que iniciam o mandato no ano de 2021, ou seja, os vereadores reeleitos não receberam esses aparelhos. A troca foi feita pela atualização da tecnologia, que segundo a Câmara Municipal, os aparelhos anteriores já estavam obsoletos e alguns encontravam-se danificados por terem mais de 2 anos de uso.

Frederico Matos também questiona se há um parâmetro dentro da Câmara Municipal que defina o ciclo de vida dos objetos licitados. “É importante saber se existe uma normativa de compras de aparelhos em que é esclarecida de quanto em quanto tempo a Câmara Municipal troca os celulares funcionais ou se é a primeira vez que os gabinetes estão adquirindo os aparelhos”.



Ainda segundo a Câmara Municipal, devido à pandemia da COVID-19, os vereadores estão realizando reuniões virtuais e muitos deles utilizam o celular para participar desses encontros. O aparelho fica sob cuidado e responsabilidade do vereador que responde por eventual mal uso, mas não existe tempo ou durabilidade dessa aquisição. E não há previsão de substituição, porque essa aquisição foi prevista para até 4 anos de uso.

Mesmo com a crise a flexibilização aumenta

Ainda segundo Matos, esses limites de valores de compras sem licitação estão variando muito e vão variar mais ainda. Para entender melhor essa história, desde 1998 os valores da despesa são calculados dentro de um limite de percentual conhecido como Convite. Na Lei 8.666/93, o valor era de R$80 mil, com a porcentagem de 10% dando um teto para comprar sem licitação de valores abaixo de R$ 8 mil. Em 2018, um decreto do então presidente Michel Temer (MDB) atualizou os valores da Lei e de R$80 mil foi para R$176 mil reais e essa dispensa de 10% agora está em R$ 17.600, acima do valor dos smartphones.

Segundo o professor, em 2020 outra mudança aconteceu para tentar flexibilizar as regras de licitação. Foi editada uma Medida Provisória (MP) que foi convertida na Lei 14.065/2020. Essa Lei admitiu que durante o estado de calamidade pública, devido à pandemia da COVID-19, os valores para compras ficariam dispensados a licitar se fossem majorados abaixo de R$50 mil, até 31 de dezembro do ano passado. 





Agora um novo decreto legislativo vai renovar esse prazo para junho de 2021, e esse limite de R$17.600 vai voltar para R$50 mil.

Mas a Lei 8666 de 1993 também está para ser modificada. No dia 10 de dezembro, o Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 4.253/2020, que cria um novo marco legal para substituir a Lei das Licitações (Lei 8.666/1993), a Lei do Pregão (Lei 10.520/2002) e o Regime Diferenciado de Contratações (RDC - Lei 12.462/11).

“Foi aprovado pelo Senado e agora está na Secretaria-Geral da Mesa para uma revisão do texto e se for sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) da maneira como está, os valores sem licitação vão subir ainda mais. A partir disso, poderemos ver com mais frequência esses tipos de compras pelas Câmaras Municipais do país. O que questiono é se devido a atual crise dentro das cidades, inclusive na saúde, existe como prioridade a compra de um aparelho”.

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