Segundo David Francisco Lopes Gomes, professor da Faculdade de Direito da UFMG, a carta está sendo divulgada nas redes sociais para conhecimento da comunidade acadêmica da universidade e para que mais pessoas possam assiná-la. No entanto, ele ressalta que apenas pessoas formadas na UFMG ou que lecionam na universidade podem aderir ao movimento.
Aqueles que se interessarem, podem assinar clicando aqui.
Forças armadas e sistema eleitoral
De acordo com seus idealizadores, o objetivo da “Carta Pública de Egressas e Egressos e de Professoras e Professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais” é ser “um chamado à sociedade, emanado de pessoas que guardam diferenças profissionais, políticas e ideológicas entre si, mas que se identificam sob a necessidade de defenderem os princípios necessários à vida em uma sociedade democrática e secular, tal como nos foram ensinados por meio do aprendizado jurídico que recebemos em uma universidade pública, gratuita e de excelência internacionalmente reconhecida”, diz o trecho inicial.
Eles defendem “dois elementos civilizatórios inegociáveis em uma sociedade que lutou arduamente pela liberdade: a democracia e os direitos fundamentais.” Em seguida, os juristas elencam as atitudes do presidente que podem ser consideradas como crimes de responsabilidade.
“Não pode um Presidente da República, em uma democracia, afirmar que a manutenção do regime depende das Forças Armadas ou questionar, sem provas e de modo contumaz, a legitimidade do sistema eleitoral.” O trecho se refere à fala do presidente de que "Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são suas Forças Armadas" e das constantes suspeitas que ele faz ao sistema eleitoral brasileiro.
Segundo os juristas, “o direito vigente no país possui instrumentos materiais e procedimentais para responsabilizar quem deseja e atua de modo ostensivo contra a República, atentando contra os direitos políticos e, assim, incorrendo na hipótese de crime de responsabilidade versada no artigo 4o, II da Lei 1.079/1950.”
Condução da pandemia
Outro ponto levantado por eles é “a omissão quanto à implementação de políticas públicas e à aceitação de consensos científicos que pudessem evitar a ocorrência de mais de 210.000 (duzentas e dez mil) mortes por COVID-19, fazendo do Brasil um caso peculiar quanto à genocida condução da crise sanitária global”, já que o presidente constantemente minimiza a gravidade da pandemia.
Por essas atitudes, o presidente viola “além do direito à vida, o direito fundamental social à saúde e, por consequência, cometendo o crime de responsabilidade prescrito na norma do
artigo 4o, II da Lei 1.079/1950.”
Veja a carta na íntegra:
Carta Pública de Egressas e Egressos e de Professoras e Professores da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais
Belo Horizonte, 21 de janeiro de 2021.
Esta carta pública é um chamado à sociedade, emanado de pessoas que guardam diferenças profissionais, políticas e ideológicas entre si, mas que se identificam sob a necessidade de defenderem os princípios necessários à vida em uma sociedade democrática e secular, tal como nos foram ensinados por meio do aprendizado jurídico que recebemos em uma universidade pública, gratuita e de excelência internacionalmente reconhecida.
Estudamos, em diferentes momentos da história brasileira, na Faculdade de Direito da UFMG. Ali, convivemos com múltiplas escolas filosóficas, referências teóricas e influências quanto ao fazer técnico-jurídico. Em nossas
trajetórias, efetivamos as mais diversas escolhas profissionais, científicas e disciplinares, sem medo de errar, podemos afirmar que a pluralidade e a diversidade nos definem.
Congregam-nos, por outro lado, a defesa de dois elementos civilizatórios inegociáveis em uma sociedade que lutou arduamente pela liberdade, forjando mártires inclusive entre nossos alunos, como José Carlos Novaes da Mata
Machado: a democracia e os direitos fundamentais. Esta é a síntese do aprendizado e do acordo que encontramos na Faculdade de Direito da UFMG.
Sabemos, a partir das nossas lições de Direito Constitucional, que não pode um Presidente da República, em uma democracia, afirmar que a manutenção do regime depende das Forças Armadas ou questionar, sem provas e de modo
contumaz, a legitimidade do sistema eleitoral. O direito vigente neste país, que aprendemos na Vetusta Casa de Afonso Pena, reúne instrumentos materiais e procedimentais para responsabilizar quem deseja e atua de modo ostensivo
contra a República, atentando contra os direitos políticos e, assim, incorrendo na hipótese de crime de responsabilidade versada no artigo 4o, II da Lei 1.079/1950.
Aprendemos, nas mesmas aulas, que a vida é um direito fundamental, em favor do qual Estado e sociedade devem, sempre, dedicar todos os seus esforços. Se há um consenso desde o contratualismo hobbesiano ao contemporâneo constitucionalismo, trata-se do dever inafastável que recai sobre mandatários/as quanto à defesa e proteção à vida das cidadãs e dos cidadãos. Assim, a omissão quanto à implementação de políticas públicas e à aceitação de consensos científicos que pudessem evitar a ocorrência de mais de 210.000 (duzentas e dez mil) mortes por COVID-19, fazendo do Brasil um caso peculiar quanto à genocida condução da crise sanitária global, importa a responsabilização jurídica e política de um Governo que, desse modo, perde a legitimidade e a fundamentação para o válido exercício do respectivo mandato, violando, além do direito à vida, o direito fundamental social à saúde e, por consequência, cometendo o crime de responsabilidade prescrito na norma do artigo 4o, II da Lei 1.079/1950. O estudo do Direito Administrativo nos permitiu entender que os atos administrativos guardam como elemento necessário a respectiva motivação. Esta exigência tornou-se ainda mais nítida após a promulgação da Lei 13.655/2018, que a explicitou no parágrafo único do seu
artigo 20.
Assim, a recomendação e afetação de recursos públicos para medicamentos sem eficácia cientificamente atestada, a negação de medidas de proteção sanitária – como o distanciamento social – e a invocação de escusas falsas – como decisões do Supremo Tribunal Federal que jamais dispuseram sobre o que a elas se atribui – são máculas ao dever de
fundamentar e motivar atos administrativos. O Estado não se move ao sabor de frases inconsequentes proferidas por robôs e ativistas fanáticos em redes da internet. A racionalidade e justificação pública das decisões é, em uma nação
democrática, condição de validade dos atos administrativos. O Governo que despreza o elemento da motivação dos atos administrativos de modo contumaz, colocando a vida e a saúde dos/as respectivos/as representados/as em risco, perde as condições jurídicas e políticas para prosseguir no exercício do respectivo mandato. Malfere, com essa prática, a probidade na Administração e, ao incorrer na hipótese do artigo 11 da Lei 8.429/1992, realiza a conduta que implica a perda de mandato segundo o artigo 4o, V, da Lei 1.079/1950.
A disciplina de Direito Internacional Público, por sua vez, nos permitiu entender que, no plano das relações internacionais e da formulação da política externa, o alvedrio de ideólogos sectários não pode prevalecer sobre os princípios, limites e objetivos constitucionalmente afetados ao assunto. A “cooperação entre os povos para o progresso da humanidade”, por exemplo, é um mandamento inequívoco do artigo 4o, IX, da Carta de 1988. A recusa à ação em colaboração para o desenvolvimento e a produção de vacinas que possam salvar milhões de pessoas, tal como efetivada em vídeos jocosos
disponibilizados na internet, sob alegações de cunho sectário, exige a responsabilização do governante que, também por malferir este dispositivo, deve perder o respectivo mandato. Trata-se de inquestionável atentado à segurança interna do país, ainda que por omissão, de modo que incide o crime de responsabilidade previsto no artigo 4o, IV, da Lei 1.079/1950.
Ao frequentarmos a disciplina do Direito Tributário, foi possível entender que a ideia de seletividade em razão da essencialidade como expediente para a promoção de objetivos fiscais e extrafiscais da República não corresponde a um poder absoluto do governante para impor suas preferências ideológicas ou culturais por meio da política fiscal. Assim, em um país regido pela primazia de direitos fundamentais como vida e saúde e sob a mais gravosa crise sanitária de sua história, é tão inválida como passível de responsabilização a conduta de quem expede normas de redução do aspecto quantitativo do mandamento da norma tributária para operações referentes a armas, ao tempo em que majora
os valores devidos nas transações concernentes a cilindros de oxigênio. É um caso inquestionável de emprego ilegal de recursos públicos, a ensejar a imputação do crime de responsabilidade correspondente ao tipo descrito no artigo 4o, VII, da Lei 1.079/1950.
Os exemplos acima mencionados, infelizmente, não são exaustivos. Evidenciam, porém, suficientemente como o Governo de Jair Bolsonaro incorre, de modo patente e contumaz, contra o ordenamento jurídico brasileiro, contra a ordem constitucional, democrática e republicana instaurada em 1988.
É nosso dever, portanto, em defesa da vida, da saúde, da liberdade e da democracia, exigirmos que o direito seja aplicado ao caso em respeito à Constituição de 1988. Em toda a nossa diversidade, estamos de acordo que o momento difícil, trágico e desolador enfrentado por nossa sociedade tem como condição necessária para a respectiva superação a aplicação dos artigos 85 e 86 da Constituição da República, de modo que o Presidente da República seja submetido a um processo que possa, ao final, destituí-lo legal e legitimamente do respectivo mandato responsabilizá-lo por todos os graves atos praticados contra os/as cidadãos/ãs brasileiros/as.
Este é o pedido que, fundamentados/as no inestimável saber jurídico adquirido em nossos estudos na Faculdade de Direito da UFMG, de forma pública e gratuita, apresentamos nesta carta pública: Impeachment já!
*Estagiária sob supervisão da editora Liliane Corrêa