O Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento que determinará se existe no País o chamado "direito ao esquecimento", no qual uma pessoa poderia proibir a exibição ou publicação de um fato ou acontecimento antigo, ainda que verdadeiro, para preservar a sua intimidade.
O ministro Dias Toffoli, relator do caso, iniciou a leitura de seu voto,na sessão dessa quarta-feira (03/02) mas deixou a conclusão para a sessão de hoje (04/02). Durante a sua fala, Toffoli fez uma avaliação histórica sobre o tema e não indicou seu posicionamento.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra o reconhecimento do direito ao esquecimento. "Se o que hoje é livre de se dizer, o tempo passará e essa liberdade caducará? Como se ela tivesse prazo de validade em uma sociedade livre e democrática?", questionou o vice-procurador-geral Humberto Jacques de Medeiros.
O caso concreto envolve a ação movida pela família de Aída Curi, assassinada em 1958 no Rio de Janeiro. O crime foi amplamente noticiado à época e, em 2004, o programa Linha Direta, da TV Globo, reconstituiu os acontecimentos. Inicialmente, a família de Curi solicitou que o episódio não fosse ao ar e, após a sua exibição, acionou a Justiça em busca de indenizações e pelo "direito ao esquecimento" do caso.
O debate, porém, esbarra na liberdade de expressão, direito à informação e à atividade da imprensa. Organizações que discutem estes temas se manifestaram no Supremo pelo risco de que o direito ao esquecimento, uma vez reconhecido, seja usado por políticos e figuras públicas para retirar conteúdos negativos sobre suas carreiras por meio de ações judiciais.
"Caso o direito ao esquecimento seja reconhecido, a decisão irá beneficiar as pessoas que tentam esconder informação da população", afirmou a advogada Taís Gasparian, que falou em nome da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
O advogado que representa a família Curi, Roberto Algranti Filho, afirmou que o programa sobre o caso Aída Curi disse que a família busca não ter o crime relembrado sob risco de causar "perpetuação de uma dor". "Refuto o argumento baseado de que políticos tentarão apagar seus malfeitos. Eles poderão até tentar, mas dificilmente conseguirão o direito ao esquecimento dada a relevância social e política do controle das atividades políticas por parte da imprensa", afirmou.
O advogado Gustavo Binenbojm, que representou a TV Globo, afirmou ao Supremo que o reconhecimento do direito ao esquecimento equivaleria a uma "amnésia coletiva". "A Constituição prevê a liberdade de informar e de ser informado, independente de censura ou licença de quem quer que seja, de vítimas ou algozes, de autoridades públicas ou de pessoas privadas", afirmou.
Ausências
A sessão será retomada hoje com o voto de Toffoli e dos demais ministros da Corte. O ministro Luís Roberto Barroso já se declarou suspeito e não se manifestará no caso. O ministro Marco Aurélio Mello, que está internado após passar por uma cirurgia no ombro, também não deverá participar da sessão.
Durante o julgamento, entidades de direito defenderam o reconhecimento do "direito ao esquecimento" no Brasil. Segundo Anderson Schreiber, do Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCivil), a ausência de uma decisão do Supremo deixaria o direito à privacidade "sem qualquer proteção". Ele citou o caso de pessoas que são denunciadas e, no final do processo, inocentadas e absolvidas pela Justiça.