Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA

Zema comemora acordo de R$ 37 bilhões com a Vale, mas avalia: 'É o mínimo'

Obras, reformas, geração de empregos, melhora da mobilidade urbana. É o que projeta o governador Romeu Zema (Novo) após a assinatura do acordo com a Vale, para reparação de parte dos danos decorrentes da tragédia provocada pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho. A queda do barramento deixou 270 mortos – 11 com corpos ainda não localizados – em 25 de janeiro de 2019.





 

Quase dois anos após o desastre, a Vale se comprometeu a pagar R$37,68 bilhões ao Governo de Minas. Em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, Zema detalhou o acordo e projetou como serão aplicados os recursos. O governador disse ver o acordo “com bons olhos”, por ter sido celebrado de maneira célere, se comparado com outros eventos que causaram mortes, como, por exemplo, o rompimento da barragem (também da Vale) em Mariana, ocorrido em 2015.

 

Além do Governo de Minas, assinaram o termo de acordo os Ministérios Públicos Estadual e Federal e a Defensoria Pública Estadual. As negociações foram mediadas pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

 

O chefe do Executivo mineiro frisou que as ações indenizatórias cíveis e as e ações criminais ajuizadas contra a Vale seguem tramitando e não serão afetadas pelo termo firmado nesta quinta-feira.





 

O dinheiro do acordo chegará a Brumadinho e a outros 25 municípios atingidos pelo rompimento da barragem. A verba será utilizada na reforma de escolas públicas e unidades básicas de saúde, em melhorias na Rede de Atenção Psicossocial e na educação profissionalizante. A estimativa é que a execução dessas medidas gere, aproximadamente, 365 mil empregos.

 

Parte dos investimentos deverá ser feita diretamente na Região Metropolitana de Belo Horizonte, como melhorias no metrô da capital e na rede Fhemig, com modernização dos Hospitais João XXIII, Julia Kubitschek e João Paulo II. Uma das obras mais aguardadas é a construção de um rodoanel com 100 km de extensão, com três alças passando pela região atingida. Betim deve ser contemplada com 18 km de pista, e Brumadinho com 9 km.


O governador esclareceu que os valores advindos do acordo serão utilizados para iniciar a construção. Após concessão da administração da rodovia para a iniciativa privada, a empresa que assumir o trecho será responsável pela conclusão da obra.





 

O acordo prevê, ainda, a destinação de R$4,4 bilhões para criação de um programa de transferência de renda, que substituirá o auxílio emergencial pago atualmente pela empresa. O auxílio ainda seguirá sendo pago pelos próximos três meses e as regras do novo programa serão definidas pela população atingida, em conjunto com o Ministério Público e a Defensoria Pública. Para Zema, a nova forma de transferência de renda deve ser realizada de um modo mais justo.

Veja abaixo a íntegra da entrevista com o governador Romeu Zema

'Vejo o acordo com muito bons olhos', diz governador sobre acerto entre Governo e Vale (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D. A. Press)

Como passa a ser realizada a transferência de renda de agora em diante?

 

A transferência de renda já está acontecendo há quase dois anos. Assim que aconteceu a tragédia, a empresa fez um cadastramento, junto com a defensoria Pública e o Ministério Público, para fazer a transferência para os atingidos. Essa transferência está estruturada. Deve haver agora uma revisão de critérios para que algumas pessoas sejam excluídas e outros continuem. Na minha concepção, houve critérios que eu não considero justos. Quem precisa, foi afetado, tem de receber sim. Agora, o prefeito da cidade receber, eu já questiono um pouco. O juiz, empresário da cidade, condomínio de luxo, idem.  São critérios que têm que ser aprimorados. Agora, como temos um valor fixo, que será destinado para transferência de renda, quanto mais justo esse critério, maior o prazo para atender a população que precisa. Não fica aquela questão “dá para todos”. Agora, realmente ficou um valor definido. A questão operacional, não sei de detalhes. Mas, pelo que sei, há fiscalização do MP com relação a todos esses pagamentos. Mas te adianto que esse valor não transita pela conta do Estado. É direto entre empresa, Ministério Público e atingidos.

 

Qual foi o critério utilizado para a destinação dos recursos?

 

Esses critérios serão construídos. O estado nem entra. Quem fará isso será o Ministério Público, que representa a população afetada. Esses critérios, segundo me consta, serão aprimorados. O certo é pagar para quem precisa, para que o recurso, em vez de durar quatro anos, dure cinco, seis, quem sabe sete. Mas realmente para os necessitados. E não para que aqueles não precisem fiquem recebendo, simplesmente porque foi feito um raio de X quilômetros. E pode ter um milionário ali, um grande empresário recebendo. Eu considero injusto.





 

O valor pedido inicialmente pelo Governo do Estado era de R$55 bilhões. Houve uma contraproposta da Vale e o acordo acabou sendo fechado em R$37,68 bilhões. O senhor considera que foi uma derrota para o Governo?

 

Coincidentemente, hoje, o Estado de Minas noticiou que a tragédia da Gameleira completou 50 anos. Para mim, qualquer valor que foi pago hoje não consegue ressarcir as viúvas que perderam seus maridos, até porque suponho que muitas já morreram. Justiça tardia não é justiça. Na minha opinião é injustiça. O mineiro hoje precisa de saúde, segurança, boas escolas, a Região Metropolitana precisa de um anel viário. Se isso for feito daqui a 20, 30 anos, já passamos do tempo. E, principalmente, precisamos de emprego. E todas essas obras que serão executadas vão gerar mais de 360 mil empregos. Por isso nos empenhamos tanto em fazer um acordo ágil, que venha realmente trazer para o mineiro aquilo que ele precisa. Estamos em um momento de pandemia, de desemprego recorde. Precisamos colocar as pessoas para cima. Precisamos de obra, de emprego neste momento. E não daqui sabe-se lá se seria daqui 50 anos, como aconteceu na Gameleira. Então, eu vejo o acordo com muito bons olhos.

Zema frisou que o acordo do Governo de Minas com a Vale engloba direitos coletivos e não afeta os processos individuais que já tramitam na Justiça (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D. A. Press)

 

O dinheiro do acordo é um dinheiro ‘carimbado’, que só pode ser usado para as obras previstas? Ou, em caso de uma emergência, como uma segunda onda de COVID-19, os valores podem ser usados para outras finalidades?

 

Não. Os recursos do acordo da Vale estão isolados para serem aplicados nessas rubricas. Uma das condições que viabilizou esse termo foi que a empresa se sentiu segura de que o que ela está pagando será utilizado para aquilo que foi planejado. Porque, se entrar no cofre do Estado, geralmente há perdas. O que nós queremos é que seja aplicado no hospital A, no hospital B, no saneamento básico das cidades A e B. É um recurso que ficou blindado de interferências políticas. 

 

Em um post nas redes sociais, o senhor informa que o dinheiro do acordo será para iniciar obras. Acredito que, no caso do rodoanel, o valor não é suficiente para a conclusão. Quanto o Governo terá que desembolsar para concluir essas obras?

 

Muitas das obras que o acordo contempla serão concluídas. Temos várias escolas, hospitais, que vão receber recursos e que vão ser reformados. O saneamento básico das cidades da Bacia do Rio Paraopeba, tudo isso vai ser contemplado integralmente. Somente o rodoanel é uma exceção. Por ser uma obra muito grande, muito vultosa, deve ser feito um processo de concessão. Por exemplo, se o valor vindo desse termo de reparação que o estado vai aplicar corresponder a 40%, os outros 60% serão aplicados por aquele que vier a ter a concessão, como já ocorre hoje com muitos projetos. Geralmente, quando se concede uma rodovia, quem vai operá-la se compromete a fazer melhorias, construir mais faixas etc. O rodoanel vai funcionar nesses moldes.





 

O Governo do Estado e o Ministério Público vão acompanhar o cumprimento do acordo pela Vale? Existem penalidades para o caso de descumprimento?

 

Com toda certeza. Tudo que foi acordado terá acompanhamento da Assembleia Legislativa, que é quem fiscaliza o Executivo, e do Tribunal de Contas do Estado. E todo esse repasse para a população atingida também tem acompanhamento do MP. Tudo isso está muito bem amarrado, para que não haja nenhum desvio de rota.

 

Existe um cronograma de início e conclusão dessas obras ou cada uma passará por um estudo individual?

 

As obras menores serão feitas com a maior rapidez possível. Faremos melhorias em todas as escolas, postos de saúde, delegacias de todas as cidades do Rio Paraopeba que foram afetadas. Como não são obras tão grandes, rapidamente serão executadas. O saneamento básico começa logo. Agora, uma obra como a do rodoanel envolve licitação, licenças ambientais, mas queremos fazer no prazo mais curto possível, para que o benefício para a população surja o quanto antes.

'Não foi algo que saiu da cabeça de ninguém. Foi uma construção de todos', diz Zema sobre acordo (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D. A. Press)


Quais são as informações que o senhor acha importante que a população tenha ciência sobre o acordo?

 

É importantíssimo frisar que esse acordo, para a empresa que está pagando é o mínimo. Na verdade, ela está pagando muito mais, só que não é parte do estado. Se você tivesse uma fazenda na beira do Rio Paraopeba, seu gado começou a emagrecer, você tem todo o direito de entrar com uma ação contra a Vale. Esse acordo com a empresa não inclui ações individuais. Isso tem que ficar claríssimo. Qualquer pessoa que more nas margens do Paraopeba ou em Brumadinho, que se sinta afetada, atingida, prejudicada, tem o direito de ir à Defensoria, procurar a Justiça e falar: ‘Quero receber indenização da empresa, porque fui prejudicado.’ Esse acordo engloba direitos coletivos. O estado de Minas sofreu, as mineradoras pararam naquele momento da tragédia de Brumadinho. Com isso, a arrecadação caiu, houve desemprego e o que estamos pleiteando são danos socioeconômicos. O Ministério Público, na área de Meio Ambiente, irá fiscalizar se a empresa está recompondo o que foi afetado. Se ela irá gastar 10 ou 20 bilhões, é outra história. Isso é uma parte que a empresa está pagando. Outra parte, o estado não é autor da ação. São as pessoas, os empregados da Vale que vieram a óbito, eu não sei quanto cada um recebeu. O tratamento é direto entre os familiares e a empresa. Se estamos falando aqui de um acordo de R$37 bilhões, talvez a empresa esteja despendendo R$50 ou R$60 bilhões, não sei. O que me interessa é representar o povo mineiro. E tudo que estamos recebendo, pela primeira vez na história do Brasil, está sendo destinado para equipar a estrutura pública, para prestar o melhor serviço: um rodoanel, hospitais regionais, escolas, saneamento básico. E não vindo para os cofres do estado, para os governantes usarem a seu critério. Foi tudo muito desenhado, construído escutando todas as partes envolvidas, com o aval do MP Estadual, Federal, Defensoria Pública, para que não houvesse questionamento. Eu fui um dos autores. Junto conosco, houve vários outros. Inclusive o dr. Augusto Aras (procurador-geral da República), que representa o Governo Federal, esteve aí hoje. Temos que lembrar que foi algo que durou 18 meses para ser costurado. Centenas de horas de reuniões, com todas as instituições participando ativamente. A comunidade foi escutada. A Defensoria esteve lá o tempo todo, realizando atendimento, audiências públicas. Não foi algo que saiu da cabeça de ninguém. Foi uma construção de todos. Talvez, por isso mesmo, vai dar um resultado muito melhor que a tragédia anterior, de Mariana, que até hoje não teve solução. A da Gameleira está fazendo 50 anos, a daquele viaduto da Avenida Dom Pedro I que está completando sete anos. O que nós não queremos é isso, que as coisas fiquem dentro de um arquivo morto, para serem resolvidas sabe-se lá quando.

 





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