Após se amparar na vacina de Oxford/Astrazeneca e ter relutado para assinar contrato para aquisição da CoronaVac, o governo federal se movimenta, agora, para conseguir mais opções de imunizantes contra a COVID-19. A articulação acontece em meio a pressões de vários lados, incluindo o mercado, que vê a importância da vacinação para que seja possível retomar o crescimento do país. São candidatas, então, a vacina russa Sputnik V, assim como as doses prometidas pelo consórcio Covax Facility, além de promessas da vacina indiana Covaxin. Somando as negociações em curso até o momento, o Brasil poderia chegar a 456,9 milhões de doses até o fim do ano, quantidade superior à necessária para garantir a imunização de toda a população brasileira.
Essa é uma previsão otimista, considerando que todos os laboratórios cumpririam as promessas feitas. Para isso, o governo federal precisa contar com a chegada de lotes de insumo farmacêutico ativo (IFA) vindos da China para a produção da CoronaVac e da vacina da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), além de conseguir fechar acordos com a União Química, da Sputnik V, e com a Precisa Medicamentos, da Covaxin. O Ministério da Saúde também precisa que os imunizantes passem por aprovação de autorização do uso emergencial na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que neste caso envolve também as vacinas da Fiocruz. Sobre a vacina russa, a pasta deixou claro, ainda, que a aquisição depende de um preço plausível.
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Diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José Davi Urbaez afirma que o cenário só não é mais caótico porque o Brasil conta com instituições como a Fiocruz e o Instituto Butantan. “Graças aos trabalhos dos técnicos e dos pesquisadores dessas instituições, que acabam pressionando e colocando um esforço monumental para honrar o fornecimento de vacinas no Brasil, nós entramos no grupo dos países privilegiados do mundo que estão vacinando a sua população”, ressaltou. Até o momento, a Fiocruz e o Butantan são os únicos a fornecerem vacinas ao país; no caso da fundação são apenas 2 milhões de doses importadas.
Fase 3
O infectologista acredita que a retirada da obrigatoriedade de estudos do fase 3, no Brasil, como requisito para a solicitação do pedido emergencial de vacinas pode ajudar o país a conseguir mais imunizantes, uma vez que o mundo vive uma pandemia e sofre com o contexto intenso de falta de vacinas. A decisão foi tomada pela Anvisa na última semana, favorecendo a Sputnik V em meio a pressões de governadores e parlamentares. “É um passo muito bom e a própria Anvisa tem os recursos técnicos e procedimentos internos que vão nos dar a segurança da revisão de todos esses estudos feitos em outros países”, destaca.
Para Gonzalo Vecina, a necessidade dos estudos de fase 3 foi importante em um primeiro momento. “Graças a isso tivemos quatro estudos de fase 3 no Brasil que ajudaram muito a ciência brasileira”, pontua. Até o momento, a vacina de Oxford/AstraZeneca, a CoronaVac, a vacina da Pfizer e a da Janssen-Cilag realizam testes de fase 3 no Brasil. Os representantes das vacinas Sputnik V e Covaxin também já pediram à Anvisa a autorização para começar os testes em território nacional.
Apesar de ressaltar a importância da pesquisa em território nacional, Vecina afirma que a Anvisa fez bem ao dar “um passo atrás” e permitir que os laboratórios solicitem o uso emergencial sem possuir o estudo de fase 3 no país. No entanto, ele reforça a necessidade desses testes em outros países.
Desinteresse
Desde o segundo semestre do ano passado, especialistas falam sobre a importância de se buscar mais de um imunizante no país. O governo brasileiro, entretanto, preferiu o marasmo. A importância de se adquirir vários imunizantes é, inclusive, pontuada internamente, em uma proposta assinada por seis ministros, incluindo o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, para a Medida Provisória (MP) 1.026, editada no dia 6 de janeiro deste ano. A referida MP permite a compra de vacinas antes do registro da Anvisa, desde que aprovadas em uma das agências internacionais citadas no texto.
No documento, do dia 29, no qual também propuseram a inclusão da Rússia (o que não foi feito), os ministros ressaltam que é relevante “a diversificação dos investimentos em diferentes vacinas e fornecedores, visando mitigar o risco de não aprovação de uma vacina eventual” como uma estratégia “para maximizar as taxas de sucesso relativas ao” plano e vacinação. Naquele momento, o governo só tinha contrato com a Fiocruz, assinado em setembro, para aquisição de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca, que será produzida pela fundação no Brasil.
Por questões ideológicas e políticas, a relutância foi intensa quanto à CoronaVac. Em outubro de 2020, o presidente Jair Bolsonaro desautorizou o general Pazuello, quando o ministro da Saúde anunciou que compraria 46 milhões de doses do imunizante chamado por Bolsonaro de “vacina chinesa de João Doria”. Quando viu que já não era possível protelar mais, com o governador tucano anunciando data de vacinação e com o pedido de uso emergencial nas mãos da Anvisa, Pazuello assinou contrato para compra de exatamente 46 milhões de doses, no dia 7 de janeiro de 2021.
O assunto chegou ao Congresso por pressão de empresários, que se articularam para tentar comprar vacinas, e de governadores, para a liberação da Sputnik V. Na semana passada, uma das mudanças aprovadas em MP pelo Senado chegou a ser prevista em medida editada no dia 6 de janeiro pelo governo federal. Como já divulgado pelo Correio, uma minuta da MP 1.026 tinha o nome da Rússia (o que facilitaria a compra da Sputnik V), mas o governo retirou o país ao publicar a medida.
Queda no números da COVID-19
Ainda que em altos patamares, o Brasil encerrou a quinta semana epidemiológica com diminuição no número de casos e mortes pela COVID-19, na comparação com o fechamento anterior. Foram acrescentados 7.076 óbitos e 320.820 infecções no acumulado dos últimos sete dias, o que representa queda de 5,6% e 11%, respectivamente. Com taxas de isolamento na média de 36% (quando o recomendado é de 70%), o momento ainda é preocupante, sobretudo pelas médias móveis, que continuam acima de mil vidas perdidas diariamente e 45,8 mil casos. Ontem, o Ministério da Saúde contabilizou novas 978 fatalidades e 50.630 positivos para a doença, totalizando 231.012 óbitos e 9.497.795 casos desde o início da pandemia.