Chega a 24 o número de funcionários da Câmara com COVID-19, após as eleições para a presidência da Casa, ocorridas em 1º de fevereiro. O número efetivo é maior. O pleito mobilizou quase todos os 513 deputados e, pelo menos, outras 3 mil pessoas. Dias antes das eleições, o então presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ) tentou liberar parte dos parlamentares para votar de casa. Maia, porém, foi voto vencido na Mesa Diretora, já comandada por uma maioria de aliados do novo presidente, Arthur Lira (PP-AL).
À época, Maia chegou a falar abertamente, em coletivas, sobre o risco. “Se você cruzar o número de deputados que estão no grupo de risco, não é tão grande. A maior parte já teve o vírus. Mas temos que mobilizar mais de 2 mil funcionários da administração direta e indireta, e a imprensa. Então, tem uma circulação mínima de 3 mil pessoas no dia da votação. Eu entendia que, pelo menos no cruzamento daqueles que estão no grupo de risco, que pudessem ter o direito de votar de forma remota, isso reduziria a presença de parlamentares e, automaticamente, de servidores”, afirmou nos últimos dias de janeiro.
Mesmo dentro do plenário, onde, supostamente, só entraria uma parte dos parlamentares, houve aglomeração. Agora, Lira determinou o retorno dos trabalhos presenciais, e servidores que conversaram com o Correio sob a condição de anonimato temem que o número aumente com a volta do trabalho presencial.
Ao todo, a casa conta com 17,7 mil trabalhadores. Desses, inclusive, 3 mil são terceirizados, e muitos vão de ônibus para o Congresso. “Eles falam que será só uma parte dos 140 deputados que trabalhará. Mas, se chegar um deputado a mais na porta do plenário, ninguém vai impedi-lo de entrar”, afirmou um funcionário. “Ainda tem um grupo de deputados que é negacionista”, completou.
Negacionismo
Muitos trabalhadores apontam que há negação do risco de contaminação por parte do presidente da Casa. Após a eleição de Lira e membros do Executivo, viralizaram nas redes sociais fotos e vídeos do novo presidente com apoiadores em uma festa com aglomeração, sem máscaras, comemorando a vitória.
Além dos funcionários, a Casa recebe visitantes de todo o Brasil. O espaço é fechado e não ventilado. Para completar, mesmo que somente 1/14 do total retorne, ainda serão pouco mais de 4,4 mil pessoas.
Para completar, funcionários apontam até mesmo uma indisposição de Lira eM receber representantes da categoria. O médico e deputado Jorge Solla (PT-BA) comentou a situação: “A informação que temos é que ao menos 19 foram afastados. Ou seja, o número real de contaminados entre parlamentares, assessores e efetivos deve ser muito maior. Tivemos uma perda grave de um senador (José Maranhão, morte na segunda-feira, vítima de complicações da COVID-19). E hoje pela manhã, tivemos uma peregrinação de pessoas interessadas em circular nos gabinetes”.
“Eu sou contrário ao trabalho presencial. Tem dois aspectos importantes. Primeiro, é o risco grave para servidores da Casa, para assessores, parlamentares, profissionais da comunicação, terceirizados e outros circulando na Câmara, em um momento que temos cepas novas, que estaremos ajudando a disseminar, aumentando muito o risco. Segundo que a Câmara vai estar dando um péssimo exemplo, sinalizando um cenário como se não houvesse a necessidade de cuidados”, destacou o parlamentar. Até essa segunda-feira (9), o Brasil acumulava de 9,5 milhões de infectados. O número total de mortos pelo novo coronavírus no país passa dos 232 mil.
Vice-presidente executivo do Sindilegis da Câmara, Paulo Cezar Alves afirma que a instituição está buscando diálogo. O sindicato já pediu um encontro com o presidente, mas não obteve resposta. “Imagino que seja a agenda que está corrida. Nós, do Sindilegis, vemos com preocupação essa volta. No dia de hoje (terça-feira), tivemos muita gente, prefeitos e vereadores, visitando o Anexo 4. A arquitetura não é propícia. Não temos como manter a distância. Queremos trabalhar. Mas queremos trabalhar com segurança”, afirmou.
Alves relata outros casos. “Mais de 10 terceirizados fazendo trabalho de engenharia tiveram COVID-19. Imagina na votação do Orçamento, de grandes matérias, teremos pessoas vindo de fora. Queremos que a Mesa Diretora pondere. Estamos buscando o diálogo. Não conseguindo, vamos procurar o Ministério Público, o Ministério Público do Trabalho, a Justiça Trabalhista, para achar um meio termo”, disse.
Fugindo da imprensa
É na mesma toada que Arthur Lira, apadrinhado de Bolsonaro da disputa pelo cargo que ocupa e que se elegeu com discurso de uma Câmara mais participativa e transparente, trata os profissionais de imprensa que trabalham na cobertura parlamentar. Lira decidiu tirar a imprensa do espaço que os jornalistas ocupam desde a década de 1960, espaço designado aos profissionais pelo próprio arquiteto Oscar Niemeyer, e mandá-los para o subsolo, afastando os trabalhadores das atividades parlamentares. O projeto é da ex-primeira secretária da Mesa Diretora, Soraya Santos (PL-RJ), aliada de Lira.
A intenção de Lira é aproveitar o feriado de Carnaval para fazer a mudança. Dessa forma, o presidente terá acesso direto ao plenário, e poderá evitar a interpelação de jornalistas na rotina semanal da Câmara. Atualmente, para ir da presidência ao plenário, o parlamentar é obrigado a cruzar o Salão Verde, onde é abordado pela imprensa. Com a retirada dos jornalistas do comitê, o espaço servirá como gabinete da presidência. A ação deve ocorrer sem projeto aprovado ou orçado.
Lira mandará os jornalistas para o subsolo, e pretende dispor 41 mesas em um espaço onde, até pouco tempo, trabalhavam cerca de 25 pessoas, sem janela, sem banheiro e sem espaço para fazer as refeições. Profissionais de rádio e TV ficarão sem cabines. O comitê conta, atualmente, com 46 mesas. Em grandes coberturas, o espaço atual comporta quase 100 profissionais.
Conforme o Correio publicou, especialistas em tombamento consideraram a medida “estranha”. Militante do tombamento de Brasília, o jornalista e ex-secretário de Cultura do DF, Silvestre Gorgulho destaca que qualquer alteração tem que ser para melhor. “O prédio é tombado. Tem coisas que você não pode mudar. Agora, gabinete, comitê de imprensa, depende da gestão. Em termos de oportunidade, logística, a mesa é que decide. Ainda assim, o Comitê de Imprensa é em lugar estratégico para as coberturas, tanto do Senado quanto da Câmara. Administrativamente, a geografia tem que dar a oportunidade da cobertura e do trabalho”, ponderou.
Ex-superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o arquiteto José Leme Galvão Junior destaca que a área interna do Congresso voltada para a fachada do prédio nunca sofreu modificações. “É muito controverso. O fato de ter um tombamento é menos importante que a organização espacial original e o propósito dela deveria ser respeitado. E se está aí desde a origem do projeto, indica o acerto”, avaliou.
“É estranho que um presidente da Câmara possa assumir um papel de gestor do espaço impunemente. Isso é o que me causa mais incômodo, o fato de ele usar esse cargo para uma decisão de gestão de espaço. O prédio não pode estar sujeito a um gestor de ocasião. Não estou dizendo que é ilegal, mas parece um uso um tanto abusivo. Ele é presidente da Câmara, mas não é gestor dos espaços. Isso tem que ser estudado. Dá a impressão que o interesse maior é afastar a imprensa”, criticou.
Por meio de nota, Lira afirmou que a mudança de espaço não interferirá no trabalho da imprensa. “A alteração de espaços dentro da Câmara dos Deputados em nada vai interferir na circulação da imprensa, que continuará tendo acesso livre a todas as dependências, como o cafezinho, o plenário, os corredores, os salões e a própria presidência. O objetivo da alteração é aproximar o presidente dos Deputados, como eu falei em toda a minha campanha”, justificou.