Jornal Estado de Minas

Entrevista/Gilson Soares Lemes

''Sempre tive fé em que o acordo (Vale) sairia'', diz presidente do TJMG

No último dia 4, o governo de Minas Gerais e a mineradora Vale fecharam acordo de reparação em virtude da tragédia de Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em janeiro de 2019.



A companhia vai pagar R$ 37,68 bilhões, revertidos em transferência de renda aos atingidos pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, obras nas comunidades que sucumbiram à lama e intervenções em outros pontos do estado.

As tratativas foram mediadas pelo Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania (Cejusc), ligado ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

O Executivo estadual pedia em torno de R$ 55 bilhões; depois de se propor a pagar R$ 21 bilhões, a companhia aumentou a oferta até beirar os R$ 30 bilhões.

Para o presidente do TJMG, desembargador Gilson Soares Lemes, a mediação do poder Judiciário evitou que o tema se arrastasse por anos a fio nos tribunais. “Não há o risco de, daqui a 15 ou 20 anos, a empresa não ter como pagar essa quantia”, diz, em entrevista exclusiva ao Estado de Minas.



“Não seria justo, para os atingidos, esperar tanto para receber as indenizações”, completa. O derramamento de rejeitos deixou 270 mortos; outras 11 pessoas ainda não foram encontradas.

O magistrado crê que as mais de 200 horas de audiências e reuniões privadas proporcionaram acordo favorável. “Há um consenso entre as instituições jurídicas e o estado de que o valor que se está pagando hoje é razoável, tanto para a reparação dos danos quanto para a construção de obras em favor das comunidades atingidas e, também, para a transferência de renda aos atingidos por quatro anos”, afirma.

Lemes cita os colegas Newton Teixeira, que coordena o Cejusc, Ronaldo Claret e José Véras como figuras importantes durante as conversas que deram forma ao trato.

Os valores serão depositados em juízo, o que, na visão do presidente do TJMG, dá mais segurança aos atingidos. Ele refuta questionamentos de entidades que representam os impactados pelo desastre, que reclamam dos quase R$ 10 bilhões destinados às populações afetadas, ante os mais de R$ 27 bilhões repassados a outras intervenções.

“Não vejo a existência desse desequilíbrio, pois o valor destinado (aos atingidos) é muito alto e vai repassar renda por quatro anos.” O governo conta com o dinheiro vindo da Vale para medidas como o início das obras do Rodoanel no entorno da capital.





Como foi o processo de mediação conduzido pelo TJMG?
Foram várias audiências e reuniões até o acordo final. As audiências eram maiores, com a participação de vários representantes de cada segmento: Vale, governo do estado, Ministério Público Federal, Ministério Público de Minas Gerais e Defensoria Pública. As reuniões privadas eram com menos participantes, mas sempre com representantes das instituições. Foram reuniões que duraram horas, inclusive nos fins de semana e no recesso. Elas foram conduzidas pelo desembargador Newton Teixeira, coordenador do Cejusc de 2º grau. Foram (cerca de) 200 horas de reuniões desde outubro. Todas as audiências foram conduzidas pelo presidente, com a participação de outros desembargadores e representantes de todas as partes.

Minas Gerais, inicialmente, pedia R$ 55 bilhões à Vale, mas o acordo foi fechado em R$ 37,68 bilhões. O que faz o Judiciário crer que os termos assinados são bons para o estado?
O pedido de R$ 55 bilhões era uma estimativa. Não temos, ainda, as perícias necessárias para quantificar os danos socioeconômicos e ambientais. Não é o valor efetivo dos danos. Há um consenso entre as instituições jurídicas e o estado de que o valor que está se pagando hoje é razoável, tanto para a reparação dos danos quanto para a construção de obras em favor das comunidades atingidas e, também, para a transferência de renda aos atingidos por quatro anos. O valor é razoável, ainda, pois se fossem aguardados 10, 15 ou 20 anos para receber os R$ 55 bilhões, é possível fazer um cálculo rápido e ver que o valor (R$ 37,68 bi), hoje, é mais efetivo. Além disso, atende imediatamente às vítimas. Não há o risco de, daqui a 15 ou 20 anos, a empresa não ter como pagar essa quantia.

O senhor tem dito que, pelos caminhos comuns, o processo se arrastaria por muito tempo. O que poderia fazer a ação se prolongar?
O processo é muito complexo. Foi uma tragédia muito grande, que atingiu uma área ambiental considerável, muitas pessoas e muitas comunidades. Houve 270 mortos e desaparecimentos. Um processo dessa complexidade necessita de muitas provas e perícias. Isso leva tempo para se fazer. Além disso, as partes podem interpor recursos das perícias e das decisões, além de recurso ao final do processo, para tribunais superiores. É possível que a demanda demorasse de 15 a 20 anos. Não seria justo, para os atingidos, esperar tanto para receber as indenizações.





Cerca de R$ 10 bilhões vão para transferência de renda direta aos atingidos e aproximadamente R$ 27 bilhões vão para outras intervenções, como educação, saúde e mobilidade urbana. Diante de tais números, os atingidos denunciam um desequilíbrio. 
O acordo entre as instituições e a Vale não engloba ações individuais. Qualquer pessoa que tenha tido prejuízo pessoal pode ingressar com ação individual contra a empresa. Também estão fora do acordo as ações criminais. O acordo envolve os danos socioeconômicos, morais e ambientais. Com o valor aos atingidos próximo de R$ 10 bilhões, serão realizadas inúmeras obras nas comunidades atingidas e em Brumadinho, além de transferência de renda durante quatro anos. Não vejo a existência desse desequilíbrio, pois o valor destinado (aos atingidos) é muito alto e vai repassar renda por quatro anos.

Os atingidos reclamam da pouca participação durante a construção do acordo.
Como já ressaltei, as ações individuais não estão nesse acordo. Elas podem ser propostas e as partes terão o direito de negociar a indenização pessoal. Quanto à indenização socioeconômica, ambiental e de danos morais, quem representa os atingidos é o Ministério Público e a Defensoria Pública. Houve várias reuniões com associações dos atingidos. Pela Constituição Federal de 1988, o MP e a Defensoria são os representantes legítimos em danos coletivos. Eles estavam representados no acordo.

Como será feita a fiscalização do cumprimento do acordo e a execução das obras previstas?
A execução do acordo é acompanhada pela Defensoria Pública, pelo Ministério Público e por auditorias independentes, que já estão formadas, para verificar a concretização de todas as obrigações assumidas pela Vale. Os valores repassados ao estado para obras deverão ser contabilizados conforme as normas fiscais e orçamentárias e terão a fiscalização efetiva do Tribunal de Contas do Estado (TCE).





O senhor chegou a pensar que o acordo não sairia por meio da conciliação?
Sempre tive fé em que o acordo sairia. A companhia sempre quis acertar os danos causados, desde que em valores razoáveis. As instituições jurídicas e o estado de Minas Gerais também gostariam que os danos fossem ressarcidos o mais rapidamente possível. Víamos viabilidade no acordo desde o início. Entretanto, tínhamos ciência de que, para chegar ao valor final, seria mais difícil. Mas isso faz parte da mediação: há momentos mais tensos e momentos de mais consenso. Temos que ir renovando as audiências para construir um bom acordo.

O que acontece se novos danos forem detectados?
O acordo engloba danos conhecidos. (Se houver) qualquer dano descoberto depois do acordo, com provas de que decorreu da tragédia, a Vale pode ser acionada.


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