Brasília – O presidente Jair Bolsonaro ainda não confirmou se disputará novo mandato. Mas um dos grupos de sustentação do seu governo, os militares, já têm procurado montar estratégias para tentar pavimentar esse caminho. No entanto, ressaltam que Bolsonaro precisará moderar o discurso, esquecer picuinhas e investir na recuperação econômica. No período pré-eleição no Congresso, o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, ajudou na articulação com o Centrão para que os aliados do Planalto saíssem vitoriosos.
Na última semana, Ramos disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que não se arrepende da aliança, apesar do mal-estar entre os militares. Ramos alegou que “não se envergonha” e que os oficiais da ativa das Forças Armadas entendem o “momento político” do governo. Outros militares, no entanto, ao longo do mandato, deixaram o Planalto disparando críticas, como Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, e Rêgo Barros, ex-porta-voz da Presidência.
“Conheço muitos militares que não votaram no Bolsonaro quando era deputado e continuam não votando. As Forças Armadas não são um bloco único. A preocupação é de que haja descolamento político das Forças Armadas em relação ao governo. Os governos passam e as Forças Armadas continuam. Existe essa preocupação com a imagem”, diz um oficial. Ele ressaltou, no entanto, que vê chances de reeleição de Bolsonaro, mas que, para isso, o presidente deverá melhorar ao menos dois aspectos: a economia e a comunicação.
“O governo se comunica mal, se articula mal para divulgar informações e as de relevância, sobre o que o governo faz, acabam não chegando. Bolsonaro terá como desafio moderar esse comportamento e a dificuldade em se comunicar. A reeleição também vai depender muito da economia”, observa.
Para manter o apoio dos militares, Bolsonaro retoma a bandeira de obter a aprovação do excludente de ilicitude, espécie de salvaguarda jurídica para policiais que, porventura, matarem em serviço. O item consta na lista de 35 itens que o presidente considera preferenciais e enviou ao Congresso. O presidente colocou em prática, ainda nesta semana, novas alterações na legislação que trata da ampliação do acesso às armas.
Para o senador Major Olímpio (PSL-SP), ex-aliado do presidente, a adesão à campanha de reeleição será composta por um grupo significativo de veteranos. Porém, avalia, em meio aos policiais da ativa, como militares, civis, penais e policiais federais e rodoviários federais, o chefe do Executivo tem perdido apoio.
“Com esse público, Bolsonaro está criando uma grande rejeição, pois não fez nada a favor. Pelo contrário, com a reforma previdenciária dos militares, perderam muito. A tendência é que continue congelado o salário e a contagem do tempo de serviço para aumento de remuneração e aposentadoria. Esse povo da segurança pública a cada dia vai diminuir mais, a tendência é de abandono do barco. A grande massa que são ativos estão revoltados porque só estão perdendo. A massa significativa de veteranos, aposentados, que têm direitos adquiridos, ainda o apoiam”, relata.
Promessas
O major destaca que Bolsonaro se elegeu com a promessa de três pilares: anti-esquerda, combate à corrupção e resgate da segurança pública e direito de legítima defesa. “Os dois itens com a corrupção e segurança pública deixaram a desejar e ficaram só no discurso. Com a nova lei de previdência dos militares, acabou ficando uma massa bastante significativa de praças, soldados e pensionistas que foram abandonados no limbo. Ele fez carreira defendendo praças e os pensionistas. É justamente esse público que está se sentindo abandonado. O pessoal da ativa das polícias militares está ensandecido porque não pode fazer reajuste salarial e licença-prêmio de policiais no período de março do ano passado até o final do ano está suspenso”, reforça.
Para o analista político Creomar de Souza, da Consultoria Dharma, duas questões são importantes para traçar o caminho desejado por Bolsonaro: moderação de discurso e a necessidade de crescimento econômico. “A grande dificuldade fica no estabelecimento dessa performance. Esse parece ser o grande desafio para o governo. Não tem performance econômica, tem esvaziamento de agenda e isso vai tirando tração do governo”, aponta.
Entre os militares, avalia, a questão é de observação dos próximos desdobramentos de reformulação de cargos, sobretudo nos ministérios. “Obviamente, o Centrão está de olho em algumas pastas que hoje são ocupadas por ministros militares, como a Saúde, a Casa Civil, a Secretaria de Governo, assim como outros cargos distribuídos na Esplanada. Se Bolsonaro insistir em uma diminuição desses espaços, entra com menor vocalização entre os militares para uma reeleição. Caso não, perde no Centrão. Este é o dilema: encontrar o meio-termo de equilíbrio dessas novas forças que compõem o governo”, destaca.
A constitucionalista Vera Chemim, mestre em direito público administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), analisa que os militares não intervirão de forma contundente numa eventual re- eleição de Bolsonaro, pois existem divergências internas que remetem à hipótese de divisão do apoio e, consequentemente, dispersão de votos favoráveis ao presidente. “A relação entre Bolsonaro e os militares não parece estável, a ponto de ratificar os votos favoráveis à sua reeleição, o que leva à possibilidade de sua eventual reeleição ser garantida em tese, pela grande massa da população, tendo em vista fatores relevantes para a manutenção de sua popularidade, como a continuidade do auxílio emergencial diante da crise sanitária e os investimentos governamentais que têm sido feitos nas regiões Norte e Nordeste”, exemplifica. Por outro lado, diz, Bolsonaro também tem perdido apoio dos bolsonaristas radicais em razão de sua proximidade com o Centrão e das múltiplas concessões que tem destinado em troca de apoio e da sua blindagem diante dos pedidos de impeachment.
Crítica nas redes sociais
O presidente Jair Bolsonaro, que passou o carnaval em São Francisco do Sul (SC), respondeu a um seguidor pelas redes sociais que pediu para que ele fosse a Manaus ver a situação das pessoas infectadas pela COVID-19. O seguidor também recomenda ao presidente que vá aos supermercados: “Presidente, o senhor poderia ter ido dar esse passeio lá em Manaus para ver de perto a dor das pessoas infectadas pela COVID. Enquanto o senhor se diverte, a economia castiga os menos favorecidos. É só uma dica. Procure ir nos supermercados e ver a inflação real, longe das mordomias do Planalto”. Bolsonaro respondeu: “Vá reclamar de quem te obrigou a ficar em casa, fechou o comércio e destruiu milhares de empregos. Um abraço".