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Estado de Minas LEGISLATIVO

Cresce a representação indígena na política brasileira com eleições

Passados quase 40 anos da eleição de um cacique para a Câmara, tribos de todo o país elegeram 213 vereadores, 10 prefeitos e 11 vices nas últimas eleições


22/02/2021 04:00 - atualizado 22/02/2021 07:26

Eleito com apoio de Leonel Brizola, Mário Juruma marcou período como deputado ao usar gravador para dialogar com políticos(foto: Claudine Petroli/Estadão Conteúdo - 9/7/80)
Eleito com apoio de Leonel Brizola, Mário Juruma marcou período como deputado ao usar gravador para dialogar com políticos (foto: Claudine Petroli/Estadão Conteúdo - 9/7/80)
Pelos corredores do Congresso Nacional, enquanto o Brasil discutia os termos da redemocratização, um índio xavante engravatado e de cocar carregava um aparelho a tiracolo para gravar conversas mantidas com políticos.

Era o cacique Mário Juruna, eleito deputado federal em 1982, pelo PDT. Ele não conseguiu a reeleição e, quase 37 anos depois, Joenia Wapichana (Rede-RR) chegou a Brasília.

Nesse intervalo, os povos indígenas nacionais ficaram sem representante no Legislativo nacional. País afora, porém, comunidades originárias conseguiram emplacar representantes. A eleição municipal de 2020 terminou como o pleito com o maior número de vitórias de índios.

Dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e do Instituto Socioambiental (ISA) apontam que, no primeiro turno, as tribos obtiveram 213 cadeiras nas Câmaras Municipais, 10 prefeituras e 11 postos de vice. Em Minas Gerais, há 11 vereadores, um prefeito e um vice.

Segundo a Apib, as campanhas vitoriosas em 2020 representam aumento de 17% em relação aos cargos conquistados quatro anos antes. Dos vereadores indígenas mineiros, há representantes dos povos Krenak, Maxakali, Pataxó, Xacriabá e Xukuru Kariri.

Em São João das Missões, no Norte do estado, Jair Xacriabá, do Republicanos, venceu a corrida pela prefeitura. Os números de Minas Gerais representam 5,5% das vitórias obtidas pelos índios em todo o país.

A liderança do ranking cabe ao Amazonas: os 42 parlamentares municipais, os dois vice-prefeitos e o prefeito de comunidades originárias do estado representam 19% do total nacional.

Em São João das Missões, cidade onde cerca de 70% da população é indígena, Jair Xacriabá recebeu 53,7% dos votos. Ele crê que os povos originários precisam ser incentivados a participar do processo eleitoral.

“É preciso que os órgãos públicos estaduais, federais e municípios conscientizem as pessoas, principalmente os indígenas, de estarem dentro da política. Vivemos em um país democrático, onde os cargos públicos são abertos a todos, mas ainda há grande receio dos indígenas em enfrentar esses cargos, até mesmo por ainda existirem certos preconceitos. Temos que quebrar os tabus”, diz.

Professor de matemática e ex-diretor de uma escola estadual da cidade, o prefeito vislumbra ter papel importante na busca pela representatividade indígena.

“Temos que estimular as instituições públicas e políticas a reconhecer os indígenas como um povo que merece ser respeitado e ter seu espaço na política. A partir do momento que eu, como prefeito indígena, me aproximar dessas autoridades, automaticamente vão começar a enxergar os indígenas de outra forma”.

Ao tomar posse como vereador de Resplendor, no Vale do Rio Doce, Geovani Krenak (PSD) discursou em língua nativa e tocou flauta, ritual feito pelo seu povo como forma de buscar sabedoria e trazer harmonia aos ambientes.

“A representação se faz muito necessária. Somos habitantes imemoriais do Vale do Rio Doce. Antes mesmo das cidades se instalarem, nosso povo já travava guerras sanguinárias por esse lugar. Retomando a liderança que nosso povo sempre teve no Vale do Rio Doce”, afirma o indígena eleito com 430 votos.

Os Krenak são muito conectados aos temas ambientais. A defesa do Rio Doce, altamente prejudicado pela lama que escorreu da tragédia de Mariana, em 2015, é uma das prioridades do vereador.

“Estamos tratando de um elemento fundamental para a nossa vida: a água. Lutamos, desde sempre, para proteger o Rio Doce, principal fonte de água aqui. Nossa pauta é urgente, e hoje todo o Vale reconhece como uma coisa emergencial”, ressalta.

Geovani reconhece que os meandros do sistema político brasileiro, muitas vezes, inibem a participação indígena. Mesmo assim, acredita na representatividade como forma de dar voz às demandas dos povos originários.

“É muito complicado (participar do processo eleitoral), principalmente no interior, onde ainda há aquela política dos coronéis muito presente, mas é necessário lutar e enfrentar para ocupar espaços e participar das tomadas de decisão que influenciam na vida dos povos indígenas”.
 
Após um hiato de 37 anos da vitória eleitoral do primeiro índio, Joenia Wapichana (Rede-RR) chegou ao Congresso em 2018(foto: Valdir Wasmann/Divulgação)
Após um hiato de 37 anos da vitória eleitoral do primeiro índio, Joenia Wapichana (Rede-RR) chegou ao Congresso em 2018 (foto: Valdir Wasmann/Divulgação)
 

Trabalho de base

A eleição de 2020 registrou crescimento, também, no número de indígenas participantes. Os mais de 5 mil municípios nacionais abrigaram 2.212 candidatos originários, o que representa crescimento de 27% em comparação a 2016.

Ao longo do último ciclo eleitoral, a Articulação dos Povos Indígenas Brasileiros trabalhou para mostrar, às comunidades, a importância de disputar a eleição.

“É nos municípios que se inicia toda a retórica de conflito pelos direitos territoriais. E onde se iniciam, também, as principais violações aos direitos dos povos”, sustenta Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Apib.

Para o missionário Roberto Antônio Liebgott, coordenador da Regional Sul do Conselho Missionário Indigenista (Cimi), os povos originários têm conseguido, gradativamente, aumentar a participação na formulação de políticas públicas voltadas a esses grupos.

Ele aponta a Constituição Federal de 1988 como elemento importante, por ter permitido aos indígenas que se manifestassem conforme suas crenças e costumes.

“(O resultado das eleições de 2020) não é um fato isolado. É decorrência de um processo histórico conduzido pelos povos e suas organizações, em articulação com setores da sociedade e partidos políticos”, explica.

Apesar dos sinais positivos, o clamor pela reforma do sistema eleitoral permanece. Para Roberto Liegbott, mudanças precisam ser feitas para acomodar de modo natural os indígenas que desejam se candidatar.

“Nosso sistema político-partidário é hegemônico e não abre possibilidades e perspectivas para além do que os partidos impõem como regra para candidaturas. (Isso) restringe a participação dos povos nas disputas eleitorais. Não se compreende, nesse sistema, as diferenças étnicas e culturais. Trata-se todo mundo da mesma forma, quando a Constituição pede o respeito às diferenças”.

Dinaman Tuxá lembra que a discriminação sofrida pelos povos indígenas por séculos a fio fez com que, por muitos anos, as tribos não tivessem sequer um representante em Brasília. “Há um racismo institucional impregnado nas estruturas do estado e da sociedade brasileira”, aponta.

Embora reconheça a decepção de muitos indígenas com o modelo partidário brasileiro, Dinaman sustenta a importância de ocupar os espaços internos das agremiações para mudar as estruturas por dentro.

“Esses partidos já têm seus vícios e ideologias, que muitas vezes colidem com os interesses dos povos indígenas, o que acaba fomentando a violação dos direitos dos povos indígenas, tanto no âmbito administrativo quanto na prática. Bancadas do Congresso Nacional vêm, sim, financiando o genocídio e a violência contra os povos indígenas”, sustenta, comemorando a profusão de candidaturas país afora. Para ele, o modelo ajuda a consolidar a participação indígena nos pleitos.

Juruna pioneiro

Fundador do PDT, Leonel Brizola foi apresentado a Mário Juruna, o primeiro indígena a ser congressista, por filiados ao partido. Ao lado do antropólogo Darcy Ribeiro, seu fiel escudeiro, resolveu levar o cacique para ser candidato pelo Rio de Janeiro.

A popularidade de Brizola em solo fluminense garantiu a eleição do indígena nascido no Centro-Oeste. “Ele já tinha vontade de ser candidato, mas se saísse pelo Mato Grosso, não teria o sucesso que teve no Rio de Janeiro”, conta Rafael Weree, neto de Juruna e presidente do Movimento Indígena pedetista.
 
Falecido em 2002 e batizado Mario Dzuruna Butsé, o ex-parlamentar criou, na Câmara, a Comissão Permanente do Índio. O colegiado foi um embrião da atual Comissão de Direitos Humanos e Minorias.

“(Juruna) lutou muito pela demarcação (de terras), defendeu direitos, denunciou várias invasões, mortes de lideranças e demarcações mal-feitas. Foi só um mandato. Ele denunciou várias vezes a corrupção no Congresso. Há aquela imagem dele devolvendo dinheiro de propina”, fala seu neto, lembrando quando o avô acusou um empresário de tentar suborná-lo para garantir voto em Paulo Maluf na eleição presidencial indireta de 1985.



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