A defesa do ex-presidente Lula enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta segunda-feira (22/02) mais diálogos que teriam sido trocados entre integrantes da extinta força-tarefa da Lava-Jato de Curitiba. Em um deles, procuradores disseram que uma delegada da Polícia Federal teria lavrado um termo de depoimento de uma pessoa sem que ela tivesse sido ouvida.
“Como expõe a Erika: ela entendeu que era pedido nosso e lavrou termo de depoimento como se tivesse ouvido o cara, com escrivão e tudo, quando não ouviu nada… Dá no mínimo uma falsidade… DPFs [delegados da Polícia Federal] são facilmente expostos a problemas administrativos”, teria escrito Deltan no dia 25 de janeiro de 2016.
A manifestação foi enviada ao ministro Ricardo Lewandowski no âmbito de uma reclamação (43.007), contendo diálogos do relatório analisado pelo perito assistente Cláudio Wagner, contratado pela defesa. Segundo documento, o diálogo teria sido entre Deltan e o procurador Orlando Martello Júnior, que teria respondido sinalizando que a prática (lavrar depoimento sem de fato ouvir a testemunha) já havia ocorrido.
"Ela [Erika] pode ouvir conosco. Se deixarmos barato, vai banalizar. Podemos combinar com ela de ela nos provocar diante das notícias do jornal para reinquiri-lo ou algo parecido. Podemos conversar com ela e ver qual estrategia ela prefere. Talvez até diante da notícia reinquiri-lo de tudo. Se não fizermos algo, cairemos em descrédito. O mesmo ocorreu com Padilha e outros. Temos que chamar esse pessoal aqui e reinqueri-los. Já disse, a culpa maior é nossa. Fomos displicentes! Todos nós, onde me incluo. Era uma coisa óbvia que não vimos. Confiamos nos advogados e nos colaboradores. Erramos mesmo!", teria escrito Orlando.
Deltan, por sua vez, diz: "Concordo. Mas se o colaborador e a defesa revelarem como foi o procedimento, a Erika pode sair muito queimada nessa... pode dar falsidade contra ela... isso que me preocupa".
Nos diálogos, Erika é citada apenas pelo primeiro nome. Havia uma delegada chamada Erika Marena que atuou na Operação Lava-Jato. Depois que o ex-juiz federal Sergio Moro, que julgou casos da Lava-Jato, passou a ser ministro da Justiça e Segurança Pública, Erika assumiu o cargo de diretora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça.
As mensagens, obtidas no âmbito da Operação Spoofing (que prendeu hackers suspeitos de invadir celulares de autoridades), foram repassadas à defesa após autorização do Supremo. Em junho de 2019, algumas mensagens envolvendo procuradores e o ex-juiz federal Sergio Moro começaram a ser divulgadas pelo site The Intercept, em série de reportagens intitulada “Vaza Jato”. Um mês depois, a Polícia Federal deflagrou a Operação Spoofing, a qual obteve mais diálogos como esses.
Em nota, a PF afirmou que “todas as ações de polícia judiciária, depoimentos e interrogatórios inclusive, praticadas no âmbito de suas operações, são pautadas pela legalidade, encontram-se sob controle interno e externo e, nos termos da lei, são disponibilizadas aos investigados e advogados que atuam junto às investigações”. “Os termos prestados são conferidos e assinados pelo depoente, pela autoridade policial e advogados eventualmente presentes”, pontuou.
Já os procuradores que integraram a força-tarefa reafirmaram que as mensagens são fruto de atividade criminosa e que não tiveram sua autenticidade reconhecida, afirmando que “toda a atuação oficial dos procuradores se dá nos autos e fica registrada”. Conforme o grupo, “ainda que os diálogos tivessem ocorrido da forma como foram apresentados, foram apresentados absolutamente fora de contexto e omitem parte relevante da questão”.
De acordo com eles, “os supostos diálogos apontam que se refeririam a depoimento específico prestado por Fernando Moura que, após confessar seus crimes em acordo de colaboração premiada e depoimento perante a Polícia Federal, negou os fatos perante a Justiça Federal em depoimento prestado no dia 22 de janeiro de 2016”.
“Naquela ocasião, ele questionou se de fato tinha feito as afirmações que constavam em seu termo colhido perante a Polícia Federal. Diante do teor das declarações do colaborador à Justiça, é natural que possa ter havido questionamentos e especulações, entre os procuradores, sobre terem havido todos os cuidados necessários na colheita do depoimento de Fernando Moura perante a Polícia, já que o teor dos depoimentos refletia o que havia sido dito por ocasião do acordo do colaborador”, pontuou.
Segundo os procuradores, “a verificação dos fatos, em momento posterior ao das supostas conversas, demonstrou que todos os depoimentos do colaborador na Polícia Federal foram tomados com a sua presença acompanhada de seus advogados e que havia confirmado as informações que havia prestado em seu acordo de colaboração”.
“Além disso, o colaborador Fernando Moura, no dia 3 de fevereiro de 2016, em um novo depoimento perante o Ministério Público e num segundo depoimento perante a Justiça Federal, reconheceu que havia mentido perante a Justiça na ocasião anterior, alegando ter sido ameaçado por alguém no dia anterior ao seu depoimento”, garantiu o grupo.
Na nova ocasião, segundo os procuradores, “ele confirmou as declarações que havia prestado no acordo de colaboração ao Ministério Público e no depoimento perante a Polícia Federal, dissipando as dúvidas que ele mesmo havia levantado e que podem ter levado aos questionamentos dos procuradores, caso as supostas mensagens tenham se verificado como apresentadas”.
Sem confirmar as conversas, os procuradores disseram, ainda, que “os supostos diálogos, se tiverem ocorrido como apresentados, revelam ainda o receio de perseguições e retaliações administrativas por possível equívoco no modo como foi registrado o depoimento, mesmo que o conteúdo do depoimento estivesse absolutamente correto”. “Se não houvesse parcialidade, seleção ou omissão de textos das supostas mensagens que constam no próprio material, esta explicação provavelmente estaria no próprio desenvolvimento dos supostos diálogos