O ministro Marco Aurélio Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, abriu divergência e votou para manter o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro que esvazia o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). A medida foi assinada em 2019 e previa, entre outras mudanças, a destituição de todos os conselheiros, mudança na eleição para os representantes do colegiado e concentração de poderes na mão do governo para a tomada de decisões.
As alterações foram suspensas em dezembro de 2019 pelo ministro Luís Roberto Barroso, que apontou o risco do órgão se tornar 'chapa-branca'. A liminar está sendo julgada no plenário virtual da Corte - até o momento os ministros Alexandre de Moraes e Dias Toffoli votaram para validar o entendimento de Barroso e derrubar trechos do decreto. Marco Aurélio Mello é o único a divergir até o momento.
Para o decano, as alterações propostas por Bolsonaro ao Conanda não sinalizam tentativa de 'manietar' o processo de participação da sociedade civil nas decisões do colegiado. O ministro afirmou ainda que o decreto não é inconstitucional pois cabe ao presidente fazer as alterações que achar válidas.
"Compete à administração, mediante a atuação das pastas ministeriais, decidir sobre a organização dos colegiados. Interpretação em outro sentido implicaria a supressão ou limitação das atribuições essenciais do Chefe do Executivo", anotou Marco Aurélio. "Em Direito, repita-se por dever de coerência, os fins não justificam os meios. A louvável preocupação com os preceitos fundamentais relativos à democracia participativa, à vedação ao retrocesso e à proteção da criança e do adolescente não legitima atropelos, atalhos à margem do figurino constitucional".
A manifestação de Marco Aurélio segue os argumentos apresentados pela Advocacia-Geral da União, que justifica estar a cargo do presidente alterar políticas públicas.
'Chapa-branca'
Criado em 1991, o Conanda tem entre suas atribuições a elaboração e fiscalização de normas gerais de política nacional para atendimento de crianças e adolescências. O colegiado também é responsável por gerir o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente (FNCA).
A mudança promovida por Bolsonaro promoveria a destituição dos conselheiros atuais, a redução do número de representantes do colegiado (de 28 para 18), a vedação à recondução ao cargo e alterações na forma de escolha dos integrantes do conselho.
O Conanda é composto por representantes da sociedade civil selecionados por eleições em assembleias específicas. O decreto do governo mudava isso, e previa que a escolha viria por meio de um edital a ser elaborado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandando por Damares Alves.
Além disso, o decreto de Bolsonaro também deixaria nas mãos do presidente da República o ato de designar o presidente do Conanda, que hoje é escolhido pelos seus pares em uma eleição interna.
No início do julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou em voto que as medidas promovidas pelo decreto acabam por conferir ao Executivo o controle da composição e das decisões do Conanda, esvaziando o conselho em sua função de órgão de controle.
"Com base nessas normas, abriu-se caminho para que o Estado estabelecesse requisitos e controlasse os representantes que são ou não elegíveis para o Conselho, com os riscos de um órgão 'chapa branca', meramente homologador", apontou Barroso. "Trata-se, portanto, de norma que frustra o comando constitucional que assegurou participação às entidades representativas da sociedade civil na formulação e no controle das políticas públicas para crianças e adolescentes".
A tese fixada por Barroso prevê que sejam mantidos os mandatos dos antigos conselheiros até o final dos seus termos, a eleição de representantes continue a ser feita por assembleias específicas e que o presidente do Conanda seja escolhido pelos seus pares, e não pelo presidente da República. Além disso, o ministro também defende que sejam mantidas as reuniões mensais e os custeios de hospedagem e deslocamento para conselheiros que residem fora do Distrito Federal.
Em relação à redução do número de conselheiros e a impossibilidade de recondução, Barroso aponto que não vislumbrou fragilização da participação da sociedade civil nestes dois pontos específicos.